quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Gastronomia -Juntando a fome com a vontade de saber: À MESA COM CASCUDO – Pedro Vicente Costa Sobrinho

Câmara Cascudo em sua visita a países africanos*





LUÍS DA CÂMARA CASCUDO confessava-se um provinciano incurável. De sua aldeia Natal, de modo solitário, varava noites em sua biblioteca, no velho casarão da Avenida Junqueira Aires, de onde construiu uma das mais significativas obras do pensamento brasileiro. O volume, a densidade e diversidade de assuntos e interesses de sua produção intelectual causam espanto e admiração a qualquer um que se aventure a navegar o mar imenso de sua bibliografia.



O poeta Carlos Drummond de Andrade desse modo se referiu à obra e a Cascudo: “Já consultou o Cascudo? O Cascudo é quem sabe. Me traga aqui o Cascudo. O Cascudo aparece, e decide a parada. Todos o respeitam e vão por ele. Não é propriamente uma pessoa, ou outra, é uma pessoa em dois grossos volumes, em forma de dicionário que convém ter sempre à mão, para quando surgir uma dúvida sobre costumes, festas, artes do nosso povo. Em vez de falar Dicionário Brasileiro, poupa-se tempo falando “O Cascudo seu autor.../... e sua vasta bibliografia de estudos folclóricos e históricos marca uma bela vida de trabalho inserido na preocupação de viver o Brasil./... em sua contínua investigação de um sentido, uma expressão nacional que nos caracterize e nos fundamente na espécie humana”(PROVÍNCIA 2 , 15).



O universo de preocupações de Cascudo desde cedo ultrapassou de longe o ambiente restrito do folclore. Em entrevista ao poeta Lêdo Ivo para revista Manchete, assim se explicou: “A cultura popular é o complexo. Representa a totalidade das atividades normais do povo, do artesanato ao mito, da alimentação ao gesto. Ora, a mim interessa tudo o que é do povo, até o que ele faz no banheiro ou no mato.” Com seu perfil de intelectual de corte renascentista, em mais de uma centena de livros publicados, soube transitar com mestria e genialidade nas artes e ciências: o historiador, o antropólogo, o etnógrafo, o sociólogo, o biógrafo, o memorialista, o crítico, o musicólogo, o tradutor, o romancista, o ensaísta, entre outros, e mais que tudo o escritor. Dele assim falou Paulo Rónai: “É essa visão plástica que lhe permite dar a suas afirmações, além do apoio de provas pesquisadas, a persuasiva densidade do lirismo.../ Nisto reside talvez a maior originalidade de mestre Câmara Cascudo, poeta ousado e pesquisador cauteloso./.., a quem sua intuição de artista e seus excepcionais dotes de escritor permitem dominar do alto uma disciplina na qual.../... a honesta e minuciosa pesquisa da realidade ambiente e a capacidade de enquadrar os fenômenos dentro de uma perspectiva universal são inseparáveis”( PROVÍNCIA 2, 71 e 72).



ESBOÇO DE UM PERFIL – Cascudo (1898-1986) fez seus estudos secundários no Ateneu Norte-rio-grandense. Confessa ter tido uma infância isolada e doente, cercado de brinquedos, mas sem companheiros de folias. Iniciou-se no jornalismo aos 19 anos. Aos 21 anos publicou o seu primeiro livro. Cursou Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro sem concluir. Em Recife diplomou-se em Direito. Foi professor de História do Brasil em escolas secundárias. E de Etnografia Geral na Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Norte. Aposentou-se como professor de Direito Internacional da Faculdade de Direito da UFRN, pela qual recebeu os títulos de “Professor Emérito” e “Doutor Honoris Causa”. Recebeu os prêmios nacionais João Ribeiro e Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, e o troféu “Juca Pato” pelo conjunto de obras.  A sua contribuição ao jornalismo diário, jornal A Republica, coluna Acta Diurna, até agora reunida já perfaz nove volumes. Realizou viagens de estudos a Portugal e África. O grosso de sua obra de mais de uma centena de títulos foi publicado principalmente pela José Olympio, Companhia Editora Nacional e Itatiaia. A Global Editora vem reeditando seus livros; já lançou dezenas de títulos, inclusive a monumental História da Alimentação no Brasil e Antologia da alimentação brasileira.



