domingo, 26 de outubro de 2008

ARTIGO - REVENDO UMA CERTA LITERATURA SOBRE IMPRENSA ALTERNATIVA NO BRASIL - Pedro Vicente Costa Sobrinho














A literatura que tem como objeto de estudo a imprensa alternativa no Brasil ampliou-se substancialmente nos últimos anos. Bernardo Kucinski em importante trabalho desenvolvido sobre o tema, certamente o mais abrangente, em seu tempo, arrolou nada menos de trinta títulos, o que demonstrava a existência de uma já considerável bibliografia de teses, dissertações, artigos e ensaios relacionados com o assunto. Nesse rico material compulsado cabe destacar cerca de vinte estudos de caso sobre jornais alternativos que circularam nas décadas de 1960 e 1970.

Nesses quase dez anos passados da publicação do livro de Kucinski: Jornalistas e revolucionários: nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Página Aberta, 1991; muitos outros trabalhos foram realizados e publicados sobre o assunto, até mesmo numa angulação conceitual mais abrangente que permite a leitura e análise teórica com mais rigor dos diversos projetos alternativos nos meios de comunicação de massa.

A imprensa de oposição, que surgiu durante o período da ditadura militar no Brasil, recebeu várias denominações: nanica, independente, política e depois veio a consagrar-se como alternativa. Uma rápida porém consistente avaliação dessas denominações é feita por Sérgio Caparelli, em seu livro: Comunicação de massa sem massa. São Paulo: Summus, 1986; no qual realça as impropriedades de algumas delas para tentar captar a essência desse movimento em toda sua plenitude.

O conceito de imprensa alternativa é considerado por Caparelli o mais apropriado, por ele expressar uma relação de complementaridade de interesses entre os dois pólos da ação comunicativa, o emissor e o receptor, situados no processo de produção enquanto produtor e consumidor. Do ponto de vista do produtor (jornalista): [...] não contente com a imprensa tradicional se propõe elaborar ele mesmo seu produto. E do ponto de vista do consumidor (leitor): [...] que no mercado capitalista das idéias, tem opção a uma maior diversidade de conteúdos, fugindo ao monopólio dos grandes grupos que reforçam o status quo (CAPARELLI, 1986, p.45).

Se do ponto de vista do produtor sua exposição durante o texto demonstrou consistência satisfatória, no que diz respeito ao outro pólo, o leitor, pareceu-me superficial e inadequada, restringindo-se apenas a fazer referência ao fato de que a classe média fora o único receptor da informação da imprensa alternativa, já que considerou os canais de comunicação com o trabalhador interrompidos. Assim sendo, o conceito de alternativo considerado mais apropriado pelo citado autor fica lacunar, pois no seu texto não aparece nenhuma informação relevante que sustente o outro componente analítico do enunciado.

Algumas considerações de Caparelli que ampliam o conceito podem ser tomadas como consensuais: que a imprensa alternativa é um fenômeno mundial, cabendo, no entanto, a ressalva de que no Brasil ela assumiu uma tal dimensão que deve merecer um olhar todo especial; que, conceitualmente, a imprensa alternativa não pode ser tomada como bloco monolítico, mas como leque de posições; que ela é produto da indústria cultural, só que essa premissa não pode ser reduzida ao simples fato da ociosidade dos equipamentos na grande imprensa gráfica; que tanto a imprensa alternativa quanto a grande imprensa têm preocupações ideológicas; que há diferenças de conteúdo entre as duas propostas, e que também são diferentes no que diz respeito às formas de gestão da empresa.

