terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Memórias - Varal das Lembranças: Política, sindicato e comunismo na minha formação (5) - Pedro Vicente Costa Sobrinho



As grandes greves do ano de 1963 em Jaboatão
No ano de 1963, houve várias paralisações, sobretudo na área rural, porém duas grandes greves merecem destaque: uma no meio urbano e outra no meio rural. Os operários da Fábrica Portela depois de esgotadas todas as tentativas de negociação com os donos da empresa decidiram paralisar suas atividades. Eu participei de quase todas as assembléias, representando o Pacto de Unidade e Ação (PUA), inclusive da assembléia onde se decidiu pela greve. A casa em que morava no Alto da Bela Vista ficava atrás da sede do Sindicato, e alguns dos seus dirigentes eram meus amigos de tempo de infância, independente da minha condição assumida de comunista eu tinha uma relação afetiva com a diretoria do sindicato. Decidida a greve, foram escolhidas as comissões de mobilização e piquetes que deveriam estar presentes nas trocas de turnos, pois a fábrica funcionava 24 horas em três turnos com jornadas de trabalho de oito horas. Já era muito tarde da noite quando a assembléia votou pela paralisação, portando decidiu-se que no dia seguinte os turnos da manhã e da tarde seriam usadas para distribuição de panfletos com a propaganda da greve e  trabalho de mobilização junto aos trabalhadores que não haviam comparecido à assembléia. À noite, o piquete teria uma ação mais agressiva para impedir o acesso de trabalhadores às dependências da fábrica na hora da mudança de turno. Os líderes sindicais mobilizados no portão da fábrica tentavam convencer os recalcitrantes, mas não descartavam o uso da força com relação aos fura greves. Lembro-me que me encontrei com Alberto da Cunha Melo defronte a sua casa na Rua Barão de Lucena e caminhamos até ao portão de entrada da Fábrica Portela, ele iria cobrir o movimento para o jornal “Dia Virá”, eu na condição de dirigente do PUA, iria me incorporar ao piquete.  Antes de chegar ao portão, ouvimos disparos de arma de fogo, e então apressamos os passos em direção à multidão que se formara na frente dos portões da fábrica. A coisa estava feia; o gerente da Portela, um tal Frederico, parente do dono da empresa, havia mobilizado o pessoal da segurança que, armados juntamente com ele, se postaram no portão da fábrica para ameaçar os grevistas e assegurar a entrada do pessoal do próximo turno e também impedir a saída dos trabalhadores que se encontravam ainda nas dependências da fábrica. O delegado sindical José de Aquino que liderava o piquete foi desafiado a adentrar as dependências da fábrica para impedir a troca de turno, inclusive com palavras de baixo calão e alusivas a sua condição de ser de cor negra. José era muito valente e avançou em direção à guarda, os seguranças vacilaram e o gerente, conhecido por Dr. Fred, então abriu fogo atingindo-o com três tiros, que o deixaram a beira da morte, vindo a escapar com lesões irreversíveis. A massa reagiu e partiu pra violência, esmurrando os vigilantes que debandaram;  os trabalhadores seguraram o gerente, deram-lhe uma surra e tanto, e o conduziram pra delegacia de polícia que ficava distante cerca de uma quadra; um pouco depois da ponte sobre o rio Jaboatão, que servia para abastecimento e escoamento da produção da fábrica.  O tal Dr. Fred, até por sua própria segurança, ficou lá trancafiado. O delegado solicitou reforço à Secretaria de Segurança Pública, que mandou soldados da Polícia Militar para ajudar na guarda e transferência do gerente para Recife, onde receberia assistência médica. Outro fato importante que merece registro: ao prender o gerente e conduzi-lo até à delegacia, alguns vozes foram ouvidas incitando a multidão pra que  o gerente fosse jogado no rio Jaboatão quando da travessia da ponte. Eu fui um dos integrantes da turma do “deixa disso”, que defendeu aos gritos para a multidão, que ele deveria ser entregue à polícia. Não tenho a menor dúvida que se não o fosse Miguel Arraes estar no governo à repressão aos operários da Portela teria sido feia, e talvez muitos operários tivessem sido presos e se oferecessem maior resistência, até mortos.



