Walmir Ayala |
ELEGIA PARA CHICO MENDES
Olhemos sob o vidro do ataúde
o rosto de Chico Mendes;
olhemos pela última vez o rosto
de um homem forte
numa hora de fracos;
olhemos o desenho da coragem
em traços muito comuns;
olhemos o que não está visível,
a alma transparente de Chico Mendes
iluminada de um amor transcendente.
Os jacarés, os tucanos, os bichos menores
e insignificantes que fazem a vida
dos charcos e das selvas,
acompanham a trajetória de Chico Mendes,
hoje confundida com o verde e o luar,
com as águas e os igarapés,
com os falsos índios turísticos
e os grandes índios sobreviventes,
com todo este luxo
cotidianamente pisoteado.
Aquele grito que corta o azul
é de arara ou macaco?
Ou será a alma nativa
que saúda a passagem de Chico Mendes
sem saber que perdeu seu grande soldado?
Aos poucos dilapidam nossa glória,
nos empobrecem na dignidade,
nos cortam as mãos e a esperança.
Mas nós olhamos sob o vidro do ataúde
o rosto de Chico Mendes, pela última vez,
sabendo que do sangue derramado se multiplica
o sangue iluminado e que,
neste momento em que a morte abraça a imagem
imortal de Chico Mendes,
muitos como ele abrem os olhos
no limiar do mesmo sonho.
Brota da morte de Chico Mendes
um estendal de sangue, rosas, gestos,
corações embalados de lágrimas que
ardem renovados.
Eles consomem e redistribuem
o sangue de Chico Mendes
em comunhão de resistência.
25/12/1988
Walmir Ayala, poeta, ficcionista, ensaísta e crítico de arte.
Nota: Recebi esse poema das mãos do meu amigo escritor André Seffrin. É um privilégio publicar esse poema ainda inédito desse grande poeta em meu blog. Ainda mais, poema em homenagem ao grande ecologista Chico Mendes. Obrigado, Seffrin.
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