CASCUDO, O HISTORIADOR DA COMIDA – Cascudo e Gilberto Freyre são os pensadores brasileiros que de modo primeiro e inovador trataram a questão da comida e da cozinha com ciência e arte. Em Gilberto pode-se com segurança até afirmar que a comida e a cozinha perpassam toda sua obra; desde sua preocupação inicial no Manifesto Regionalista (1926), e mais contundentemente em Casa Grande & Senza1a (1933), Nordeste (1937) e Açúcar (1939). De Cascudo diga-se o mesmo e ainda mais, pois desde sua veemente defesa da cozinha sertaneja, em Viajando o Sertão (1934), e daí em todo percurso de sua obra tratou sempre a comida e a cozinha como indissociáveis valores da cultura de um povo. É de bom grado citar o que diz na abertura de sua História da Alimentação: “Toda existência humana decorre do binômio estômago e sexo. A fome e o amor governam o mundo, afirmava Schiller” (CASCUDO, 1983, 21).



Em Cascudo o estudo da cozinha cobre décadas. Saudara Gilberto Freyre pelo seu “Açúcar”. Publicou diversos artigos sobre comida e bebida: Folk-lores da cachaça (1943); O coquitel do Visconde de Mauá (1943); Doces de tabuleiro (1944); Um rito da cachaça (1949); Comendo formigas (1954); O bom paladar é dos ricos ou dos pobres? (1964). E livros: Dante Alighieri e a tradição Popular (onde se examina a evolução teológica sobre a gula) (1963); A Cozinha Africana no Brasil (1964); Made in África (1965); História da Alimentação no Brasil (1.ª edição: 1967/68); Prelúdio da Cachaça (1968); Sociologia do Açúcar (1971); Civilização e Cultura (1973) e Antologia da Alimentação no Brasil (1977). Neste ultimo livro, Cascudo afirmou que completara e fechava tudo que havia estudado sobre alimentação.



O meu encontro com Luis da Câmara Cascudo vem de muito antes. Década de sessenta do século passado, quando voltei para o Rio Grande do Norte vindo de Pernambuco por obra e graça do golpe militar de 1964. Fui um assíduo freqüentador de suas palestras e conferências. Levado pelo jornalista e correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, Arlindo Freire, fiz a primeira visita a sua casa e tive o prazer de conversar com ele. Pedimos sua colaboração para um projeto de revista que não se concretizou, porém de sua parte mereceu apoio de imediato, inclusive o compromisso de artigo para o primeiro número. Naquela oportunidade, Arlindo o entrevistou, a pedido do Estadão.



 O contato com sua vasta obra fora naturalmente acontecendo, até por curiosidade de saber coisas que haviam povoado a minha infância. Eu fui o editor, na década de setenta do século passado, quando diretor da Gráfica Manimbu, de dois dos seus livros: Vaquejada Nordestina e História da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Norte. Voltei a ter a honra de ser seu editor quando estive na direção da Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em comemoração aos seus 100 anos (1898-1998), editei os livros ditos confessionais, em quatro volumes: Pequeno manual do doente aprendiz, O tempo e eu, Na ronda do tempo e Ontem; e mais O livros das velhas figuras v. VIII; ainda, eu fiz uma segunda edição da Revista Província 2,(1968), comemorativa dos seus 50 anos de vida intelectual.



 O estudo de sua obra sobre alimentação e culinária somente veio a acontecer a partir de 1980. Leitura necessária e obrigatória que tive que fazer, pois não é possível escrever sobre alimentação no Brasil sem se referir a Cascudo. Até se pode encontrar esse tipo de omissão, porém somente perdoável antes da publicação do monumental História da Alimentação no Brasil (1967/1968); todavia, Abguar Bastos, no seu livro A Pantofagia, não sei por qual motivo não o cita (Brasiliana, 381, 1987).



Cascudo em sua vasta obra revelou um profundo conhecimento da teoria da arte do bem comer. Não posso afirmar se tinha arguta sensibilidade como realizador e também como apreciador. As referências ao vinho em sua obra memorialística ou confessional são poucas, e não vão além dos portugueses e uma ligeira indicação ao excelente vinho húngaro Tokay. Da comida, mereceu-lhe especial atenção os pratos regionais salgados e doces, a culinária baiana em particular, e os doces especialmente os portugueses.





Os textos dispersos de Cascudo que tratam da alimentação, não da nutrição como gostava de frisar, estão carecendo de um organizador para completar o perfil desse pesquisador sem igual no país. No entanto, sua outra face, o seu perfil do ponto de vista gastronômico, da ciência e da arte do bem comer, só poderá ser revelado pelo mergulho profundo na obra do mestre e nas informações daqueles que conviveram mais intimamente com ele. O aforismo norteador da pesquisa deve ser: “Diga-me o que comes, e eu te direi quem és”, de Brillat-Savarin.  