O jornalismo de oposição no pós-68 merece, da parte de Afonso Júnior, em sua dissertação de mestrado: Alternativa jornalística x poder editorial: uma abordagem dos jornais político-culturais no pós-68. Brasília: Universidade Nacional de Brasília, 1982, um estudo dos mais consistentes, do ponto de vista de sua construção teórica. Ao resgatar as discussões que foram feitas nos anos entre 1968-78, sobre os jornais político-culturais surgidos no pós-64, Afonso Júnior afirmou que o fenômeno não mereceu ainda o tratamento adequado, pois persiste a indagação sobre o que é realmente imprensa alternativa. E daí o autor procura rastrear os questionamentos dos jornalistas e não jornalistas envolvidos nos diversos projetos de jornais ditos alternativos. Com base nessas considerações e no fato de que as várias tentativas internas que buscaram resolver os obstáculos não tiveram êxito, caberia então pensar a idéia de “uma imprensa alternativa sob o prisma da forma jornalística e da redefinição das relações entre forma e conteúdo” (AFONSO JÚNIOR, 1982, p. 23).

Com base nas reflexões de Henri Lefebvre, no seu livro: Lógica Formal/lógica dialética, sobre a questão das formas, Afonso Júnior estruturou seu arcabouço teórico para responder e caracterizar sua concepção de imprensa alternativa na relação entre forma e conteúdo. Antes de tudo vale destacar o que o autor entende por forma alternativa: “[...] deve ler-se novas relações entre jornalistas e leitores. Os homens de imprensa, querendo fugir dos “formalismos”, acabaram realizando uma crítica insuficiente da forma jornalística. Trata-se, portanto, de saber que outro tipo de arranjo a imprensa político-cultural do pós-68 implementara e estabelecera entre os produtores, os consumidores e o circuito que, estruturando o consumo e a produção jornalística, os mediatiza” (AFONSO JÚNIOR, 1982, p. 25). E ainda: “Ao jornal cabe, na perspectiva da forma alternativa de imprensa, redimensionar os padrões dominantes de emissão e recepção. Creio que essa imprensa alternativa deve estar preocupada em destacar da situação cotidiana a margem de manobra e iniciativa que os grupos e indivíduos podem ter, superando assim a concepção de política em termos estritamente político partidário” (AFONSO JÚNIOR, 1982, p. 124). Adiante destacou: “E quanto ao conteúdo? Trata-se de ampliar a ficção social que conhecemos como opinião pública, e até mesmo superá-la, estabelecendo um outro tipo de confrontação entre jornalistas e leitores. Nesse caso os termos da relação permutam seus papéis na medida em que os públicos estão refazendo o trabalho jornalístico com os jornalistas. Nessa nova confrontação, revela-se a possibilidade de viabilizar a diversidade de circuitos de produção, distribuição, circulação e consumo de informações a partir da diversidade de públicos. Os públicos refazendo o jornalismo – esse enunciado por si só já é suficiente para que se levantem uma série de questões fundamentais, questões do tipo: quem irá produzir? O que produzir? Como produzir?” (AFONSO JÚNIOR, 1982,p. 125).

E ainda, conforme o autor: “A idéia de que receptores comunicam-se com os emissores e de que os públicos intercomunicam-se remete a uma outra questão. A produção de informações, na perspectiva da forma alternativa de imprensa, não é o resultado de uma decisão unilateral dos jornalistas. [...] Qualquer emissão tem que levar em consideração a especificidade do seu público [...]. Estabelecido o princípio da diversidade de públicos importa relacioná-lo imediatamente com a idéia da liberdade de informação. A defesa da pluralidade de fontes de informação – uma das vias seguras para o estabelecimento de uma sociedade onde dominação e repressão sejam eliminadas, é indissociável do reconhecimento de idiomas menores no vasto campo do discurso social. [...] As formas alternativas não podem deixar de estar atentas às formas e linguagens pré-existentes no cotidiano. Descentralizar a produção nesse sentido, é deixar o terreno do utópico e assumir a possibilidade de que, além de uma descrição de realidade como uma totalidade de estruturas objetivas e enrijecidas, exista o domínio do imaginário social [...]”(AFONSO JÚNIOR, 1982, p. 127-128).

