terça-feira, 29 de novembro de 2011

Memórias - Varal das Lembranças: Política, sindicato e comunismo na minha formação (3)

Por iniciativa e decisão pessoal eu escolhi duas áreas para atuar como militante do partido comunista: os movimentos estudantil e sindical. No movimento sindical através da organização de cúpula, o Pacto de Unidade e Ação dos Trabalhadores de Jaboatão (PUA), pois com relação à associação dos comerciários a coisa não andava; a categoria era tradicionalmente individualista e, portanto, muito difícil de ser organizada como me disse certa vez João Barbosa de Vasconcelos, presidente do sindicato dos empregados no comércio de Recife; frisava ele; “além do cerco repressivo dos patrões, cada comerciário sonha em ser gerente da loja na qual trabalha, ou considera seu  emprego como estágio, uma fase de transição na sua vida profissional. O agravante era que  eu e Francisco, membros da comissão provisória da associação, já estávamos fora da categoria, pois fomos demitidos das empresas em que trabalhávamos, além disso o grosso das firmas comerciais de Jaboatão eram familiares ou bem pequenas, e os patrões das maiores  não brincavam em serviço. No movimento estudantil, através da sala de aula do Colégio Estadual de Jaboatão. De início, procurei identificar os companheiros que comigo tinham certas afinidades intelectuais e políticas, e com eles formamos um grupo pra atuar de forma organizada junto ao Diretório Estudantil. O grupo inicial era formado por Jaci Bezerra Lima, eu, Ricardo, Dilma e por gravidade a bela e graciosa Anísia; esse grupo conseguiu eleger Jaci representante da classe junto ao Diretório. A partir desse grupo, conseguimos a adesão de estudantes que eram considerados a massa crítica do Colégio: Domingos Alexandre, Ricardo, Glauco, Karl Marx, Paulo José da Silva, Marília, Edward, entre outros; Alberto da Cunha Melo foi um caso a parte,  pois já éramos velhos amigos e companheiros  no jornal Dia Virá, sua adesão ao grupo foi muito fácil, e por ser pessoa de reconhecido respeito na vida intelectual da cidade, ele nos  deu uma baita credibilidade  junto aos alunos,  professores  e  direção do Diretório Estudantil.  Por indicação de Djalma Barros, à época presidente do Diretório Estudantil, eu assumi a Diretoria de Atividades Culturais, e logo propus a criação de um jornal com o nome de Vanguarda Estudantil, para o qual  de imediato tratei da escolha do corpo de redação. Para diretor eu indiquei Jaci Bezerra e Alberto eu convidei para redator-chefe. O jornalzinho circulou em junho, impresso por mimeógrafo a álcool, formato ofício, graças à mediação de José Luís de Melo junto ao Diretório da Faculdade de Medicina da UFPE.  O jornal veiculou poesia, artigos e entrevista de alunos do Colégio: Marília Borga, Edward Bernardino, Paulo José da Silva, Domingos Alexandre, Marly Borba, Pedro Virgolino, Jaci Bezerra, Alberto Cunha Melo e outros.
                                                                    Cid Sampaio
A Diretoria de Atividades Culturais foi muito atuante, pois o grupo que arregimentei para participar dela, reconhecidamente, era muito competente e ativo. Dentre as realizações desse grupo eu destaco: Lançamento do livro de poesia “Trovas e Trovadores”, do pai de Alberto, Benedito da Cunha Melo; conferência do ex-governador Cid Sampaio sobre Democracia; palestras da economista Liana Aureliano sobre Economia Brasileira e do poeta Albérgio Maia, sobre Castro Alves. Todos esses eventos culturais foram realizados no auditório do Colégio, com exceção da conferência do ex-governador Cid Sampaio, que foi proibida por ordem emanada através de ofício expedido pela Diretoria de Ensino Médio da Secretaria Estadual de Educação; o envolvido diretamente nessa presepada foi o professor Germano Coelho, o homem que tinha a faculdade de expressar ar-de-riso em situações  mais inadequadas e esdrúxulas  possíveis;  numa dessas situações em que expressou seu inconveniente “ar-de-riso”  foi quando   Prefeito de Olinda,  ao ser  entrevistado por canal televisão a respeito do aterro sanitário do município, onde pobres antropofagicamente coletavam e comiam restos humanos descartados irregularmente pelos hospitais da cidade e de Recife. O Diretório tentou junto à Secretaria a mudança da recomendação proibitiva, mas não conseguiu.  O diretor do Colégio, o gordo Eliakim, que era servil a qualquer novo senhor de plantão, não permitiu que  a conferência fosse realizada no auditório do Colégio; restou-nos então apelar para reacionária Associação Comercial de Jaboatão, e assim conseguimos realizar em seu auditório a conferência de Cid Sampaio. O público lotou todo o espaço e muita gente assistiu de pé na rua. Em nome do Diretório o poeta Alberto da Cunha Melo foi o responsável pela  saudação e apresentação do conferencista, e o fez de modo brilhante. Cid Sampaio, por sua vez, aproveitou-se pra defenestrar o governo Arraes e os comunistas, exibindo na ocasião toda sua verve de futuro golpista. Logo depois eu relatei o fato aos companheiros do PCB, e eles não me fizeram nenhuma censura.

