As eleições de 1963 em Jaboatão
A situação política de Jaboatão no ano de 1963 era simplesmente cômico-trágica, obra de ficção no melhor estilo do chamado realismo mágico. O prefeito da cidade era o dono de engenho Humberto Lins Barradas, que fora eleito, salvo engano, por uma aliança na qual a esquerda havia indicado seu vice, o advogado Fagundes de Meneses; há cerca de dois anos Barradas se encontrava muito doente, mas não se licenciava do mandato, e o então presidente da Câmara de Vereadores, Reginaldo Montenegro, que era o prefeito de fato, não pedia o seu impedimento para não convocar o vice para assumir o cargo. Fagundes era do PTB, mesmo partido de Reginaldo e, além disso, seu cunhado, pois era casado com uma de suas irmãs. A situação foi se agravando, e por iniciativa das forças de esquerda foi convocado um ato público para pedir uma solução para o problema. Fagundes participou do ato público, e dele eu fui um dos oradores. No dia seguinte, por solicitação do presidente da Câmara de Vereadores, a Polícia Militar havia cercado a sede da Prefeitura para impedir suposta invasão por parte dos participantes do comício; era mais uma encenação de ópera bufa do vereador Reginaldo Montenegro, conhecido na cidade por sua empáfia e truculência. Pouco tempo depois num acordo de família o mefiistofélico potiguar José Fagundes de Meneses foi legalmente empossado como Prefeito e nos deu o troco, apoiando a candidatura do seu cunhado Reginaldo a prefeito; e o pior, tentou convencer a Frente a apoiá-lo e até nos prejudicou, pois ele era um dos donos locais do PTB, portanto da chamada base de apoio do governo, e de certo modo foi ele um dos impedimentos para que a esquerda trouxesse Arraes à Jaboatão para apoiar o candidato Miltom Emílio dos Santos.
Por iniciativa do PCB foi organizada a Frente Única de Jaboatão, cujo objetivo era discutir a conjuntura política e os problemas da cidade com os partidos organizados e personagens da política local, elaborar um programa e daí então escolher um candidato resultante de uma aliança pluripartidária para o cargo de prefeito do município. Essa era uma iniciativa pra acalentar boi, porque a essa altura as candidaturas já estavam lançadas e os nomes dos pretendentes corriam à solta pela cidade e distritos. Lembro-me de alguns nomes: Vicente Alberto Carício (PSD), Odilon Ferreira da Luz, Reginaldo Montenegro, Augusto da Farmácia, Cecílio Pinheiro, os mais cotados. Por falta de um nome representativo o PCB apelou para o médico Manoel Rodrigues Calheiros, que havia sido prefeito nos anos de 1947-1951, quando Jaboatão elegeu o primeiro prefeito comunista do Brasil, mais uma bancada de três vereadores, e também havia dado expressiva votação ao deputado eleito na legenda do PCB, Amaro Maribondo. Organizou-se um ato público na sede do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Papel e Papelão de Pernambuco, no Alto da Bela Vista, para homenagear Calheiros e pedir-lhe que aceitasse a candidatura pela Frente. Calheiros compareceu, fez um belo discurso mas não aceitou a indicação, alegando questões relacionadas à saude, idade e familiares, porém assumiu compromisso de apoiar o nome escolhido pela Frente Única de Jaboatão.
O Comitê ampliado da Frente sem contar com o forte nome de Calheiros reuniu-se urgentemente para deliberar e encontrar outro candidato. Lembro-me bem dessa histórica reunião e, salvo naturais lapsos de memória, eu declino alguns nomes que suponho estavam presentes: João de Aquino, José de Aquino, Nau, Adalberto Sena, Manaçu, José Bosfort, Otacílio, Lúcia, Altino, Lenito França, Wandesval Dias Luna, Adalberto Sena, Camilo, João Evangelista, José Napoleão da Silva, Correiinha, Zé Gaiolão, Pedro Virgolino e outros, principalmente ferroviários. Depois de muita discussão, foram encaminhadas duas propostas: 1) lançar chapa puro sangue saída do movimento sindical; 2) convidar um dos candidatos já lançados para prefeito e propor uma composição, garantindo a indicação pelo PCB do vice da chapa. Se escolha fosse por essa alternativa o nome mais cotado seria do ex-vereador de Odilon Ferreira da Luz. Os ferroviários fecharam questão quanto a chapa puro sangue, saída do movimento sindical, e indicaram o nome de Milton Emílio dos Santos, ora Diretor da Cooperativa dos Ferroviários. O vice da chapa o PCB se encarregaria de abrir negociação e indicar. Pra evitar mais delongas o acordo foi fechado, e uma comissão foi encarregada de levar o convite ao escolhido.