A outra greve foi na área rural. Os trabalhadores das usinas de açúcar paralisaram suas atividades em todo estado de Pernambuco em defesa da extensão da legislação trabalhista ao campo: carteiras profissionais assinadas, salário mínimo, 13° mês, férias remuneradas, jornada de trabalho de 48 horas semanais, horas extras etc., pois os usineiros resistiam em não cumprir o que reconhecidamente determinavam a Lei e o Estatuto do Trabalhador Rural. Os trabalhadores das usinas Muribeca, Colônia e Bulhões atenderam os apelos do sindicato e cruzaram os braços. A sede do sindicato na Rua Santo Amaro, próxima a Igreja de Santo Amaro, padroeiro de Jaboatão, foi o centro da mobilização. As famílias de classe média que moravam nas imediações da sede do sindicato se sentiram incomodadas pela presença daquela massa de pobres que circulavam dia e noite na rua; eles nunca tinham de modo tão agressivo visto desfilar tão próximo dos seus olhos a miséria daquela gente que habitava a periferia rural de sua cidade; apesar de algumas provocações não houve nenhum caso mínimo de agressão da parte dos trabalhadores com relação a sua hostil vizinhança.  Digno de registro nesta greve foi a unidade das várias tendências políticas que disputavam a hegemonia do movimento: Igreja Católica, Ligas, PCB e PCdoB.

Lembro-me ainda do desdobramento causado pelo movimento grevista rural nas áreas canavieiras do estado. Os patrões reagiram ameaçando a paralisação de suas atividades no comércio, indústria, agricultura e serviços, inclusive transporte público. O governo do estado fez exercer sua autoridade, convocou as partes em litígio e acompanhou pessoalmente as rodadas de negociação, culminando com o chamado Acordo do Campo, com a suspensão da greve e o acatamento, por parte dos patrões, às reivindicações dos trabalhadores, que exigiam tão somente o respeito à Lei, que estendia a CLT e o salário mínimo ao campo. O governo federal, por sua vez, num gesto de conciliação e boa vontade, autorizou ao Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), a reajustar os preços do açúcar para atender o que foi pedido pelos usineiros e plantadores de cana como condição para fazer face aos custos decorrentes  do atendimento às reivindicações dos trabalhadores.

Em março de 1964, cerca de 300 mil trabalhadores rurais voltaram a entrar em greve geral, pois os patrões não cumpriram o Acordo do Campo. Os sindicatos patronais e a Associação Comercial de Pernambuco convocam reuniões e como retaliação decidem  paralisar  todas as atividades econômicas: indústria, comércio e serviços; o lock out foi programado para ter como conseqüência o pedido de intervenção do governo federal no estado em nome da manutenção da ordem pública. Os sindicatos dos trabalhadores também reagiram e através do CONSINTRA, Conselho Estadual dos Sindicatos de Trabalhadores, presidido por Zé Raimundo, convocou reunião com  dirigentes sindicais de todo estado para apoiar a greve dos trabalhadores rurais, defender o governo Arraes e definir o que fazer para se contrapor a ofensiva reacionário dos patrões e das forças políticas de direita. A decisão da assembléia foi que os trabalhadores deviam comparecer aos locais de trabalho: comércio, bancos, indústrias, transportes etc., e fazer funcionar as diversas atividades, e exigir ao mesmo tempo uma posição oficial do governo Arraes com relação ao lock out. O PCB mobilizou seus militantes e pra que fossem às ruas logo pela madrugada da anunciada paralisação dos patrões para pichar muros com palavras de ordem concitando a reação do povo contra a ação golpista das chamadas “classes produtoras”.   Arraes fez uso de uma cadeia de rádio e televisão e mandou um curto e grosso aviso  as chamadas "classes produtoras", deixando claro  que o governo faria valer sua autoridade, intervindo se necessário para que as atividades econômicas viessem a funcionar normalmente,  e  para que a ordem pública fosse mantida no estado. Os trabalhadores rurais, por sua vez, suspenderam a greve e retornaram ao trabalho.

Lembro-me que eu fui à assembléia na condição de presidente do  Pacto de Unidade e Ação dos Trabalhadores de Jaboatão (PUA) e saí dali como militante do PCB e,  em grupo, fomos à sede do jornal “A Hora” para apanhar material, pincéis e tinta, e daí executar a tarefa de pichação de ruas nas imediações da Praça Sérgio Loreto, próximo ao Quartel do Forte das Cinco Pontas, com proclamas contra os golpistas. Durante a pichação, fomos informados que a os patrões haviam recuado do lock out, e, portanto, devíamos paralisar o trabalho e ir pra casa.

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