O grupo de estudantes inicialmente constituído era politicamente amplo não se identificando ainda como núcleo estudantil do PCB, mas atuando como se fosse. Dele só Alberto da Cunha Melo era exceção, pois participava das reuniões e das decisões, mas sempre se declarando cristão, mas não adversário dos comunistas, pois ele era simpático às causas que estes defendiam. Desse grupo partiu a iniciativa de recriar a UEJ, União de Estudantes Jaboatão, que há cerca de cinco anos deixara de existir.  O motivo de mobilização para refundação da UEJ foi a luta pela conquista da meia passagem de ônibus, que já era Lei municipal, faltava, todavia, sua regulamentação pelo Prefeito,  e, por sua vez, a  Câmara de Vereadores também teria de aprovar a alocação de recursos no orçamento destinados as despesas dela decorrentes, para que  a lei pudesse entrar em vigor. Levamos os estudantes para sessões da Câmara para pressionar os vereadores, e conseguimos o compromisso de que logo que o Prefeito encaminhasse o pedido de complementação orçamentária, eles apreciariam em regime de urgência.
Sérgio Guerra
                                                                                                                                         
Durante esse processo de recriação da UEJ, eu fui convocado pelo Comitê Estadual para me reunir em Recife com a Juventude Secundarista do PCB. O partido estava se organizando para disputar a direção do Centro de Estudantes Secundaristas de Pernambuco – CESP, contra a direita e seus aliados da Igreja Católica: JOC, JEC e JUC. Nas eleições recentes para o Diretório Central de Estudantes – DCE da UFPE, em aliança com a esquerda católica, o PCB conseguira desalojar a direita que durante anos controlava a entidade no estado. No entanto, nas eleições para direção da ARES – Associação Recifense de Estudantes Secundaristas, o candidato dos comunistas e aliados, Albérgio Maia de Farias, havia sido derrotado pelo udenista Sérgio Guerra.  O objetivo da direita, orientada pelo Padre Lira, era conquistar a direção do CESP, e através dele instituir um núcleo de oposição estudantil ao governo Arraes. O candidato da direita era o conhecido líder estudantil Ettore Labanca.
                                       Marcelo Melo
   
