Roberto Bertelli, Pedro Vicente, Nelson Patriota e Hildeberto Barbosa
Encontro entre escritores é seguramente a melhor parte dos eventos literários. Essa constatação eu pude fazer durante a realização da Bienal da Floresta do Livro e da Leitura do Acre, que se encerra neste domingo, e que mobilizou durante uma semana a cidade de Rio Branco, emoldurada por um lençol de estio que lhe emprestou um sisudo ar outonal, quase europeu. A feira reuniu uma parte muito representativa da intelectualidade nordestina, como Hildeberto Barbosa Filho, Fernando Monteiro, Cláudio Aguiar, Jomard Muniz de Britto, Homero Fonseca, o mineiro Antônio Roberto Bertelli, , o paulista Luiz Galdino, os cariocas Vilma Arêas, André Seffrin e Luiz Ruffato, o goiano Gilberto Mendonça Teles, além de escritores acrianos, como Jorge Tufic, Laélia Rodrigues, Francisco Gregório Filho – homenageado –, e Clodomir Monteiro, presidente da Academia Acriana de Letras. Enquanto convidado norte-rio-grandense, tomamos parte numa mesa-redonda sobre jornalismo cultural e ministramos uma oficina sobre esse mesmo tema, para jovens estudantes de comunicação acrianos.Foram muitas as surpresas oferecidas pelo evento. Por exemplo, ouvir, num encontro sobre a literatura feminina contemporânea, a professora Vilma Arêas declarar sua paixão pelos contos de Clarice Lispector enquanto desdenhou de seus romances. E, como movida por uma fúria pedagógica, dirigir-se às suas ouvintes, agora como feminista sem rebuço nestes termos: “Os homens são muito exigidos, mas as mulheres também precisam ser muito exigidas a fim de saírem da sombra comodista em que se refugiam”. Sua colega acriana Laélia Rodrigues, menos passionária, limitou-se a reivindicar maior espaço para as mulheres no evento, haja vista que havia nele apenas quatro delas, contra 27 homens, e, aproveitando o momento de crítica, pôr em xeque o próprio tema do encontro com apenas uma frase: “Até hoje, nunca ouvi falar de literatura masculina”.A mesa-redonda que teve como tema “a moderna poesia nordestina” deu vez a que Hildeberto Barbosa discorresse sobre a poesia como paixão, esquecendo, por momentos, todo o repertório crítico que o transformou numa referência nessa área entre os seus pares. Mais surpreendente ainda foi o rebuliço provocado pela citação do nome do autor de “O Alquimista”. Ninguém acorreu em seu auxílio, embora não o ousassem criticar abertamente, receando, talvez, que isso fosse mal-interpretado como valorização de sua obra. As reservas foram quebradas por Luiz Ruffato, ao confessar que gostaria de vender livros como Paulo Coelho, “mas sem ter de escrever como Paulo Coelho”, refutando uma declaração de Fernando Monteiro, que o antecedera, o qual desdenhou do sucesso e externou o desejo de ser lido por públicos cada vez mais reduzidos e mais afinados com sua obra. Em compensação, Monteiro surpreendeu o público que o acompanhou respeitosamente, com a afirmação de que seus personagens favoritos não eram quaisquer dos personagens que ele havia criado. Nem mesmo Lúcio Graumann, seu alter ego e imaginário prêmio Nobel brasileiro, sobre quem vem escrevendo um terceiro livro, a sair em breve. Seu personagem favorito, declarou, é a própria literatura. Para justificar-se, ele usou um argumento até certo ponto simples: como não é possível se escrever um romance sobre adultério como “Madame Bovary”, ou sobre assassinato como “Crime e Castigo”, ou ainda sobre uma obsessão insana como “Moby Dick”, de Herman Melville, o caminho que resta ao escritor é cultuar a própria literatura.Uma última surpresa, dessa vez de todo agradável, me reservava a Bienal da Floresta. Ao abrir o envelope que o poeta Jorge Tufic me deixara na recepção do hotel que hospedou os convidados durante a semana do evento, havia um livrinho de menos de cinquenta páginas, intitulado “Cordelim de Alfarrábios II”. Lá estavam os cordéis “Encouramento e arreios do Seridó” e “O livro das velhas figuras”. Não é preciso dizer que no primeiro o poeta acriano homenageia Oswaldo Lamartine e, no segundo, Câmara Cascudo.
Tribuna do Norte, 7 de junho de 2009
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