sábado, 24 de outubro de 2009

ENTREVISTAS- O JORNAL "O GALO" entrevista o Poeta ALBERTO DA CUNHA MELO

Alberto da Cunha Melo:

“Se todo mundo mergulhar no experimento ninguém vai mais escrever coisa alguma”

Já o compararam àqueles artesãos dos teares manuais que, de tão habilidosos, fazem beirais e bilros, ao invés de triviais rendados. A metáfora, produzida por Henfil no seu estilo característico, externa uma visão bastante consensual a respeito desse que é, ao lado de Jaci Bezerra Lima, um dos dois poetas pernambucanos mais famosos da chamada Geração 65. A partir deste mês, seu fã-clube nordestino será expandido, com certeza, com pelo menos uma filial natalense.

A apresentação oficial de Alberto Cunha Melo dar-se-á por ocasião do lançamento na Capitania das Artes, no dia 12 próximo, às 18 horas, do seu novo livro Carne de Terceira com Poemas À Mão Livre, que acaba de ser lançado pela editora pernambucana Bagaço, e que se soma a cerca de uma dezena de obras anteriores, quase todas circunscritas ao gênero poético.

Em entrevista exclusiva ao jornalista Nelson Patriota para o jornal O GALO, Alberto da Cunha Melo explica porque, quando e como fez a opção a favor da poesia, o que isso significou até hoje para sua vida, comenta o papel da Geração 65 e os entraves que os poetas nordestinos enfrentam para sair do anonimato. Segue a entrevista:

O GALO: Como você define sua trajetória poética?

ACM: Entrei na revoada dos poetas por uma espécie de determinismo cultural. Meu pai, Benedito Cunha Melo, era algo como um decano dos poetas de Jaboatão-PE. Corriam para ele os candidatos a poeta, com seus sonetos imberbes. Ouvia, sem querer – e às vezes querendo – o velho ler para os amigos na sala a obra de Cruz e Souza, sua maior admiração brasileira. Ouvia-o declamando sozinho, em voz alta, o Navio Negreiro, de Castro Alves. Depois, no colégio, lá estava eu enturmado com colegas que gostavam de literatura. Fui, de certa forma, amamentado pela poesia, sugando esse leite envenenado pela angústia do infinito.

O GALO: Qual o significado da poesia em sua vida?

ACM: um lugar de refúgio, um abrigo para enlouquecer em paz, se isso for possível. Um refúgio no sentido primitivo que tinha a máfia, entre os camponeses da Sicília, para escapar do Clero, dos nobres e dos esbirros do Estado. Ou seja: a poesia como uma forma de suportar a vida. Mais refúgio que palco, mais defesa que ataque.

O GALO: Quando começou a sua produção poética?

ACM: Minha família me perseguiu com uma trova e uma quintilha que eu teria feito aos setes anos. Sempre me irritava quando as declamavam na frente de estranhos. A sério, mesmo, só comecei a escrever aos 17, 18 anos, não me lembro. Rasguei tudo que escrevi antes da minha fase dos octossílabos, quando já tinha vinte anos, por aí. Como convivi com um verdadeiro poeta, meu pai, até os 27 anos, quando me casei, desde menino acostumei-me aos ritmos dos septissílabos e dos decassílabos, praticados pelo velho. Por não poder fazer mais do que ele nessas métricas optei pelo octossílabo, de acento menos cantante, de dicção mais sóbria, coloquial, quando escrito sob a tensão do enjambement.

O GALO: Como você interpreta a declaração de Bruno Tolentino de que você é o maior poeta brasileiro de hoje?