O LIVRO HISTÓRIA DA ALIMENTAÇÃO – Cascudo conta que por mais de vinte anos coletou informações sobre o assunto. O projeto era desenvolver trabalho que tratasse da alimentação de modo diferenciado do problema da nutrição, isto é, fora do ângulo restrito da dietética. Daí o comentário que fez quanto à parceria frustrada com Josué de Castro: “O Anjo da Guarda de Josué afastou-o da tentação diabólica. Não daria certo. Josué pesquisava a fome e eu a comida. Depois de anos de busca de financiador para o projeto, concluíra: “Acabei sem pensar no sonho teimoso e perseguidor, guardando em gaveta tranqüila as notas adormecidas.” Em 1962, o jornalista Assis Chateaubriand chama Cascudo a São Paulo para discutir o assunto. Aprovado o tema, o plano, e assegurados os recursos, Cascudo pôs as mãos à obra: “Sacudi as primeiras cartas perguntadeiras para Norte, Centro e Sul. Para Europa e África. Espanei os cadernos. Reavivei as marcas nos livros abandonados. Mobilizei o sabido, deduzível e provável. A viagem começou.” (CASCUDO, 1983,16 e 17).



Em pouco menos de dois anos, o primeiro volume da obra foi entregue ao editor e publicado na Coleção Brasiliana. A Companhia Editora Nacional lançou o livro em 1967, e no ano de 1968 saiu o segundo volume. O projeto estava concluído em seis anos: pesquisa, texto e publicação. Cabe realçar que uma versão certamente inconclusa da obra foi publicada em Portugal, 1963, a confirmar. (MARINHO, 1998, 9).

                

ESTRUTURA DA OBRA – Os dois volumes da obra de conformidade com sua segunda edição, ITATIAIA/EDUSP, 1983, 926 páginas estão deste modo dispostos: prefácio, dois estudos introdutórios (Todo trabalho do homem é para sua boca e Sociologia da alimentação), e treze secções ou capítulos: Cardápio indígena, Dieta africana, Ementa portuguesa, Adendo, Elementos básicos, Técnicas culinárias, O rítmo da refeição, Farnel de trabalho e viagem, Superstições alimentares, As bebidas no Brasil, Comida de esteira e mesa, Mitos e realidades da cozinha Africana no Brasil, Folclore da alimentação. E mais a extensa bibliografia e notas.



No primeiro volume da História da Alimentação, Cascudo discorre sobre os fundamentos e as contribuições mais importantes dos cardápios indígena, africano e português, inclusive suas técnicas de manuseio e preparo dos alimentos.



Do cardápio indígena são realçadas as técnicas de cultivo, aproveitamento e transformação culinária da mandioca sob as formas de farinha, pirão, mingau, beijus, tapiocas e bebidas. E mais a manipueira que sangrava do tipiti, usada pela cunhã para o manipói, que até hoje se constitui em ingrediente básico para o tucupi e o tacacá. Além disso, o milho, a batata, abóboras, feijão, palmitos, o mate chimarrão, a pimenta essencialmente como tempero, o pescado, a frutaria e caça (de pena e pata) silvestres; e técnicas como o moquém e o forno subterrâneo. Para Cascudo, herdamos do indígena as bases da nutrição popular, os complexos alimentares decisivos na predileção cotidiana brasileira. Acrescentando ainda que as moças indígenas foram as primeiras cozinheiras de que o português dispôs. E alem disso, no que se relaciona às técnicas, a culinária africana não vencera a indígena na feitura, extensão dos elementos disponíveis e aproveitamento.



No que diz respeito à dieta africana, Cascudo estuda e informa sobre o padrão alimentar na África negra, principalmente nas áreas fornecedoras de braços para a empreitada colonial. No Brasil, a comida do escravo era a mesma das classes mais humildes e pobres. Segundo o autor, era até mais regular, diária, segura em sua limitação e com possibilidade de melhorias festivas. As trocas alimentares têm tratamento particular, com destaque para o que veio da África: o azeite-de-dendê, inhame, melancia, galinha-de-angola, a banana que considera a maior contribuição africana para a alimentação dos brasileiros. Adiante Cascudo destaca: “A mucama cozinheira aproveitou os elementos próximos. Comer camarão, lagosta, caranguejo, com molho seco de pimentas é tanto do gosto indígena quanto do apetite africano. Reunem-se, numa nacionalização gustativa, elementos indígenas e portugueses, tornados africanos pelo batismo do dendê e alguns amerabas, como moqueca e o caruru, ganham forma e viço na incessante adição dos novos componentes” (CASCUDO, 1983).



