quinta-feira, 25 de novembro de 2010

POESIA - ELEGIA PARA CHICO MENDES - Walmir Ayala

Walmir Ayala

ELEGIA PARA CHICO MENDES


Olhemos sob o vidro do ataúde

o rosto de Chico Mendes;

olhemos pela última vez o rosto

de um homem forte

numa hora de fracos;

olhemos o desenho da coragem

em traços muito comuns;

olhemos o que não está visível,

a alma transparente de Chico Mendes

iluminada de um amor transcendente.



Os jacarés, os tucanos, os bichos menores

e insignificantes que fazem a vida

dos charcos e das selvas,

acompanham a trajetória de Chico Mendes,

hoje confundida com o verde e o luar,

com as águas e os igarapés,

com os falsos índios turísticos

e os grandes índios sobreviventes,

com todo este luxo

cotidianamente pisoteado.



Aquele grito que corta o azul

é de arara ou macaco?

Ou será a alma nativa

que saúda a passagem de Chico Mendes

sem saber que perdeu seu grande soldado?



Aos poucos dilapidam nossa glória,

nos empobrecem na dignidade,

nos cortam as mãos e a esperança.



Mas nós olhamos sob o vidro do ataúde

o rosto de Chico Mendes, pela última vez,

sabendo que do sangue derramado se multiplica

o sangue iluminado e que,

neste momento em que a morte abraça a imagem

imortal de Chico Mendes,

muitos como ele abrem os olhos

no limiar do mesmo sonho.



Brota da morte de Chico Mendes

um estendal de sangue, rosas, gestos,

corações embalados de lágrimas que

ardem renovados.

Eles consomem e redistribuem

o sangue de Chico Mendes

em comunhão de resistência.


25/12/1988


Walmir Ayala, poeta, ficcionista, ensaísta e crítico de arte.

Nota: Recebi esse poema das mãos do meu amigo escritor André Seffrin. É um privilégio publicar esse poema ainda inédito desse grande poeta em meu blog. Ainda mais, poema em homenagem ao grande ecologista Chico Mendes. Obrigado, Seffrin.

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