quinta-feira, 30 de maio de 2013

Artigos – Aula de Aritmética - Armando Nogueira

 
Busto de Juvenal Antunes - Posto defronte ao prédio do antigo Hotel Madrid, onde o poeta se hospedava - Rio Branco - Acre

Férias. Quem nunca tirou não sabe como é bom. Quinze dias de contemplação, manso sinônimo de preguiça. Conheci um poeta chamado Juvenal Antunes. Minha conterrânea Glória Perez sabe de quem estou falando. O poeta Thiago de Mello, também sabe. Juvenal passava o dia a recitar versos, quase sempre, cantando a beleza de Laura, a musa inspiradora de sua aventura poética. A voz esganiçada ressoava pelos barrancos do rio Acre: "... Perdoa, Laura, o meu atrevimento/ Lê esta carta, rasga e solta ao vento!"

Sem a lira de Juvenal Antunes, eu não teria saco pra enfrentar a cara de fuinha do professor Ernani. A aula de aritmética do professor Ernani era o grande suplício de minhas manhãs. Menos mal que minha vizinha de carteira era a morena Isabel, em cujos cabelos longos, lisos e lustrosos eu me refugiava da chatice elevada ao quadrado do professor Ernani. Que Deus o tenha!

Nas curtas férias que acabo de gozar, evitei sempre conversas de esporte. Não dava nem pra ouvir falar de futebol. Estava cheio de ver tanta bola no ano de 2001. Cheguei a pensar em sair de bigode postiço e peruca. É natural: neguinho te vê, se lembra da televisão e quer logo saber se o Juninho vai dar certo no Flamengo.

Quando pousei em Parati, outro dia, o guarda-campo me perguntou do Felipão. Respondi que não era quem ele estava pensando. Somos muito parecidos. Há até quem diga que somos gêmeos. Na verdade, nem nos conhecemos. Disse que me chamo Almir, que sou botânico de profissão. E fui logo engrenando uma segunda: meu ramo é outro. Cuido de flores. Vendo mudas de buganvília, exporto bromélias pra Europa e orquídeas pros Estados Unidos. O mais engraçado, digo eu, é que somos iguais fisionomicamente, mas muito diferentes em questão de gosto: eu não ligo a mínima pra futebol.

Na curtição da minha honrada vagabundagem, volta e meia, eu me lembrava do poeta boêmio que escandalizava a cidade de Rio Branco, com seu robe-de-chambre de florões e seus pileques de gin com vermute, a declamar poemas na porta do hotel Madrid. Juvenal Antunes era Promotor Público, mas nunca aparecia no trabalho. Tinha tanto horror ao Fórum quanto eu ao colégio. Acabamos tendo outra afinidade: eu também fiquei apaixonado pela doce Laura que nunca fiquei sabendo quem fosse. Com uma pequena diferença de sorte: o que seria o meu primeiro ardor amoroso, puro devaneio, seria o derradeiro de Juvenal Antunes. Ele morreria pouco tempo depois, de melancolia.

Em Juvenal Antunes, descobri a cadência musical de um verso decassílabo: "Em tudo, me dás vida e me engrandeces/ E te vejo mais linda a cada passo." Com ele, aprendi, ainda, a preciosa lição de que, seja qual for o destino à tua frente, uma aula de aritmética, um caso de amor mal parado, haverá, sempre, um sopro de poesia pra apaziguar teu coração.

Nesta primeira crônica de volta ao trabalho, repito, em louvor das férias findas, os versos que Juvenal Antunes recitava, como se fosse pra mim, quando eu, desconsolado, ia pra mais uma aula de aritmética: "Bendita sejas tu, Preguiça amada/ E não consintas que eu me ocupe em nada.”

 

Publicado originalmente no Blog de Altino Machado.

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