Ao tratar da instalação da cozinha portuguesa no Brasil, Cascudo pesquisou e resgatou de modo abrangente o que se comia em Portugal no século da colonização. Os fundamentos básicos para o estudo foram a farta documentação colhida de sua viagem a Portugal, os textos de Gil Vicente e outros escritores, e mais Domingos Rodrigues. Este ultimo, autor de “Arte de cozinha”, considerado o mais antigo tratado de cozinha em português. A partir daí, recuperou e delineou de modo exaustivo todo o processo de transferência da cultura culinária do português, (alimentos e técnicas), e também a incorporação e a adaptação desta aos recursos alimentares locais, inclusive técnicas. O português é considerado o mestre e organizador da cozinha brasileira. Pelas suas mãos os africanos e indígenas dosaram os seus temperos; tiveram seus cardápios re-elaborados e marcados por duas presenças definidoras do paladar nacional: o sal e o açúcar.



No segundo volume, ao esboçar uma sociologia da alimentação, Cascudo viaja continentes descrevendo costumes e preferências culinárias. Comenta e critica o embuste dos cardápios e pratos servidos pelos grandes restaurantes: “O paladar, não tem quem o defenda naqueles que o perderam, no embotamento mecânico das refeições distraídas, no automatismo displicente e diário” (CASCUDO, 1983).



Nos fundamentos da cozinha brasileira descreve os elementos básicos que a constituíram e lhe deram personalidade. As técnicas culinárias: assado, cozido, guisado e frito; os molhos e a doçaria. Os recursos locais, mais as trocas africanas e preponderantemente portuguesas deram-lhe corpo e alma. As influências culinárias de outras nacionalidades são consideradas inexpressivas com relevância apenas para as alemães e, principalmente, italianas que, no entanto, são postas no seu devido lugar. E afirma: “O português deu-nos o fundamento de nossa cozinha graças à maleabilidade da adaptação inicial. O italiano portou-se como um aliado comandando tropas pessoais sem miscigenação na panela brasileira” (CASCUDO, 1983). O monumental livro encerra-se com um conjunto de artigos que, num arranjo original, complementam a mais vasta pesquisa até hoje realizada sobre a alimentação no Brasil.



Cabe ainda especialmente realçar o ensaio, parte do livro, Mitos e realidades da cozinha africana no Brasil. Nele Cascudo resgata o que é efetivamente africano, criticando os exageros sem fundamentos dos apólogos da tal herança de África, e diz: Os quitutes, com seus nomes inconfundíveis, são inevitavelmente considerados de origem baiana. “Não é possível abstrair a cidade de salvador como fonte orgulhosa, irradiante e legítima, desses pitéus, abaladores do metabolismo basal”. Adiante, frisa o mestre: “ Ter-se-ia verificado na cidade de Salvador uma concentração negra mais homogênea, mais íntima e possibilitadora da defesa das velhas comidas africanas que em outras paragens. Seria ao redor dos candomblés, do culto jejê-nagô, que a cozinha pode manter os elementos primários de sua sobrevivência. Creio que esse processo de coesão religiosa ocorreria já no século XIX. De coesão, mas não de existência histórica, muito anterior e notória... Citar-se “cozinha africana” é uma imagem tão indefinida e vaga como “cozinha européia” ou “americana.” Ainda: “O material manuseado na Bahia é essencialmente brasileiro, feijão, milho, mandioca, cimentos do edifício culinário. O inhame é africano, mas já era conhecido em Portugal, citado em maio de 1500 pelo escrivão Pero Vaz de Caminha. Nenhum animal africano integra o cardápio brasileiro, excluindo a Galinha-de-angola, da Guiné... Não há quitute baiano em que a guiné seja égide saborosa.” E mais: “A culinária africana jamais foi complicada e complexa. Sê-lo-ia pela sugestão imitativa dos cozidos europeus, saladas, guisados, coma diversidade condimental, como a fabada, a olla, intermináveis adubos. As fortalezas e residências  européias no litoral africano foram núcleos irradiantes de influência modificadora... A documentação é dispensável mas abundante. Os acessórios, as caldeiradas, os temperos, molhos, sabores seduziam tanto quanto as miçangas dos resgates.” “.... A variedade de condutos e temperos nos pratos afro-brasileiros tem alta dose de presença portuguesa, projeção de sua culinária já copiosa e farta, milenar e definitiva quando o Brasil foi encontrado.”