A longa citação torna-se necessária para que se possa acompanhar a complexidade do conceito de imprensa alternativa elaborado por Afonso Júnior, e visa atender a uma exigência elementar da lógica formal, pois, naturalmente, a maior extensão do termo está em relação inversa a sua compreensão.

Com base no conceito de imprensa alternativa que estruturou, Afonso Júnior procurou caracterizar os jornais que denominou de político-culturais, estabelecendo comparação com a imprensa político-partidária do pré-64, para evidenciar analogias e diferenças. O resultado da comparação levou Afonso Júnior a descartar a hipótese de que os jornais político-culturais do pós-68 reproduziram os fundamentos do jornalismo político partidário pré-64. Em segundo lugar, constatou que não existiu um projeto único de imprensa alternativa entre os jornais estudados, entendendo que as práticas de imprensa implementadas podem ser entendidas no âmbito de uma luta mais ampla contra a ditadura, mas não se estabeleceram de modo coerente e unidirecionado. Em terceiro lugar, ele caracterizou a imprensa político-cultural por uma abordagem combinada da vida política e cultural brasileira no período, tendo por seu horizonte a prefiguração do jornalismo político-partidário. E por último, a questão do público da imprensa político-cultural, que ele considerou assunto ainda não resolvido, persistindo então ambigüidades: imprensa para intelectuais ou uma imprensa comprometida com as classes trabalhadoras.

Delineadas essas evidências, Afonso Júnior conclui que não se configurou um projeto de imprensa alternativa que possibilitasse uma crítica estrutural da forma jornalística, instaurando novas relações e a prefiguração de uma política de comunicação.

Com o objetivo de esclarecer a situação da chamada imprensa alternativa durante o período do regime militar, o jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, ex-editor do jornal Movimento, em seu artigo: Viva a imprensa alternativa: viva a imprensa alternativa!... In: FESTA, Regina; LINS E SILVA, Carlos Eduardo (org.), vai polemizar com alguns acadêmicos e jornalistas que trataram do assunto, a partir do ponto de vista da conceituação desse movimento no jornalismo brasileiro.

Pereira considera que as definições, principalmente de Caparelli, só fazem sentido se tomadas de modo isolado do contexto político concreto do regime militar mais amplo, pois a imprensa alternativa não se opôs somente a forma de ditadura militar mas “ao seu conteúdo antinacional e antipopular, opôs-se à monopolização da economia, à sua integração com os grandes trustes financeiros internacionais”. O golpe de 64, para Pereira, aclarou a fronteira entre uma imprensa democrática, popular e alternativa e a grande imprensa capitalista. Adiante, Pereira, ao conceituar a imprensa do pré-64 de oposição ao modelo capitalista de “imprensa popular”, parte do pressuposto de que essa imprensa recebeu o apelido no pós-68 de alternativa, e que de certo modo houve uma reação negativa ao rótulo por parte da esquerda tradicional, pois essa imprensa insistiu na sua característica de ser política (PEREIRA, 1986, p. 55).

O texto de Pereira, do ponto de vista conceitual, não é esclarecedor, pois os termos imprensa popular, democrático-popular e alternativa atravessam o seu discurso sem que, entre eles, se estabeleçam fronteiras. Em que pese algumas diferenças entre a imprensa de oposição do pré-64, de 64 a 68, no pós-68 e a imprensa partidária dos anos pós-abertura, parece-nos que os componentes de semelhanças para Pereira são preponderantes; daí, então, levando-nos a concluir que as formas que essa imprensa assumiu no decorrer desses anos, para ele, têm uma relação de continuidade determinada pela sua variável política.

Ciro Marcondes Filho, em seu livro: O capital da notícia: jornalismo como produção social da segunda natureza. São Paulo: Ática, 1989, parte da análise da experiência do movimento surgido na Europa no pós-68, que denominou de imprensa não-alinhada, para extrair dela teses de como pode ser um outro jornal, ou seja, uma alternativa real de imprensa com relação aos modelos tradicionalmente vigentes. Sua principal intenção é contribuir para o debate, que para ele havia sido desencadeado no seio da intelectualidade brasileira interessada no assunto, sobretudo no que diz respeito aos impasses que a imprensa alternativa vivenciou logo após a abertura política do regime militar, nos governos Geisel e Figueiredo.