A correria foi geral, e dentro de uma ou duas semanas a chapa foi selada: com os nomes de Milton Emílio dos Santos e Joaquim Gonçalves, este dentista e velho militante do PCB, prefeito e vice foram pras ruas em busca do eleitor. Foi então escolhido o Comitê executivo da Frente Única, responsável pela coordenação da campanha, composição dos nomes para chapa de vereadores e de subprefeitos, pois Jaboatão tinha dois distritos autônomos: Cavaleiro e Prazeres/Jordão, articular as alianças e buscar um partido para abrigar as candidaturas. Não me recordo das legendas partidárias que compuseram a Frente, só posso afirmar que o MTR (Movimento Trabalhista Renovador) que tinha Alberto da Cunha Melo e Zé Luis de Melo entre os dirigentes, deu seu apoio e colocou à disposição da Frente sua legenda.
Lembro-me que o Comitê designou Alberto Cunha Melo, eu, professor Honório e Joaquim Gonçalves (candidato a vice-prefeito) para elaborar o programa de governo. A redação final do programa foi de Alberto. Alguns fatos ainda dignos de referência: o candidato a subprefeitura de Prazeres foi um padre da Igreja Católica Brasileira, fundada pelo Bispo de Maura, de nome Geraldo Margela. O PCB lançou apenas um candidato a vereador, Lenito França, e pediu que os comunistas concentrassem seus votos e esforço nele.
A campanha foi muito difícil, pois não tínhamos recursos nem o claro apoio político do governador Arraes, pois alguns partidos aliados ao governo tinham candidaturas concorrendo para prefeito, o que impossibilitou a presença de Arraes durante a campanha eleitoral. O deputado Cláudio Braga pouco se empenhou na campanha, mesmo consciente de que o seu vínculo com O PTB, não se constituía em impedimento; no entanto, ele estava ciente de que os candidatos a prefeito e vice eram comunistas, e não valia se esforçar para que fossem eleitos, pois estavam fora do seu controle. O IBAD, famigerado Instituto Brasileiro de Ação Democrática, concentrou seu apoio e muito dinheiro na candidatura de Vicente Alberto Carício, do PSD. O resultado das eleições majoritárias até que não foi dos piores, pois ficamos em segundo lugar e elegemos Geraldo Margela para Subprefeitura de Prazeres. O desastre maior foi não ter elegido nenhum vereador, que certamente viria a ser cassado no golpe de Abril de 1964. Até Luis Serafim, histórica liderança das Ligas Camponesas não conseguiu ser bem votado, isso, com certeza, devido o analfabetismo que grassava no meio rural. O ponto alto da campanha foi a presença de Luis Carlos Prestes no comício de encerramento, realizado no Quadro, local em que o Cavaleiro da Esperança estivera há uma dúzia de anos atrás. Pra glória e vaidade minhas eu falei em nome do PCB de Jaboatão.
A vitória do IBAD com Vicente Carício teve repercussão nacional, sendo noticiada pelos jornais, revistas e reportagens veiculadas nos cinemas. Para comemoração da vitória foi realizada uma grande festa na cidade, com passeata e comício, dela participando a fina flor da reação local, estadual e nacional. A derrota dos comunistas pelos “democratas”, segundo a direita, foi a redenção de Jaboatão, que agora não poderia mais ser chamada de Moscouzinho. Em Recife, o candidato da Frente para prefeitura, Pelópidas da Silveira, obtivera vitória apertada contra o candidato da direita, Lael Sampaio da UDN, pois a diferença de votos foi considerada pífia, e o seu vice, Antonio Carlos Cintra do Amaral, sofreu uma amarga derrota pro populista de direita Augusto Lucena. A esquerda, pelo que parecia, estava em franco declínio.
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