 Cascudo, em seu ensaio A cozinha africana no Brasil, diz: A cozinha africana contemporânea firmou suas características e elaborou suas técnicas já depois de o Brasil se povoar, na segunda metade do séc. XVI. Foi o período em que as espécies brasileiras foram enviadas e plantadas em África, mandioca, macaxeira-aipim, as pimentas, o milho, cajus, antes, o amendoim, e da índia, diretamente para orla oriental ou através das ilhas que foram estações experimentais, passaram frutas, féculas, sementes. Todos os pratos vindos da África foram reelaborados, recriados no Brasil, com os elementos locais e o azeite de dendê, indispensável já no século XV, era do agrado do negro. Essa técnica brasileira do pitéu africano voltou para África, conservando as cores sápidas da Bahia. Ainda hoje no Daomé e na Nigéria resistem quitutes regionais levados pelos ex-escravos repatriados. Conservam a técnica e os nomes do outro lado de Atlântico. Continuam sendo denominados comida de brasileiro, moqueca de crustáceos e peixe, feijoada, mocotó, caruru de quiabos, galinha de caçarola, lombo de porco assado, com rodelinhas de limão, farofa, etc., como nitidamente observou Zora Seljan (17) Se fossem iorubanos não se distinguiriam na comunidade culinária. O mesmo ocorreu no Daomé, onde os pretos, regressando do cativeiro no Brasil guardaram as festas de Natal e do Senhor do Bom-Fim na cidade de Salvador, com reminiscências das comidas típicas das folias de janeiro em Itapagipe. Muitos desses acepipes que dizemos “afro-baianos” são considerados em África como brasileiros, porque foram inicialmente aprendidos e usados no Brasil e diferem do preparo na Nigéria, Ghana, Costa do marfim, Daomé, terra natal, presumível dos mestres da culinária afro-baiana.



“Pode-se então concluir que as obras de Câmara Cascudo, em especial, Gilberto Freyre (1933/1938), Raimundo Moraes (1931), Josué de Castro (1960), Sodré Vianna (1939), A. da Silva Melo (1946), Nunes Pereira (1974), Hildegardes Vianna (1955), Eduardo Frieiro (1967), A. J. De Sampaio (1944), Zora Seljan (1963), Bariani Ortêncio (1967) Osvaldo Orico (1972), Darwin Brandão (1948), Manoel Quirino (1938) e Guilherme de Figueiredo (1964) e ainda, incluindo mais recentemente Frutas Comestíveis da Amazônia de Paulo B. Cavalcante (1978) e Pinto de Aguiar  com Mandioca – Pão do Brasil (1982) e Abguar Bastos, A pantofagia ou as estranhas práticas alimentares na selva (1987), fecham o ciclo clássico de estudos sobre os hábitos alimentares, inclusive a frutaria, e a arte da cozinha dos brasileiros. Eu ainda poderia mencionar  o clássico A nobre arte de comer (1978), de Marcelino de Carvalho, que também pioneiramente e  sabiamente nos indicou os caminhos do Whisky e dos vinhos; bem como, Sérgio de Paula Santos e Maria José de Queirós; esta com seus clássicos “A comida e a cozinha – iniciação a arte de comer”1988) e “A literatura e o gozo impuro da comida” (1994). Mas,  com ressalvas, pois esses autores fazem reflexões sobre a gastronomia no âmbito mais geral, não se limitando ao regional e essencialmente brasileiro.  



REFERÊNCIAS



BARRETO, Anna Maria Cascudo. O colecionador de crepúsculos (Fotobiografia de Luis da Câmara Cascudo). Brasília (DF):[s.n.] , 2003.

CASCUDO, Luis da Câmara.História da alimentação no Brasil, vol. 1 e 2. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1983.

................... Cozinha Africana no Brasil. Luanda, Publicações do Museu de Angola, 1964.

MARINHO, Francisco Fernandes. A bibliografia cascudiana. Natal:[s.n.],1998.

PROVINCIA 2. Edição fac-similar da revista publicada no ano de 1968. Natal: EdUFRN, Fundação José Augusto e Instituto Histórico e Geográfico do RN, 1998.









Nota:  O  texto postado foi em parte lido no Seminário Pitadas de Sabores e Alimentos do Brasil – Homenagem a Câmara Cascudo – Out/Dez – 2011, promovido pelo SESC- Carmo – São Paulo. Trata-se, portanto, de versão modificada de artigos que eu fiz sobre a vasta contribuição do mestre Luís da Câmara Cascudo ao estudo da alimentação e culinária brasileiras.* A foto que ilustra o texto pertence ao acervo de Anna Maria Cascudo Barreto.

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