O autor, por sua vez, destaca que a característica principal dessa nova imprensa foi a proposta de desvinculação das correntes políticas, dando espaço e publicidade aos grupos postos a margem dos processos políticos, econômicos e sociais; decorrendo daí a mudança dessa nova imprensa para a condição de jornais-instrumento invés de jornais-ideologia, assumindo o papel de porta-vozes e não de condutores dos movimentos sociais.

Do texto de Marcondes Filho, pode-se inferir que imprensa alternativa não é um dado acabado, situada nos limites do jornalismo pós-68 de oposição à ditadura militar, mas deveria se configurar com maior amplitude, a partir da incorporação de novas experiências expostas nas teses e além delas, para, diante da nova realidade da “abertura política”, criar condições para a sua sobrevivência e mesmo consolidação. É expressiva nesse sentido a conclusão do autor: “O Pasquim, como os demais, não entrou em declínio por causa da censura, mas pelo desaparecimento desta. Estruturalmente muito mais decisivo do que as bombas, os cortes de materiais, o censor na redação, foi a incapacidade de se transformar (em termos de linguagem e política) e continuar a “militar” nos novos tempos de abertura” (MARCONDES FILHO, 1989, p. 177).

Imprensa alternativa, para Marcondes Filho, pareceu-me um conceito ainda a ser construído, pois os existentes, para o autor, não dão conta do fenômeno em toda a sua complexidade e extensão.

No seu livro sobre o Pasquim, o jornal de maior circulação entre os chamados alternativos e até de muitos jornais e revistas da grande imprensa, José Luís Braga, no seu livro: O Pasquim e os anos 70: mais pra epa que pra oba... Brasília: Editora da UNB, 1991, sugere duas hipóteses para que se possa, a partir delas, compreender a imprensa alternativa e, naturalmente, empreender daí a elaboração conceitual que dê conta do fenômeno. Para o autor: “Em uma primeira perspectiva, ela não é mais que um sobressalto de adaptação, uma espécie de febre durante a passagem da imprensa-liberal patriarcal do pré-64 a uma imprensa capitalista moderna de grande empresa (indústria cultural). Nesse sentido, [...] ofereceu um campo de trabalho para os jornalistas beletristas que demoraram a aceitar as injunções da produção assalariada capitalista. E também um espaço, controlado, dando a palavra aos que perderam, sob o regime autoritário, os seus meios de expressão [...] BRAGA, 1991, p. 236). E adiante: “Em uma outra perspectiva a imprensa alternativa, mesmo em seus limites, se propõe como uma crítica (por sua prática mais do que por suas análises ) da indústria cultural. Um desses limites é justamente a solicitação da conjuntura política que a faz concentrar esforços de análise sobretudo nas questões de poder político e de repressão” (BRAGA, 1991, p. 236).

Das hipóteses de José Luís Braga infere-se que o conceito de imprensa alternativa no Brasil, pode ser formulado, grosso modo, como uma forma de produção jornalística situada à margem e como crítica ao processo tardio de industrialização da cultura que vivenciou o país durante as décadas de 1960 e 1970.

O já referido livro de Kucinski (1991), logo na abertura de sua apresentação, descarta a denominação do conceito de nanica para o fenômeno do jornalismo de oposição à ditadura militar no período de 1964 a 1980, e procura construir o conceito de imprensa alternativa a partir de quatro significados que ele considera essenciais: “[...] o de algo que não está ligado a políticas dominantes; o de uma opção entre duas coisas reciprocamente excludentes; o de única saída para a situação difícil e, finalmente, o do desejo das gerações dos anos 60 e 70 de protagonizar as transformações sociais que pregavam” (KUCINSKI, 1991, p. 16).

