segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Entrevista - Jaci Bezerra: o senhor do metro marítimo


por Ivan Marinho*


Tive, recentemente, o prazer de conhecer pessoalmente o poeta Jaci Bezerra, por circunstância do Festival Jaci Bezerra de Poesia, promovido pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió, onde honradamente fui o vencedor com o poema Barroquilhas. Concomitantemente foi lançado o livro Linha D’água, que reúne poemas de livros anteriores do autor.
Ficamos hospedados no mesmo hotel, o que possibilitou o contato e a conversa mais à vontade sob a brisa do mar, parceiro e mestre do poeta. Talvez pelos mistérios da empatia, não me deparei com o homem introspectivo, anti-social, ou tímido, como costumam caracterizar o comportamento de Jaci. Tive, ao contrário, a oportunidade de ouvir mais do que falar, com fluência, simpatia e perspicácia o senhor do metro marítimo e da transposição sensorial e atemporal de sua lira, José Jaci de Lima Bezerra, poeta e sociólogo, conterrâneo das Alagoas.

Seus poemas trazem uma carga simbólica muito forte da infância. Fale-nos sobre a sua infância em Murici.

Nasci em Murici. E logo que nasci fui para Maceió com a família, aninhado entre os braços da minha irmã mais velha. Em Maceió, passei a infância à beira mar: Pajuçara, Avenida, Ponta Verde. Gostava de me divertir e jogar bola com os amigos. Tinha um irmão, Jaime, que jogava no CRB e tinha uma admiração enorme por ele. Nessa época, comecei a estudar na Escola Industrial de Maceió, considerando que a escola era profissionalizante. Não dava muito importância aos livros e o que mais gostava de fazer era brincar. A praia da Pajuçara foi a minha Pasárgada.

Como você se interessou pela leitura?

Considerando o mundo em que vivia, era um adolescente cercado de poesia por todos os lados, antes de ser vitimado pela tuberculose. E porque tinha de descansar, tomar os remédios na hora certa, andar um pouco todo dia, cumprir enfim as ordens médicas, comecei a ler tudo que me chegava às mãos, como o almanaque do Biotônico Fontoura, um velho exemplar do Eu de Augusto dos Anjos, fascículos da novela O Direito de Nascer. A partir daí, li com interesse os romances de José de Alencar, Joaquim Manuel de Macedo, Aluísio Azevedo, entre outros.

Quando nasceu o seu interesse pela poesia? Fale-nos um pouco sobre as circunstâncias do seu estalo de Vieira?

Até um determinado momento, não dei atenção à poesia. Era um bom aluno e cuidava de fazer os meus deveres. Meu interesse pela poesia começou no Colégio Estadual de Jaboatão, na convivência com amigos que também eram aprendizes de poetas, como Domingos Alexandre, José Luiz de Almeida Melo e Alberto Cunha Melo. Nessa época fomos todos orientados pelo poeta Benedito Cunha Melo, pai do Alberto. A partir da leitura de Carlos Pena Filho aconteceu comigo o que um dia aconteceu com o poeta Paulo Mendes Campos: Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso.

Algumas declarações feitas em prefácios de seus livros remetem ao poeta que domina a forma, a métrica, a rima, como a de César Leal quando diz”...hábil criador de formas...”ou Hildelberto Barbosa: “...sua ritmia precisamente cadenciada...”ou ainda o Paulo Gustavo:”...amplo domínio da métrica e da rima...”Como se deu esse aprendisado?

Eu morava na Ponta da Terra e à noite escutava, longe, o barulho das ondas. E se você me permitir, lhe direi que o mar, principalmente à noite, soletra o ABC das suas águas com metros alternados ou breves, com suas pausas longas como alexandrinos ou curtos, como um poeta que conta as sílabas com os dedos. Tanto era assim que você, com o tempo, sabia de ouvido o intervalo em que as ondas se repetiam. Mas aprendi métrica e outras coisas mais e decisivas lendo um tratado de versificação organizado pelo Olavo Bilac e o alagoano Guimarães Passos.

Considerando esse olhar que vê em sua poesia o rigor na construção, é possível pensar no
encontro com o poema que chega como se estivesse pronto?

Não, exatamente. Mas penso que se você se entrega inteiro à sua arte ou coisa semelhante, até dormindo você sonha com ela, principalmente quando se trata de poesia. Aí você pode, como acontecia com o poeta Manuel Bandeira, sonhar com sonetos inteiros, como por vezes ele sonhava.

Quando você e o Alberto Cunha Melo foram descobertos por César Leal?

A gente sempre desejou enviar poemas para o César Leal com o propósito de serem publicados, o Alberto Cunha Melo, o Domingos Alexandre e eu. Mas ninguém nunca teve coragem de fazer isso. Um dia escrevi uma coroa de sonetos e resolvi enviá-la para o César. Criei coragem, venci a timidez e os enviei para o César através do Ascensorista do Diário de Pernambuco. Ele recebeu os poemas, publicou dois deles na edição do domingo com o título de Sonetos da Procura e, no outro domingo, publicou a Coroa. Aí eu já sabia que queria ser poeta e aquele poema publicado foi uma das grandes alegrias da minha vida.

