Hélio Melo nasceu na Vila Antimarí, próximo de Boca do Acre. Nos seringais Floresta e Senápolis passou toda a sua infância. Parte de sua vida adulta deixou também lá, saindo para conhecer novos mundos aos 33 anos.
A floresta amazônica, com suas lendas, mistérios e fantasias, forjou o homem Hélio Melo e também o artista. A vida no seringal é muito difícil, dura mesmo, falou Hélio. Sua vontade logo cedo era deixar o seringal. Esquipar-se. Ganhar o mundo, rio acima ou rio abaixo. Alimentava o desejo de estudar. O compromisso e os laços com sua mãe foram mais fortes, retendo-o no seringal.
Aprendeu logo cedo a fazer traços esquisitos no papel. Retratava nos seus desenhos de iniciante a realidade envolvente. Cenas da floresta. Animais. Árvores. O trabalho, a caça, a pesca, a morada.
Além do isolamento em que vivia faltava-lhe material para ir em frente. A criatividade e a invenção funcionaram. Hélio fez uso da rica vegetação da Amazônia, inicialmente o mastruz, extraindo-lhe o sumo e dele confeccionando tintas para seus desenhos.
Ao falar do seringal, do barranco do rio, da pobreza e miséria de sua gente, Hélio também se lembra dos momentos festivos. Da alegria daquela gente humilde. Disse: aprendi a tocar logo cedo e era chamado para animar as festinhas.
Com a morte de sua mãe deixou o seringal e deslocou-se para Rio Branco. Virou catraieiro. Condutor de catraia: barco que vai e vem conduzindo passageiros de uma margem a outra do rio, explica Hélio. Sua catraia era diferente, sobrava-lhe animação. Tinha até folheto semanal, “o Jornal da terça-feira”, para informar o passageiro dos acontecimentos. O progresso, com a construção da ponte sobre o rio Acre, tornou a vida do catraieiro mais difícil. Hélio de imediato mudou de profissão, virou barbeiro ambulante.
Em 1975, conseguiu emprego de vigilante na CODISACRE. Coisa mais segura. Dinheiro pouco mas certo no fim do mês. Varava as noites de vigília rabiscando papéis. Depositava neles parte de sua vida. Imagens vivas do repertório acumulado; resultado do seu contato com o homem e a natureza amazônica. Naquele tempo, conta Hélio, eu era muito solicitado por escolares, vizinhos ou não. Pediam que ilustrassem seus trabalhos de casa. Certamente, isto pra ele era motivo de alegria. Não deixava de ser uma forma de reconhecimento sincero, ingênuo e despretensioso de sua arte.
A descoberta de que fazia alguma coisa de interessante e digna de ser exposta ao público deu-se em 1978. Genésio Fernandes, artista plástico, e Gregório Filho, então presidente da Fundação Cultural, viram os desenhos, disse Hélio, gostaram e incentivaram a que produzisse mais. Daí resultou numa proposta de expor os seus trabalhos na Biblioteca Pública. A partir desse fato nasceu para o público o artista Hélio Melo.
O reconhecimento de sua arte no âmbito nacional, e mesmo sua hora e vez aconteceu com a mostra patrocinada pelo SESC no Centro de Atividades da Tijuca, no Rio de Janeiro. Ali, a arte de Hélio foi vista e causou marcante impressão no consagrado escultor Sérgio Camargo. Camargo chamou a atenção dos seus amigos da crítica de arte para a obra de Hélio. Adquiriu no momento 17 desenhos e tornou-se voluntário para redigir a apresentação do artista no catálogo-convite de uma próxima mostra.
A outra mostra de Hélio, sob o patrocínio da FUNARTE, aconteceu na Galeria Sérgio Milliet. Atraiu a crítica de arte do Rio. O Jornal do Brasil reservou-lhe a primeira página, quase inteira do famoso caderno “B”. O Globo comentou sua exposição através do crítico Frederico Moraes. Walmir Ayala chamou a atenção do público para o seu trabalho. A revista Veja noticiou sua mostra, dando-lhe destaque. Daí por diante os convites para exposições e mostras foram se acumulando.
Ao falar de sua arte, Hélio diz que ela retrata a vivência do homem do interior do seringal. A realidade do homem do campo e a cultura do seringueiro. Os segredos da floresta, que aprendeu com os índios. Afinal, sua história e experiência de vida, sua relação com a natureza e sua gente.
A crítica, ao comentar a arte de Hélio, realçou em seus desenhos, além do motivo que inspirou sua obra, seu apelo à natureza, sua crítica ingênua, mas mordaz, a presença forte da luz, os valores cromáticos e a riqueza de detalhes. Chama atenção, especialmente, sua técnica de combinar nanquim com tintas elaboradas com o sumo extraído das folhas de árvores. Ao ver a obra de Hélio, o sociólogo Werneck Vianna disse que em sua arte ele faz uma sociologia do trabalho.
Hélio é um primitivo, um naïf acreano, mas, com certeza, dos mais representativos desse Brasil. O compromisso social com sua região e sua gente saltam aos olhos: um artista engajado. Também, nele, a faceta poética já foi revelada por críticos consagrados. Merece, ainda, atenção especial a luminosidade dos seus quadros. Os efeitos de luz na floresta ao figurar o amanhecer, o entardecer, o anoitecer. Paisagens carregadas de luz, claro-escuros e sombras densas, realçadas por um desenho de traços e contornos precisos.
Encerro esta rápida conversa tomando as palavras do já falecido grande escultor Sérgio Camargo: “Essa luz da mata provavelmente existe por lá, mas a que aqui vemos nos vem de Hélio, seringueiro, seringalista, mestre maior da floresta, nosso amigo, obrigado.”
Exercícios circunstanciais. Natal: Coivara, 1997.
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