Definido o conceito de imprensa alternativa que vai nortear o seu trabalho, Kucinski classifica esse jornalismo de oposição em duas grandes classes: “[...] predominantemente políticos tinham raízes nos ideais de valorização do nacional e do popular dos anos 50 e no marxismo vulgarizado dos meios estudantis dos anos 60. [...] A outra classe de jornais foi criada por jornalistas que passaram a rejeitar a primazia do discurso ideológico. Mais voltados à crítica dos costumes e à ruptura cultural, tinham suas raízes nos movimentos de contracultura norte-americanos e, através deles, no orientalismo, no anarquismo e no existencialismo de Jean- Paul Sartre” (KUCINSK, 1991, p. 14).

O livro de Kucinski rastreia grande parte da imprensa alternativa, inclusive o jornal Varadouro, no distante Acre, que foi objeto de pesquisa que fiz, e concentra sua atenção em alguns jornais considerados de articulações predominantemente de jornalistas, como exemplos maiores Pasquim, Versus, Coojornal e Repórter. E os mais representativos jornais considerados de articulações predominantemente políticas, tais como Opi-nião, Movimento e Em Tempo.

Em outro texto: A aventura alternativa: o jornalismo de oposição dos anos 70; que consta do seu livro: A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1998, no qual procurou atualizar algumas questões colocadas no seu já então referido livro, Kucinski explicita melhor os atores sociais que articulados deram origem à imprensa alternativa no Brasil: as esquerdas, jornalistas e intelectuais, sobretudo universitários; realçando nesse tripé a figura do jornalista líder, pois, segundo Kucinski, sem ela o projeto alternativo não vingava. Além disso, destaca no projeto alternativo o seu espírito anticapitalista; as estruturas de poder com propósitos democráticos e participativos que, não raras vezes, sucumbiram ao centralismo de cariz leninista; e por último, a imprensa alternativa como espaço de afetividade. E conclui: “[...] ao se tornarem aglutinadores espirituais e agregadores dos trabalhadores intelectuais, os jornais alternativos criaram um espaço público alternativo, virtual, afetivo e contra-hegemônico” (KUCINSKI, 1998, p. 190).

Em seu ensaio: Movimentos sociais, comunicação popular e alternativa, in FESTA, Regina; LINS e SILVA, Carlos Eduardo (org,). Comunicação popular alternativa no Brasil. São Paulo: Paulinas, 1986, Regina Festa procura diferenciar o que ela denominou de comunicação popular - que definiu como fenômeno da comunicação situado no nível das bases sociais - da comunicação alternativa, que se situava, por sua vez, no nível médio da sociedade civil. Ao se referir de modo concreto ao termo imprensa alternativa, Regina Festa elenca alguns indicadores que historicamente a definiram: jornal tablóide ou revista de oposição; datado dos anos 70; venda em bancas ou de mão em mão; de caráter cultural ou político; expressão dos interesses da média burguesia, dos trabalhadores e da pequena burguesia; espaços nos quais grupos de oposição ou frentes políticas se opunham ao regime militar. Até ai, a autora considerou esse termo de domínio comum na sociedade, apenas cabendo-lhe se apropriar dele para sua exposição.

Adiante, no mesmo texto, Regina Festa acrescentou dois elementos de fundamental importância para uma melhor compreensão do fenômeno: a democracia interna e a formação dos conselhos editoriais com a participação de representantes dos movimentos sociais. Para ela, essa foi a tônica das experiências alternativas, portanto, se esses elementos forem aceitos como diferenciadores do projeto alternativo, eles ampliam e tornam mais preciso o conceito (FESTA, 1984, p. 17).

Em sua dissertação de mestrado: Comunicação popular e alternativa: a realidade e as utopias. Instituto Metodista de Ensino Superior: São Bernardo do Campo (SP), 1984, Regina Festa faz uma discussão a respeito dos conceitos de comunicação popular e comunicação alternativa. Para ela, essa última apresenta-se ambiguamente formulada, a partir mesmo do próprio significado do termo alternativo, que literalmente quer dizer “outro”; portanto, estabelecendo uma diferença com relação a uma outra forma de comunicação, sem que isso naturalmente fique explicitado.