A reunião foi na redação do Jornal “A Hora”, dela participaram José Fortuna de Melo, Aníbal Valença, Marcelo Mário de Melo, Lenine, Albérgio Maia de Farias, David Capistrano Filho e eu.  Voltei com a tarefa de reorganizar urgentemente a UEJ, com a finalidade de credenciá-la junto ao CESP, e com isso vir a participar, no mês de Julho, do Congresso Estadual de Estudantes Secundaristas de Pernambuco. Logo que cheguei a Jaboatão, reunimos o grupo e fomos a luta, tendo o Diretório dos Estudantes do Colégio Estadual como ponto de referência e apoio.  A UEJ havia sido fundada no mês de setembro de1956 nas dependências do Ginásio Estadual de Jaboatão,; ainda em dezembro desse ano havia colocado em circulação o jornal “O Estudante” como seu porta voz. O jornal teve quatro edições, e em julho de 1957 desapareceu, com certeza, juntamente com a UEJ.  Algumas lideranças foram facilmente encontradas e entre elas: Severino Nazário, Edjalma Ramos e principalmente Miltom Emílio dos Santos, que pouco tempo depois veio a ser candidato da esquerda à prefeitura de Jaboatão. Eles repassaram as informações que facilitaram a reconstituição da entidade. Daí então, definimos um grupo que assumiu a tarefa de conduzir sua refundação; e logo esse grupo partiu para divulgar a nova UEJ nas escolas mais próximas da sede do município: Escola Técnica de Comércio Padre Chromácio Leão, Escola Normal, Colégio Estadual de Jaboatão e, salvo erro, o Colégio das irmãs, em Socorro.  Concluído o trabalho  de divulgação, a próxima etapa  seria a escolha de um nome que tivesse ampla aceitação  no meio estudantil para presidir a UEJ; essa escolha recaiu sobre o poeta  Alberto da Cunha Melo, e devido a sua pronta recusa quando o grupo propôs seu nome eu  sugeri que  uma comissão da Juventude Secundarista do PCB viesse a Jaboatão pra conversar com ele, convencê-lo e obter dele o compromisso de aceitar o encargo. Vieram a Jaboatão em nome da Juventude Secundarista do PCB os estudantes Fortuna, Marcelo Melo, Albérgio Maia e Aníbal Valença. A conversa foi realizada numa das mesas do Bar de Dona Leonor, que ficava no Beco de Colônia, nos fundos do Café Ouro Preto. O teor dessa conversa eu já tive a oportunidade de narrar em artigo que escrevi sobre meu amigo Alberto.  E assim foi: “Reunimo-nos num pequeno bar situado no beco de colônia, e lá se vai conversa. Presentes estavam Marcelo, Fortuna, Aníbal Valença,  Albérgio, eu (Pedro Vicente) e Alberto. Bate papo longo e com bons argumentos, e a crença na certeza da vitória, pois sairíamos dali com um candidato imbatível. E daí, então, quando tudo parecia um mar de rosas, eis que Alberto levantou-se calmamente e disse: “Não vai dar certo. Eu sou muito medroso. Cago-me e mijo-me nas calças só em pensar que posso ser preso; se apertarem um só dedinho de minhas mãos eu entrego todo mundo..” “Se me conheço bem, não posso aceitar nenhum cargo com esse risco, pois isso pode vir a comprometer as pessoas que confiam em mim”. E logo em seguida, levantou-se, pediu desculpas e deu a conversa por encerrada; sem antes, contudo, deixar bem claro seu apoio ao candidato que viesse a ser lançado pela esquerda. Todos, sem exceção, deram uma baita risada, porém saíram confortados com o gesto humilde e sincero do poeta.”
                                             Alberto e Benedito (pai)
Diante da recusa de Alberto a alternativa foi a escolha de outro poeta: Jaci Bezerra Lima, que por ser do núcleo estudantil do PCB, mesmo constrangido, assumiria  o encargo como tarefa e assim ocorreu.Fomos para o Encontro Estadual de Estudantes Secundaristas de Pernambuco com os votos da UEJ e do Diretório dos Estudantes do Colégio Estadual de Jaboatão. O presidente do Diretório, Djalma Barros, alegou que não podia por motivo de trabalho ir a Caruarú, e, então, coube-me representar a entidade no encontro.

José Montenegro

A disputa pela direção do CESP foi acirrada e duríssima. O Comitê Central do PCB destacou Romero, responsável pela Juventude Comunista (JC),  para assessorar  os comunistas e seus aliados durante o encontro; lembro-me também da presença do saudoso José Montenegro de Lima, que  ora  presidia a Associação Nacional de Estudantes de Escolas Técnicas. No ano de 1967, eu voltei a encontrar Montenegro em Moscou, quando juntos fomos alunos no Curso de Formação de Quadros do Instituto de Ciências Sociais, anexo do Comitê Central do PCUS. Em 1975, ele foi preso, barbaramente torturado e assassinado pela Ditadura Militar, e até hoje figura na lista dos desaparecidos políticos. Por uma diferença de três ou quatro votos José Fortuna de Melo (Maninho), candidato da esquerda, foi derrotado nas eleições do CESP por Ettore Labanca e Sérgio Guerra, um deles, ora é prefeito de São Lourenço da Mata pelo PSB, e o outro, antes senador, ora é deputado federal pelo PSDB.

Lembro-me ainda que o PCB pediu-me a indicação de nomes de estudantes para participar de curso de curta duração sobre marxismo que seria realizado numa sala do Liceu de Artes e Ofícios, em Recife. De Jaboatão, participaram Glauco, Jaci, Karl Marx, Jediael e Ricardo; todos faziam parte do núcleo estudantil ligados por afinidades à política do PCB. Enquanto isso, eu fazia curso sobre o Programa Político do PCB, sua estratégia e tática com relação à revolução brasileira, ministrado por Apolônio de Carvalho, ex-tenente do exército brasileiro que havia participado da rebelião de 1935, e quando exilado participou da luta republicana na guerra civil espanhola e da Resistência Francesa contra a ocupação nazista.

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