ACM: Para começar, Bruno não disse precisamente isso, na sua entrevista à Veja. Ele diz algo como “depois de João Cabral...”. E não poderia ser diferente. Cabral não é apenas o maior poeta brasileiro deste século e um dos maiores poetas vivos do mundo. Ele é sozinho toda uma escola poética. É o único touro reprodutor da poesia brasileira de nossos dias. Ele não faz, apenas, uma grande poesia, ele faz poetas. Mas, voltando à sua pergunta, quando a Globo me procurou, antes de entrevistar-me, tentou saber o que eu achava da declaração de Bruno. Reportei-me ao artigo V da Constituição que estabelece a liberdade de opinião. Na entrevista especial que foi ao ar a pergunta não foi feita. De certa maneira Bruno procurou justificar sua opinião sobre a minha poesia durante horas na União Brasileira de Escritores - Secção Pernambuco -, para um público seleto que não demonstrou sinais de fadiga, mas revelou-se espantado com o seu conhecimento da poesia francesa, inglesa, italiana, alemã e norte-americana, cujos idiomas domina. Eu, particularmente, não me coloco nas alturas que Bruno me vem colocando. Mesmo porque as diferentes entre os verdadeiros artistas são mais de natureza do que de grandeza. João Cabral, Juan Ramon Gimenez, Tagore e Rilke são poetas de natureza diferente e, porque são artistas verdadeiros, cada um deles tem seu espaço exclusivo na galeria de minhas admirações. Não estamos num concurso de Mister Universo, para sabem que é o novo Schwarzenegger.

O GALO: Qual a importância da Geração 65, à qual você pertence, para a renovação da poesia brasileira contemporânea?

ACM: Na classificação de Pound, há poetas inventores e poetas diluidores. A chamada Geração 65 de Pernambuco não é composta de poetas inventores. Mesmo porque de novidades descartáveis o mundo já está cheio. A poesia que nasceu com Poe e Baudelaire é um veio profundo que nem tão cedo será esgotado. Se todo mundo mergulhar no experimento ninguém vai mais escrever coisa alguma (e parar de escrever foi justamente o problema axial das vanguardas brasileiras de 56 para cá). Escrever boa poesia é tarefa muito difícil e a Geração 65 já possui um conjunto de obras que não pode ser desconhecida pela história literária.

O GALO: O que caracteriza a poesia da Geração 65?

ACM: Basicamente, é uma poesia discursiva, embora um e outro excursionem eventualmente pela poesia visual, a da apreensão imediata (eu mesmo faço experimentos à margem de minha obra e não os incluo em nenhum livro, ou seja, meu experimento já nasceu póstumo). No mais, predomina uma grande heterogeneidade, tanto estrutural quanto textual. O único manifesto da Geração foi individual, divulgado por Marcus Accioly, lançando sua proposta de um novo épico. Um crítico – e tem de ser da altura de um César Leal, um Mário Hélio – vai ter um trabalhão para encontrar regularidades no meio de tanta variedade estilística da Geração 65.

O GALO: Quais as influências mais marcantes em sua poesia?

ACM: Kafka, Rilke, Cabral, a política, a sociologia, a economia.

O GALO: como você vê a poesia que se faz hoje no Brasil? Você destacaria algum poeta em especial?

ACM: Não vejo. Há mais de dez anos que não acompanho a literatura brasileira. Mas não deixei de ler os suplementos literários do Recife. Tenho, portanto, uma visão paroquial dela. Lembro-me, no entanto, que quando Ferreira Gullar rompeu com os concretos, começou a fazer uma poesia vigorosa. Mas não li ainda seus últimos livros. Lembro-me ainda de uns velhos versos seus: “Ah como é difícil amanhecer em Da Nan. Mas amanhece.” Duas coisas me fizeram voltar ao ambiente perigoso e traiçoeiro da vida literária. Em 95, o endiabrado Bruno Tolentino, poeta de quem eu nunca ouvira falar, pois estava há trinta anos na Europa e tinha regressado no ano anterior, ao visitar o poeta Weidson Barros Leal, no Recife, este mostrou-lhe um velho livro meu (“Poemas Anteriores”), que reunia toda minha produção em octossílabos. Publiquei esse livro por insistência da pintora Claudia Cordeiro, minha mulher, e ele tinha passado praticamente despercebido no Recife (porque de lá as coisas não vão a parte alguma). Diz Bruno que leu o livro de um só fôlego, e no dia seguinte bateu lá em casa. E bateu tão forte que eu disse um palavrão e fui ver se algum PM estava arrombando a porta. Bruno quase voltava no mesmo pé, pensando que eu ia agredi-lo. O resultado é que ficamos conversando sobre poesia até três horas da manhã e de lá para cá ele vem divulgando meu trabalho e me trazendo para esse saco de gatos que é o mundo intelectual brasileiro, onde gestos, como o dele, pela grandeza, generosidade e desprendimento, chegam a soar, diria Cabral, como “um sim, na sala do não”. A outra coisa que puxou para fora foi a Editora Bagaço que, no ano passado, pediu-me um livro inédito para publicar. Eu tinha terminado Carne de Terceira e, mais uma vez, por pedido de Claudia, juntei a ele Poemas À Mão Livre, saíra pela “Pirata” em poucos exemplares. Só agora começo a me informar sobre o que acontecendo fora do Recife.

