Jaci Bezerra Lima |
DESAFIO
A palavra é uma onda
aguardando o massacre,
e, antes que se esconda,
além de áspera, acre.
Nessa forma de ser
é fruto para a fome,
doendo sobre a pedra
que é e faz o homem.
A palavra é um pássaro
trinando a dura mágoa
do homem que no sáfaro
verão é pedra e água.
Nessa forma, uma porta
para amplas paisagens,
ser que é mapa e que é rota
para a exata imagem.
A palavra é uma caixa
de pássaros ardendo,
ser que a si não se basta
se é um pássaro morrendo.
Nessa forma, a lembrança
do dia, não o dia,
ser que a mão não alcança,,
frágil caixa vazia.
A palavra é um peixe,
luz de luzida escama,
ardendo como um feixe
de trigo ou uma chama.
Nessa forma, a borracha
que o tempo não consome,
comida que não basta
à boca de quem come.
A palavra é uma pedra
sofrendo no deserto,
ser que nem sempre medra
mesmo quando está perto.
A palavra é um rio
correndo sem ter margens,
ser que é mais que um fio
de luz sobre a ramagem.
Nessa forma, um tecido
de estrelas sobre a noite,
ser que dói nos sentidos
como um soco e um açoite.
Este poema (Desafio) de Jaci Bezerra Lima foi concebido no Acre, com data de 13 de dezembro de 1979. O poeta tinha ido a Rio Branco para participar da comissão julgadora do I Festival Acreano do Filme Super 8. O poema me foi dedicado, e comigo ficou guardado por 15 anos. Em 11 de dezembro de 1994, o escritor Nelson Patriota publicou o poema no Caderno Ilustrado do jornal “O POTI”. Enviei exemplar do jornal pra Jaci, e o poeta respondeu-me com uma carta, da qual eu posto neste blog alguns trechos .
“... Recebi sua carta com as cópias do artigo e do poema. O artigo, um pequeno e lúcido ensaio, como poderia dizer o velho Gilberto, é original e envolvente, pela abordagem, pelo domínio do tema e pela linguagem. Lamento só que tenha saído truncado. Mas o que fazer? O que vale é que é um artigo bom de se ler ou, melhor, de se comer com os olhos e a sensibilidade. Quanto ao poema, confesso, como já lhe havia dito, que não me recordava do que tinha escrito. Vê-lo publicado assim, depois de tanto tempo, foi como reencontrar, comovido até, um pouco da minha mocidade. É um poema com uma forte dicção cabralina, mas creia que você me deu uma grande alegria ao publicá-lo”.
Jaci Bezerra Lima, poeta, dramaturgo, contista. Publicou entre outros livros: Auto da Renovação; Os pastos da minha lembrança; Emílio Madeira, o galo. Comarca da memória, Livro de Olinda, Livro das incandescências e Linha d' água (poesia).
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