Luiz Ruffato
O que me espera numa cidade situada a 3,5 mil quilômetros de São Paulo, em plena Amazônia? Esta a pergunta que me fazia, sentado no saguão de embarque de Congonhas, enquanto aguardava o vôo que me levaria a Brasília e de lá a Rio Branco, no Acre, um estado do extremo oeste do Brasil, para participar da I Bienal da Floresta do Livro e da Leitura. Após uma longa e cansativa viagem, finalmente desci no pequeno aeroporto, alta madrugada, e o carro que me levou ao hotel deslizou suave pela estrada deserta, como se temesse incomodar os moradores.
E a manhã seguinte se me abriu em surpresas. Caminhei por uma cidade, de 300 mil habitantes, de ruas limpas e tráfego organizado, de calçadas despidas de mendigos ou meninos pedintes, nem camelôs, nem prostitutas – triste espetáculo que, infelizmente, se tornou paisagem comum nas grandes metrópoles brasileiras. O sol iluminava a Praça da Revolução, onde vários quiosques exibiam livros, avidamente manuseados por jovens. Numa esquina, imponente, ergue- se a Biblioteca Pública do Acre, um edifício moderno que se integra perfeitamente ao conjunto de bem conservados prédios surgidos nas primeiras décadas do Século XX. Inaugurada em dezembro do ano passado, a biblioteca conta com um auditório para 120 pessoas, uma filmoteca, computadores com acesso livre à internet e um acervo de 42 mil títulos – sendo que, este ano, foi destinado R$ um milhão (USD 507,1 milhares) para a compra de novos livros.
Se a facilitação do acesso à cultura se limitasse a essa biblioteca, já poderíamos talvez nos dar por satisfeitos. Mas não: existem ainda mais de 100 pontos de leitura espalhados por todo o estado, pequenas bibliotecas que se tornam centros de convivência cotidiana (é bom lembrar que, embora possua pouco mais de 152 mil quilômetros quadrados, o Acre tem uma população pequena, cerca de 700 mil habitantes distribuídos em 22 municípios). Além disso, há em Rio Branco uma outra biblioteca, dedicada exclusivamente a questões ligadas ao meio-ambiente – tema, aliás, no qual o estado vem se destacando, ao defender a exploração da floresta com equilíbrio e harmonia.
No quesito educação, irmão gêmeo e indissociável da cultura, também a surpresa. O Acre tem hoje o maior salário inicial para um professor de todo o país, R$ 1,6 mil (USD 811) para um regime de trabalho de 30 horas semanais, sendo 16 dedicadas à sala de aula. Só para se ter uma idéia, o mesmo valor em São Paulo, o estado mais rico da federação, é 40% menor... E as instalações físicas das escolas são bastante adequadas – ambientes limpos, organizados, confortáveis, o que, como qualquer educador sabe, é essencial para o bom desempenho dos alunos.
Raras vezes me deparei no Brasil com um Poder Público realmente empenhado em disponibilizar aos cidadãos o acesso direto e concreto à cultura e à educação de qualidades. Talvez somente tenha observado algo semelhante na parceria entre a universidade e a prefeitura de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, onde há mais de 25 anos ocorre uma já tradicionalíssima Jornada Literária. No caso do Acre, a mudança adveio após o martírio do líder seringueiro Chico Mendes e da atuação heróica e visionária de Marina Silva. Os novos administradores apostaram na mudança de sentido na condução da coisa pública, e, após quase um século de dominação de uma elite totalmente desvinculada dos anseios da população, promoveram uma radical opção pela educação, a cultura e o lazer. Com isso, no meio da floresta, estamos assistindo a uma verdadeira revolução, mas uma revolução silenciosa, bem diferente daquela bufonaria de certos líderes latino-americanos, que parecem saídos das páginas dos escritores que traçaram a caricatura dos ditadores das repúblicas bananeiras, mais afeitos aos discursos vazios e às atitudes ridículas, mas midiáticas, que a efetivas mudanças. A lição que fica: quando queremos, podemos mudar o mundo que nos cerca.
Crônica de Luiz Ruffato, publicada na Revista ÁFRICA 21, n. 31, 16/07/ 2009.
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