quinta-feira, 10 de julho de 2008

DEPOIMENTOS - UM SCHOLAR COM ALMA DE POETA: PEDRO VICENTE COSTA SOBRINHO - Manoel Onofre Jr.



UM SCHOLAR COM ALMA DE POETA



Julgo-me privilegiado por ser amigo de Pedro Vicente, há longos anos. Conheço-o desde os bons tempos das “Cocadas”, quando, ainda mal saídos da adolescência, fazíamos de uma praça, assim apelidada, no centro de Natal, a nossa primeira universidade. Vivíamos os anos 60, a mais bela década do século XX. Tempos de Sartre e Bertrand Russel; tempos da Bossa Nova, dos Beatles e do Tropicalismo; de Guimarães Rosa, Drummond, Bandeira e Cascudo; tempos do Cinema Novo.

Em meio à agitação política, mesmo nos primeiros anos da Ditadura Militar, debatíamos do alto das “Cocadas”, os grandes temas na crista da onda, inclusive os de natureza político-ideológica. Um jovem, então, destacava-se pela palavra fluente, já prenunciando o causeur que viria a ser. Seu nome despertou-me especial atenção: Pedro Vicente. Macauense, tivera larga vivência no Recife antes de vir morar em Natal. Dava gosto ver como ele discorria sobre os mais variados assuntos, agitando idéias, criticando autores e livros, comentando os fatos do dia. Indicou-me autores de quem eu nunca ouvira falar, como, por exemplo, Bulgakov, de “O Mestre e Margarida”. Convém salientar que, nos debates em que se envolvia, com paixão, mantinha-se sempre no plano das idéias; nunca resvalou para retaliações pessoais. Falar mal da vida alheia, jamais! Sem dúvidas, foi um dos melhores “professores” naquela Universidade do Grande Ponto.

Depois, perdi-o de vista. Tinha ido estudar na União Soviética – disseram-me. Mais tarde tive notícia do amigo: estava no Acre. Fascinado pela Amazônia, ali – já graduado em Ciências Sociais, área de concentração em Sociologia e Política, pela UFRN - ocupou cargos de relevo – Diretor do SENAC (1978/1981), Diretor do SESC (1978/1982), além de exercer o magistério e desempenhar importantes funções na administração da Universidade Federal do Acre.

De volta a Natal, em começos da década de 1990, retomou o exercício do magistério - Professor Adjunto 4, da UFRN – e foi, algum tempo depois, Diretor da Editora da UFRN. Nestas funções, em dois períodos, realizou notável trabalho, tendo, inclusive, implementado plano editorial que marcou época. Dezenas e dezenas de livros e publicações outras vieram a lume graças ao editor doublé de escritor.. Uma destas obras, pela edição da qual, aliás, foi bastante criticado, por ser livro de autor pernambucano (!), classificou-se entre as 10 finalista do Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira (2003), o que, sem dúvidas, elevou o nome da EDUFRN perante todo o país.

Também na condição de Diretor da Editora da UFRN, o Professor Pedro Vicente prestou relevante serviço a Academia Norte-rio-grandense de Letras, possibilitando a edição de quatro números de sua revista

Eleito por unanimidade para ocupar a cadeira, n. 31, cujo patrono é o Pe. Brito Guerra, essa escolha teve o sabor de uma consagração. Com efeito, deixou implícito o reconhecimento da totalidade dos acadêmicos a toda uma obra literária, da qual sobressaem quatro livros solo e três coletâneas organizadas pelo autor. Duas das mencionadas obras – vale frisar – constituíram-se, originariamente, em teses acadêmicas: “Capital e Trabalho na Amazônia Ocidental” (São Paulo: Editora Cortez, 1992) e “Comunicação Alternativa e Movimentos Sociais na Amazônia Ocidental”(João Pessoa: Editora da UFPB, 2001), ambas, como as demais, bem recebidas pela crítica.

Muito poderia ser dito a respeito destas duas obras. Todavia, aqui não se trata de estudo crítico, é óbvio. Um comentário, tão-somente. Quero refirir-me ao fato de que, ao contrário da maioria dos amazonólogos,quase todos fascinados pelo “Inferno Verde”, Pedro Vicente sensibilizou-se com as lutas sociais e as condições políticas e econômicas, abrindo caminho num campo ainda pouco trilhado.

Devo ressaltar um aspecto que me parece de grande importância na personalidade intelectual de Pedro Vicente, além das virtudes evidentes – inteligência e integridade. É que em sendo um scholar, professor-doutor voltado para o estudo das ciências humanas e sociais, também é um artista em potencial, um poeta, embora nunca tenha cometido versos, que eu saiba. Tais qualidades estão presentes, de modo especial, em dois dos seus livros menos divulgados: “Exercícios Circunstanciais” (Natal: Edições Coivara, 1997) e “Outras Circunstâncias” (João Pessoa: EDUFPB, 2002).

Confesso que são os livros de minha predileção, em toda sua obra. Seus títulos sinalizam uma despretensão, que só pode ser entendida como prova de modéstia. Pois, de circunstanciais no sentido de coisa datada ou de interesse transitório, esses escritos não têm nada.

A temática é vaiada, e bem demonstra a versatilidade do autor, indo, com desenvoltura, das “Reflexões de Marx sobre o Estado no Livro I de “O Capital” a “Um Olhar sobre o Olhar de Morse”; de Chico Mendes: a Trajetória de uma Liderança” a “Johnny Guitar”; entre outros assuntos, no primeiro livro; e de “O Escritor Nordestino: um Itinerante à Procura de Editor” a “Uma Culinária Revisitada” e “Cascudo, Historiador da Comida, no segundo.