O GALO: Como você analisa os entraves que os poetas e escritores nordestinos enfrentam para publicar?

ACM: Como resultado da indiferença do empresariado nordestino em relação à cultura. O Nordeste já devia ter uma editora de porte e um sistema de distribuição próprio para furar o mercado nacional, principalmente o eixo Rio-São Paulo. É uma questão empresarial. Que Neoliberalismo se pretende com um empresariado que teme o risco e ainda não perdeu a mania da ciranda financeira e da muleta estatal? A produção intelectual do Nordeste é valiosa e volumosa. O sociólogo Pedro Vicente Costa Sobrinho falou-me que vai criar uma cooperativa de escritores e eu vibrei com a idéia. Sou cooperativista fanático e me lembro que Lênin dizia ser a cooperativa uma das poucas coisas boas do mundo capitalista (pena que os kolkozes tenham sido massacradas pela burocracia). Talvez, depois, que a nossa cooperativa sair vitoriosa algum valente empresário queira entrar na concorrência. Quem sabe?

O GALO: Você conhece a poesia norte-rio-grandense?

ACM: Graças ao sociólogo Pedro Vicente Costa Sobrinho, ele sozinho uma instituição cultural itinerante, travei conhecimento com o pessoal da Poesia Processo, na década de 70, especialmente com o espírito privilegiado de Anchieta Fernandes. Nesta década, Pedro me fez tomar conhecimento da poesia precisa de Luís Carlos Guimarães. De outros tempos, conheço Sanderson Negreiros e Dorian Gray (pintor). Quanto aos violeiros repentistas, conheço alguns luminares como Antônio Lisboa, José Cardoso e Severino Ferreira. Minha lembrança da terra de Cascudo não faz jus a sua grandeza, mas andei enfurnado, conheço também pouco dos outros Estados.

O GALO: Como você entende o papel dos suplementos literários, como o norte-rio-grandense O GALO?

ACM: Já falei de raspão na sua importância para aproximar os escritores nordestinos. Esta entrevista, mesmo, é um bom exemplo. Mas, eu tenho uma opinião sobre suplemento que muita gente, boa, inclusive, diverge. Vejo suplemento literário, tratando só de literatura, como algo meio corporativista. Defendo mais o suplemento cultural – onde além da literatura, você tem a dança, o teatro, as artes plásticas, o cinema, o folclore etc. O teatrólogo também se interessa por literatura e o escritor se interessa por teatro. Outra coisa. Vejo também o suplemento como jornalismo cultural, onde se procura flagrar o momento, registrar a importância histórica do momento. É preciso combinar textos transtemporais com textos temporais, dando prioridade aos segundos.

O GALO: De onde derivam os motivos principais de sua poesia?

ACM: tenho dito em minhas entrevistas paroquiais no Recife que vivo tentando escrever a poesia que gostaria de ler. Não há coisa pior que um mau poema. É preferível uma bula de remédio. A poesia, no meu entender, é algo extremamente refinado (para usar aqui um termo meio vicioso de José Guilherme Merquior). É a tecnologia de ponta da palavra, a sintonia fina da linguagem humana. Ora um rarefeito solfejo angelical, ora uma irada trombeta do Juízo Final. Pouco importante. Importa-me que seja clara, rara e bela, como um fio de água mineral no deserto.

(Entrevista feita em 25 de março de 1998).


Alberto da Cunha Melo é poeta, ensaísta, sociólogo e pesquisador. Publicou entre outros livros: Yacala; Poemas anteriores; Oração pelo poema; Noticiário; Poemas à mão livre; Meditação sob os lajedos; Dois caminhos e uma oração. O poeta Alberto encantou-se no dia 13 de outubro de 2007, portanto, nesse ano de 2009 são dois anos do seu falecimento.

Nelson Patriota, o entrevistador, é jornalista, sociólogo, escritor, faz parte do Conselho Estadual de Cultura do RN, sócio-correspondente da Academia Acreana de Letras. Publicou entre outros livros “Vozes do Nordeste”.

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