“Os estados nordestinos precisam vencer as “barreiras invisíveis” que parecem
existir entre eles.”
A primeira notícia que tive sobre a cultura norte-rio-grandense veio através de meu pai, em minha adolescência. Ele sempre me falava de três escritores potiguares de sua admiração, duas mulheres e um homem: as poetisas Auta de Souza e Palmira Wanderley, e o escritor Luís da Câmara Cascudo. Os outros contatos com os intelectuais do Rio Grande do Norte, eu os devo ao escritor e sociólogo pernambucano, radicado em Natal, Pedro Vicente Costa Sobrinho, a quem já chamei diversas vezes de pontífice, pois não conheço nordestino que mais pontes de intercâmbio cultural tenha construído entre os estados da Região e entre esta e o resto do país, em especial o Sul-Sudeste, sobre o qual tem uma posição realista, sem rancores ou preconceitos ingênuos.
Na década de 70, quando eu era uma espécie de co-editor literário do Jornal do Commercio (o titular era o poeta Audálio Alves), Pedro Vicente procurou-me, como dirigente da Fundação José Augusto, de Natal, e sugeriu-me publicar matérias do pessoal do Rio Grande do Norte, em especial dos jovens poetas que lideravam o Movimento do Poema Processo, Anchieta Fernandes e Dailor Varela entre eles. Lembro-me de ter publicado vários artigos de Anchieta Fernandes, que, depois, conheci pessoalmente.
É bom saber que, especialmente nas áreas de Literatura, no movimento editorial e no jornalismo cultural, as relações intelectuais entre Pernambuco e Rio Grande do Norte voltam a intensificar-se, não só através da ação incansável de Pedro Vicente, como também do trabalho do sociólogo, jornalista e tradutor Nelson Patriota, editor do jornal O Galo, periódico cultural do Departamento Estadual de Imprensa, do governo norte-rio-grandense.
Nos anos de 1998, 2000 e 2001, em que dirigiu a Editora Universitária da UFRN, Pedro Vicente editou 154 títulos (98 livros e 56 números de revistas). Tendo em vista as dificuldades por que vêm passando as editoras universitárias nordestinas, trata-se de uma produção bastante significativa, que lhe rendeu, segundo ele próprio, “muitos cabelos brancos e estresse”. Mas, como já dei a entender, o esforço de Pedro Vicente não se limita ao plano editorial daquela universidade. Ele vem lutando por uma política editorial moderna para as universidades nordestinas e outros órgãos oficiais, a fim de que façam a distinção necessária entre gráficas e editoras, aceitando a competição no mercado regional e evitando o favoritismo político, para que prevaleça “a valorização do bom autor”.
No próximo mês de setembro, Pedro Vicente, que não é um agente cultural duplo, mas múltiplo, depois de comandar duas feiras de livros em Natal (1998 e 2000), estará à frente da 1ª Bienal Nacional do Livro do Rio Grande do Norte, e, como sempre, tentará, mais uma vez, mobilizar as editoras universitárias do Nordeste para uma ação comum que vise, em primeiro lugar, ao mercado regional, e que ultrapasse a mera participação no PIDL (Programa Interuniversitário de Distribuição do Livro). Segundo ele, a falta de profissionalismo vem impossibilitando a modernização das editoras universitárias e, por isso, nem o PIDL funciona a contento.
O editor lembra que, segundo o Censo de 2000, a população nordestina é de 72 milhões de pessoas, quase o “equivalente ao somatório dos habitantes das regiões Norte, Sul e Centro-Oeste”, e, no entanto, a nossa “participação no Mercado Editorial Livreiro é de 16%”, enquanto um único estado, o Rio Grande do Sul, com uma população de 10 milhões de habitantes, participa dele com 8%. Conforme Pedro, o Nordeste não deve se lamentar, mas partir para um mutirão de editores, autores e livreiros nordestinos que defina uma “política para o livro”. A Bienal, que será realizada em setembro, poderá constituir uma boa oportunidade para iniciar esse trabalho de união e de pressão sobre os poderes públicos que, no Brasil, só querem investir em eventos que rendam votos.
Mas, é hora de falar do excepcional trabalho de Nelson Patriota no jornal O Galo. Sua política editorial é a da integração na Região Nordeste, sem exclusão de outras regiões. Na comunicação que apresentou no Congresso Nacional de Escritores, promovido pela UBE-PE, em abril deste ano, ele faz um amplo levantamento do jornalismo cultural no país, citando as três principais revistas, Continente Multicultural, Bravo! e Cult, além de alguns jornais, como o Correio das Artes, suplemento do jornal A União, da Paraíba, “o mais antigo suplemento cultural do país”. Lembra ainda que parecem existir “barreiras invisíveis aos olhos” entre os estados nordestinos, embora eles tenham tudo a ganhar com uma maior integração e valorização de seus talentos. Nelson não se conforma com a nossa falta de um “parque editorial próspero”, e cita o exemplo do Rio Grande do Sul, que edita e distribui pelo país inteiro os seus autores.
Tanto Pedro Vicente da Costa Sobrinho quanto Nelson Patriota são produtores culturais que clamam contra o atraso regional, mas reconhecem que é aqui mesmo, no Nordeste, na insensibilidade de empresários e homens públicos, que se explicam os autores silenciados e os livros amarelecendo nas gavetas.
Artigo de autoria do poeta e jornalista Alberto da Cunha Melo, publicado na coluna Marco Zero, Revista Continente Multicultural, n. 20, agosto/2002.
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