Os “exercícios” também revelam qualidades especiais do autor, como, por exemplo, o gourmet e o cinéfilo, no admirável “Cinema e Gastronomia: A Festa de Babette”, sem dúvidas, ponto alto do seu ensaísmo.

Quando da posse de Pedro Vicente na Academia Norte-rio-grandense de Letras, coube-me a honra de fazer a saudação acadêmica. Muitas palavras que, então, disse, vão aqui transcritas.

No final do discurso ressaltei a condição de verdadeiro escritor, inerente ao novo acadêmico. E, fugindo ao tratamento protocolar, numa paródia a famoso verso de Manuel Bandeira:

- Entra, Pedro. Você não precisa pedir licença.

Vivente de Natal, cidade que adotou, Pedro curte o “otium cum dignitate”

Aposentado, há algum tempo, ele pode se dedicar, integralmente, às atividades literárias.

A biblioteca é a mais nobre dependência do apartamento onde mora, com Socorro, sua mulher, e a filha Mariana.




Nota: Texto de autoria do escritor Manoel Onofre Jr., publicado em seu Livro: Simplesmente Humanos. Natal (RN): Sebo Vermelho Edições, 2007. Veja na secção Comentários, resenha crítica do livro escrita pelo poeta Lívio Oliveira.

Um comentário:

Anônimo disse...

Lívio Oliveira
Homens

Mais uma vez a expressão “simples” aparece no título de um dos livros que compõem a vasta obra do desembargador e escritor Manoel Onofre Jr. Foi assim no livro de contos “Chão dos Simples”, de 1983. É, agora, com o seu recente “Simplesmente Humanos”.

De fato, simplicidade e o mais absoluto sentimento de humanidade são marcas explícitas da literatura produzida por Manoel Onofre Jr. Isto porque se constituem em características que lhe são, de maneira inegável, imanentes. O autor, assim como em sua vida pessoal, não se perde em exibicionismos sem sentido, coisa que teima em minar as biografias de alguns escritores e literatos destas plagas.

O que o autor busca na sua nova obra gerada é registrar, com sensibilidade apaixonada e apaixonante, os momentos lúdicos, pitorescos, relativos a histórias de personalidades diversas e ricas de conteúdo humano – dentre estas, políticos, intelectuais, além de muitos dos seus diletos amigos e pessoas do seu círculo familiar.

Sempre num tom memorialístico ou histórico, que dá continuidade a momentos como os descritos na recente reedição de seu “O Caçador de Jandaíras”, o autor investiga os escaninhos de seus arquivos e de suas lembranças mais íntimas e cristalizadas, aqui, mais líricas, acolá, mais lúdicas; sempre históricas.

Manoel Onofre Júnior mantém seu compromisso infatigável de destinar aos seus conterrâneos e demais leitores as informações mais precisas e raras sobre os costumes de sua gente. E se trata de sua gente, mesmo. São as pessoas que cultua e cultiva, na inteligência e no coração.

No início de seu livro, faz-se notar – com destaque acentuado – personagens vivos, vivíssimos, compondo (alguns deles), o que o autor denomina de os “Cavaleiros da Távola Redonda”, um grupo de intelectuais que se reúne em torno de “...pequena mesa, nos fundos de uma livraria, no centro de Natal, onde, toda manhã, forma-se uma roda de conversa, da qual tenho o prazer de participar, vez ou outra.”. Desse grupo fazem parte personagens como Inácio Magalhães de Sena, o “Bispo de Taipu”, intelectual católico com aspectos de vida folclóricos, e que o autor descreve como um apaixonado por livros, quase beirando mesmo ao fanatismo. Compõe também o grupo o inteligente e talentoso Jarbas Martins, ex-promotor público, cronista, poeta, crítico literário e tradutor de poesia, atualmente lecionando na UFRN, que recebeu de Onofre o alcunha drummondiano de “fazendeiro do ar”, tratando-o Onofre como um ser sonhador puro e profundo – mas, com os pés nos chão – além de o considerar intelectualmente consistente, um “virtuose da palavra”. A esses membros da “Távola Redonda” se assoma Tarcísio Mota, um homem “...irrequieto, brincalhão, espirituoso, extremamente irônico.” Artista plástico, Tarcísio é descrito como um grande contador de causos, dotado de irreverência arrasadora. Pedro Vicente da Costa Sobrinho é outro intelectual do grupo. Escritor de diversas obras, sociólogo, professor da UFRN, Pedro é lembrado pelas virtudes da inteligência, versatilidade, integridade e modéstia, além de sua predileção pela gastronomia e seu amor pelos livros.

Outros importantes nome são lembrados e diversos episódios ilustrativos relatados na obra de Manoel Onofre Jr. Figuras do porte de João Wilson Mendes de Melo, Sanderson Negreiros, Dorian Gray Caldas, Celso da Silveira, Alvamar Furtado, Augusto Severo Neto, Carlos Lima, Veríssimo de Melo, Newton Navarro, Zila Mamede, Auta de Souza, Umberto Peregrino, Getúlio Araújo, Nilo Pereira, Edgar Barbosa, Antônio José de Melo e Souza (em capítulo já merecidamente destacado por Nei Leandro de Castro), Ferreira Itajubá, dentre mais e mais nomes, que trazem no topo dessa pirâmide de expoentes de humanidade, evidentemente, o nosso colosso Câmara Cascudo. Todos – eles e elas – são esquadrinhados em seus minuciosos aspectos psicológicos e peculiares personalidades. Suas características são sempre demonstradas como únicas, percebidos como seres invulgares e profundos por um escritor responsável e sincero, que nos faz rir e nos faz refletir. Desfilam, porém, tais personagens – com seus aspectos ampliados sob a lente transparente e a pena lúcida de Manoel Onofre Jr. – como entes simplesmente humanos.


Lívio Oliveira, Advogado, escritor e poeta