A busca para amenizar essa ambigüidade, segundo a autora, que possa conduzir a uma definição mais precisa, capaz de melhor aproximar-se da essência do fenômeno, passa pela reconexão das formas comunicativas com a vivência de suas lutas. Para isso, a autora toma como exemplo a experiência brasileira: “Foi a partir da marginalidade – inclusive comunicacional – aos grandes meios – é que surgiu e se desenvolveu uma “outra” comunicação alternativa, no sentido de reorientar as forças sociais”. Mais adiante, a autora tipifica essa forma alternativa: “como “outra”, de oposição não à comunicação de massa, mas a estrutura do sistema político dominante. Não se pautou pela busca de um novo modo de comunicação, mas por instâncias de alternativa político-cultural à classe dominante, de onde gerou significados completamente novos” (FESTA, 1984, p. 170).

As limitações do projeto de uma comunicação alternativa, pelo menos o que até agora se vivenciou no país, segundo a autora, estão naturalmente relacionados à falta de configuração de outro modelo de comunicação, em oposição reversiva ao contexto ideológico das mensagens dos meios de comunicação de massa e suas relações com o capital multinacional associado. Para ela, o alcance das propostas até agora nessa direção não passam do terreno da idealização; sendo assim, conduz a conclusão que, apesar da riquíssima experiência da imprensa alternativa dos anos 70, o projeto alternativo de longe não foi posto a termo (FESTA, 1984, p. 171-172).

Ismar de Oliveira Soares, em seu artigo: A comunicação dos Bispos, publicado na revista Comunicação e Sociedade. São Bernardo do Campo (SP), ano 4, n. 12, p. 29-42, out. 1984, abriu pistas para a pesquisa sobre imprensa alternativa que fiz no Acre. As indicações que sugere em seu texto fez-me incluir na pesquisa o boletim eclesial Nós Irmãos e também, de modo ancilar, o programa radiofônico Somos Todos Irmãos, ambos de responsabilidade da Prelazia do Acre e Purus. Diz Soares: “[...] a partir de 1968 que se implementou no seio da Igreja Católica, uma nova forma de comunicação, os boletins diocesanos, que em muitas dioceses se transformaram em autênticos veículos alternativos, trabalhando a serviço dos grupos que lutam contra as estruturas injustas das sociedades brasileiras” (SOARES, 1984, p. 29).

A classificação por amostragem dos boletins diocesanos feita por Soares revelou que os boletins que apresentavam a questão social como conteúdo prioritário e os que destacavam a questão social como conteúdo relevante, chegando a ocupar de 100% ao mínimo de 20% do seu conteúdo informativo, constituíram parcela representativa dos boletins diocesanos, passando, segundo o autor: “[...] a marcar um novo estilo de se fazer jornalismo religioso, numa época em que pesa sobre as instituições uma generalizada desconfiança por parte dos setores mais ativos das lideranças populares”(SOARES, 1984, p. 30).

O estudo desses boletins no ensaio de Soares, mesmo não sendo uma reflexão sobre a natureza do fenômeno da imprensa alternativa, dá pistas para uma abertura, no sentido mais amplo, capaz de permitir a inclusão dessa forma de comunicação eclesial, no âmbito dos veículos conceituados como alternativos.

A bibliografia sobre imprensa alternativa hoje é bastante extensa, como já foi assinalado no início dessa resenha bibliográfica; todavia, neste artigo, adotou-se como procedimento metodológico para a avaliação desse material o critério de relevância no que diz respeito restritamente ao âmbito da discussão teórica que busca conceituar o fenômeno. A partir daí, é possível eleger referências que orientem com segurança a leitura e uma melhor interpretação dos meios impressos de comunicação que no Brasil foram denominados de imprensa alternativa.

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