Você foi amigo do Tadeu Rocha? Reconhece identidade estética ou só cronológica no que Tadeu Rocha chamou de Geração 65?

Amigo próximo, não. Mas o conheci e conversamos várias vezes quando dirigi a Editora Massangana da Fundação Joaquim Nabuco. Era um homem formidável, culto e bem humorado. Foi amigo de Mauro Mota como tinha, igualmente, sido amigo de Jorge de Lima e conhecia de perto os movimentos literários do Nordeste como, por exemplo, o Movimento Regionalista. Ao constatar a existência de uma possível Geração 65, portanto, ele tinha plena consciência do que estava fazendo. Reconheço essa identidade com traços estéticos bem nítidos.

Creio, pela data do prefácio de César Leal, ter o Quíntuplo sido editado em 1973. Como se deu o processo de feitura do livro, desde a escolha dos participantes (cito-os: Alberto Cunha Melo, Jaci Bezerra, José Carlos Targino e João Landelino Câmara)?

No bar Calabouço, onde escritores e artistas se sentavam no final da tarde para conversar, o Quíntuplo foi concebido pelo pintor João Câmara. Reunia, ao lado dos poemas de João Landelino Câmara, seu pai, poemas de José Carlos Targino, Alberto Cunha Melo, Jaci Bezerra e Severino Filgueira. O livro, ilustrado por João Câmara, teve projeto gráfico do pintor Roberto Lúcio e tiragem de 500 exemplares, salvo engano. Foi impresso por Mousinho Editor e o seu lançamento, na Galeria Nega Fulô, teve uma enorme repercussão.

Como surgiu o movimento das Edições Pirata?

A Pirata nasceu no âmbito do então Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais com a cumplicidade dos gráficos da instituição. Tivemos a idéia de publicar o livro comemorando o aniversário do Almir Castro Barros, intitulado Estações da Viagem, de sua autoria, e o lançamos no Restaurante do Gregório, no Pátio de São Pedro. Desse livro, livro que deu certo, nasceu a idéia de criação do movimento, que se propagou e acabou sendo um acontecimento nacional, a partir de uma nota escrita pelo Rubem Braga divulgada pela rede Globo de Televisão. E do jeito que começou, também acabou, com a dispersão dos seus participantes.

Você se recorda de alguma confusão em algum lançamento da Pirata, considerando a repressão que pairava em todo o Brasil?

Recordo que houve uma certa confusão quando lançamos o livro do Padre Reginaldo Velozo, chamado Presepança Nordestina, na ponte da Imperatriz. Mas talvez valha a pena recordar que os poetas Arnaldo Tobias, Paulo Bruscky e, creio, também o pintor Daniel Santiago, viveram momentos difíceis na época da repressão por ocasião de uma exposição que realizaram no meretrício do Recife.

Como a Edições Pirata encarou a, então, ditadura militar?

Exatamente criando os meios necessários e possíveis para editar poetas do Recife e movimentar a cena cultural da cidade, a partir da edição do Pomar, do Arnaldo Tobias, um dos principais poetas na resistência contra a ditadura. Sob esse aspecto, ele criou o jornal alternativo Pró-Texto, com personagens que tinham um discurso crítico extremamente contundente.

Dada a sua reconhecida polivalência (Vale lembrar o prêmio no XII concurso Nacional de Dramaturgia do MinC, 1986) existe escala de afinidade em relação aos gêneros literários?

Todos os gêneros e as artes, de maneira geral, se cruzam e se confundem no momento da criação. Embora transitando por alguns gêneros, o meu caminho é o caminho da poesia.

Ao conversarmos com você, de imediato percebemos o leitor profícuo. Qual sua leitura preferida e seus autores de cabeceira?

Leio sistematicamente livros sobre artes plásticas e a poesia de Manuel Bandeira, Manuel de Barros, Jorge de Lima, Cabral, Hilda Hist, Dante Milano, Paulo Mendes Campos, Carlos Moreira, Edmir Domingues, Audálio Alves, César Leal, Marcus Accioly, Ângelo Monteiro, José Mário Rodrigues, Débora Brennand, Alberto Cunha Melo e os pernambucanos, de maneira geral.

Você continua a andar pelo Recife, como antigamente?

Menos, agora. Não porque não tenha interesse, mais porque cada vez mais gosto de ficar em casa.



*IVAN MARINHO é professor, poeta, artista plástico e conselheiro de cultura no Cabo de Santo Agostinho/PE (agosto de 2007); publicado em INTERPOÉTICA © 2005 Cida Pedrosa & Sennor Ramos www.interpoetica.com

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