Neste breve artigo, cujo esboço inicial e mais longo serviu para justificar e fundamentar parecer a respeito da publicação de livro infantil, ilustrado e narrado quase ao modo de histórias em quadrinhos, com o título: Mapinguari, a lenda, de Enilson Amorim, pretende-se resgatar algumas versões sobre as origens da lenda que narram a presença desse personagem mitológico: o Mapinguari, que tanto susto tem causado ao homem amazônida no interior da floresta.
A origem do Mapinguari apresenta versões diferenciadas e até controversas. Para dar conta delas, procuramos compulsar uma bibliografia que, apesar de sua limitação, possibilitou o registro de pelo menos cinco versões a respeito das origens desse monstro carnívoro, fedorento, assustador e devorador de cabeças humanas.
A primeira versão foi encontrada no artigo de Élson Martins da Silveira: Verdades, Sustos e Mentiras Sobre o Mapinguari da Amazônia. É atribuída ao pesquisador David Oren, que a teria ouvido de certo informante da Amazônia. Segundo Oren, o Mapinguari teria se originado de um índio; um velho pajé que havia descoberto o segredo da imortalidade, mas o preço que ele havia pago por isso foi muito alto, pois se transformou num animal horrível e fedorento. Essa versão está próxima da que foi registrada por Mário Guedes, autor do livro Os Seringais. Mário a atribui ao relato de um pajé, que também afirma que essa metamorfose originou-se por castigo, decorrente da descoberta do segredo da imortalidade. Todavia o personagem envolvido fora outro: um antigo rei, ou seja, o tuxaua ou morubixaba da tribo.
A segunda versão, registrada por Francisco Peres de Lima, autor do livro Folclore Acreano (1938), atribui a origem do Mapinguari ou Mapinguaris que povoam a selva amazônica à metamorfose de índios que alcançavam idade avançada. Esses velhos índios se transformavam nesse monstro feroz e assustador.
A terceira versão, por sua vez, devolve ao monstro sua natureza animal. Ela é atribuída ao pesquisador e cientista David Oren, que descarta também a condição simiesca do Mapinguari. A hipótese de Oren é que o Mapinguari pode ter sua origem mitológica em um ser animal existente, um bicho preguiça-gigante de tempos remotos, que conseguiu sobreviver por muito tempo, ou ainda existe muito bem escondido no interior da floresta amazônica. David Oren relata que já conheceu pelo menos sessenta pessoas que diziam ter visto o Mapinguari, em carne e osso; e mais outras cem que disseram ter tido algum contato: ouvido seus gritos ou encontrado seus rastros. Ele, no entanto, até agora não obteve êxitos em suas buscas pelo bicho no interior da floresta.
Élson Martins, no artigo já mencionado, registra também uma quarta versão que encontrou nos sites de criptozoologia. Nesses sites o Mapinguari é identificado com o Megatério, a maior das preguiças gigantes. Élson, todavia, descarta essa versão e elabora outra que, de certo modo, aproxima-se da versão do Dr. David Oren. Essa versão atribui as origens da lenda ao fato da existência de um bicho preguiça agigantado, que sobreviveu até tempos recentes (cerca de oito mil anos A.C.); possivelmente, visto por ameríndios contemporâneos do animal. Assim, através dos seus descendentes, a lenda foi sendo transmitida e, naturalmente, incorporada ao folclore.
Luis da Câmara Cascudo, maior estudioso do folclore brasileiro, suas lendas e mitos, em seu clássico Geografia dos Mitos brasileiros, descarta a origem longeva da lenda do Mapinguari; inclusive, relativiza os registros de Mário Guedes e Francisco Peres de Lima, que atribuem certa origem indígena à lenda. No seu verbete sobre o Mapinguari, Cascudo deixa transparecer que a lenda teve origem no passado mais recente da ocupação da Amazônia, pois não mereceu registros de dois dos mais sérios pesquisadores que estiveram na região. Um deles, Ermano Stradelli, que foi objeto de um seu estudo: Em Memória de Stradelli. O outro estudioso a que se refere foi Constantin Tastevin, pesquisador prolixo com vários registros e relatos sobre a Amazônia e seus habitantes.
A suposição de Cascudo é do maior peso referencial, pois de Ermano Stradelli foi publicado livro contendo suas notas sobre: A Lenda do Jurupari e Outras Lendas Amazônicas. E Tastevin, por sua vez, publicou vários trabalhos sobre a língua e organização social indígena, inclusive sobre os índios Mura aos quais Adélia Engracia Oliveira atribui uma descrição da lenda.
Se descartada a origem índia da lenda do Mapinguari, só é possível atribuir suas origens ao imaginário fantástico dos muitos emigrantes, sobretudo nordestinos, que mais recentemente ocuparam a Amazônia, povoando suas cidades, vilas e lugarejos, a várzea e a terra firme, suas florestas e rios.
A descrição do Mapinguari, por sua vez, não apresenta muitas versões no universo lendário. Na sua configuração são constantes certos atributos: altura elevada (dois a cinco metros); possuidor de um só olho encravado na testa; boca enorme que se estende até a barriga na direção do umbigo; corpo de pele grossa como couro de jacaré, toda coberta de pelos duros e ásperos; seus pés têm formato de mão de pilão e as mãos têm unhas longas em forma de garras. Tem hábitos diurnos, pois prefere caçar e caminhar na floresta durante o dia, reservando a noite para o descanso e o sono. Seu cardápio inclui a carne de humanos, e tem predileção gastronômica pela cabeça. Emite um cheiro forte e de fedor insuportável. Eis ai o mito: animal ou humanóide, em toda sua plenitude. Resta, no entanto, ao pesquisador David Oren comprovar sua mais recente hipótese, aqui registrada nesse artigo; para isso ele precisa encontrar o tal bicho preguiça-gigante na floresta amazônica, que supostamente embasa a lenda e o mito do Mapinguari.
Referências
Araújo, Maria do Céu Cláudia. Mapinguari. Site: www.terrabrassillis.com/lendas
Cascudo, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. São Paulo: Editora Global, 2000.
Cascudo, Luis da Câmara. Geografia dos Mitos Brasileiros. São Paulo: Editora Global, 2004.
Monteiro, Walcyr; Volpato, Rosane. Mapinguari. Da Comissão Paraense de Folclore. Site: http://www.geocities.com/
Martins, Élson. Verdades, Sustos e Mentiras sobre o Mapinguari da Amazônia. Site: www.ac.gov.br/bibliotecadafloresta
Mendonça, Hugolino. Letras Brasileiras. Belém: S/Editora, s.d.
Moraes, Raimundo. Na Planície Amazônica. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 1981
Oliveira, Adélia Engracia de. O Mundo Encantado e Maravilhoso dos Índios Mura. Belém: Falangola, 1984.
Pereira, Franz Kreüther. Painel de Mitos e Lendas da Amazônia. Belém: s/Editora, 1994.
Mapinguari - quadro do pintor Hélio Melo - Acervo de Fátima Melo.
Um comentário:
Mapinguari: https://www.youtube.com/watch?v=jZz_F-qDQL0
Postar um comentário