Fernando Monteiro |
Listas? Para que servem as listas dos “melhores filmes de todos os tempos”?
Talvez para ocupar o tempo – e a cabeça – de críticos que, divorciados, acabaram de estrear apartamento novo, num daqueles sábados longos da vida de solteiro entretida mais com velhos filmes do que com novas companhias etc.
Seja como for, foram os redatores da respeitada revista inglesa Sight & Sound que, em 1952, começaram com a mania, elegendo “os melhores dez filmes produzidos até o início dos anos cinqüenta”, para isso convocando uma espécie de “colegiado” de cineastas, teóricos e (é claro) colegas – fanáticos e menos fanáticos – que elegeram os seguintes filmes:
1 - Ladrões de bicicletas (Ladri di biciclette), de Vitório De Sica. Itália-1948;
2 - Luzes da cidade (City lights), de Charles Chaplin. EUA-1931;
3 - Em busca do ouro (The gold rush), de Chaplin. EUA-1925;
4 - O encouraçado Potemkin (Bronenosets Potyomkin), de Eisenstein. URSS-1925;
5 - Intolerância (Intolerance), de Griffith. EUA-1916;
6 - Louisiana story, de Robert Flaherty. EUA-1948;
7 - Ouro e maldição (Greed), de Erich von Stroheim. EUA-1923;
8 - Trágico amanhecer (Le jour se lève), de Marcel Carné. França-1939;
9 - O martírio de Joana (La passion de Jeanne D´Arc), de C. Dreyer. França – 1928;
10- Desencanto (Brief encounter), de David Lean. Inglaterra-1945;
11- O milhão (Le million), de René Clair. França-1931;
12- A regra do jogo (La règle du jeu), de Jean Renoir. França-1939.
Os títulos empatados fizeram surgir doze filmes (predominando produções européias, note-se), com Chaplin emplacando duas obras nas primeiras posições, e mais a presença de algumas admirações recentes – naquela época – determinando votos de puro entusiasmo da década pós-guerra (o melhor exemplo disso é Louisiana story, filme quase esquecido hoje em dia). Estavam inauguradas as “listas” do cinema, e a da revista britânica fixou o prazo de uma década para as suas: ficou acertado que uma nova votação seria feita em 1962, a qual viria com sensíveis diferenças da primeira
1 - Cidadão Kane (Citizen Kane), de Orson Welles. EUA-1941;
2 - A aventura (L’avventura), de Michelangelo Antonioni. Itália-1959;
3 – A regra do jogo;
4 – Ouro e maldição;
5 – Contos da lua vaga (Ugetsu monogatari), de Mizoguchi. Japão-1953;
6 – O encouraçado Potemkin;
7 – Ladrões de bicicleta;
8 – Ivã, o terrível (Ivan Groznyi), de Eisenstein. URSS-1944;
9 – La terra trema – Episodio del mare, de Luchino Visconti. Itália-1947;
10 – L´Atalante, de Jean Vigo. França-1934.
“Cidadão Kane”, produção americana do começo do início da década de 40, havia chegado para ficar: passou a ser votada quase sempre na primeira posição (uma vez, na segunda), embora não constasse da relação inaugural dos “melhores”. Em compensação, a lista reapareceu ainda voltara para a Europa, numa relação de 7 para 2, segundo os critérios dos votantes da segunda rodada. Curiosamente, filmes de Chaplin nunca mais alcançaram posição alguma, para sempre (pelo menos nas apurações de Sight & Sound).
Dez anos se passaram, e, em 1972, a terceira lista manteve seis obras da última votação (“Cidadão Kane”, “A regra do jogo”, “O encouraçado Potemkin”, “A aventura”, “O martírio de Joana D´Arc” e “Contos da lua vaga”, também conhecidos como “Contos da lua vaga após a chuva”). Como obras novatas na consagração dos críticos, surgiram “Fellini Oito e meio” (8 ½ - Otto e mezzo), de Federico Fellini – Itália, 1963, “Quando duas mulheres pecam” - (Persona), de Ingmar Bergman – Suécia, 1966, “A general” - (The general), de Buster Keaton – EUA, 1926, “Soberba” (The magnificent Ambersons), de Orson Welles – EUA, 1942), e mais um filme do sueco Bergman: “Morangos silvestres” (Smultronstället), de 1957.
Com vinte anos da lista da mais do que nunca prestigiosa publicação, já se podia falar em inamovíveis votações para “Cidadão Kane”, “A regra do jogo” e “O encouraçado Potemkin”, sempre presentes, seguidos de “O Martírio de Joana D’Arc”, menos unânime, porém votado mais ou menos uma lista sim, uma lista não. Welles era ainda muito reverenciado na Europa, e o seu “Soberba” veio para a lista pela primeira vez (embora muito distante, artisticamente, do soberbo “Cidadão Kane”).
Não vou citar as listas de 1982, 1992 e 2002, para não cansar os bloguistas (com todo respeito), pois eles teriam todo o direito, a esta altura, de começar a se desinteressarem tanto da fidelidade como da variação das admirações dos críticos reunidos por S&S, e apenas acrescento que somente em 1982, uma legítima obra-prima de 1956 faria o seu aparecimento – tardio – na relação dos melhores: “Rastros de Ódio”, magnífico faroeste de mestre John Ford, tão bom quanto “Rio Bravo”, o maravilhoso western de Howard Hawks que jamais conseguiu ficar entre os dez nota-dez da eleição mais respeitada da cinefilia. E meu assunto aqui não é ela, a votação que Sight & Sound prossegue fazendo (a última, é claro, foi em 2002, quando apareceu um filme “novato” – no ranking – realizado em 1927: “Aurora”, dirigido pelo alemão Friedrich W. Murnau).
Meu assunto é a lista dos “100 melhores filmes da história do cinema”, sujeita a chuvas e tempestades, que o crítico inglês Ronald Bergan confeccionou (recém-divorciado?) com omissões inacreditáveis e – surprise – a presença do brasileiro “Cidade de Deus” na penúltima posição. Bergan é muito respeitado, e um livro de 510 páginas (que acaba de ser traduzido e lançado pela Zahar), traz as 100 obras que ele escolheu – em 110 anos da arte um dia chamada de “sétima” – com os comentários sobre os seus filmes preferidos por “n” motivos. Não dá para resumi-los aqui, porém aqui vai a lista que Bergan elaborou, debaixo do “fog” (às vezes míope) de Londres, com os seus “cem melhores” ordenados em ordem rigorosamente cronológica, conforme o crítico preferiu:
O Nascimento de uma Nação – O gabinete do Dr. Caligari – Nosferatu, o vampiro –Nanook, o esquimó – O encouraçado Potemkim – Metrópolis – Napoleão – Um cão andaluz – O martírio de Joana d’Arc – Nada de novo no Front – O anjo azul – Luzes da cidade – Rua 42 – O diabo a quatro – King Kong – O Atalante – Branca de neve e os sete anões – Olímpia – A regra do jogo – ... E o vento levou – Jejum do amor – As vinhas da ira – Cidadão Kane – Relíquia macabra – Pérfida – Ser ou não ser – Nossa barco, nossa vida – Casablanca – Obsessão – O bulevar do crime – Nesse mundo e no outro – A felicidade não se compra – Ladrões de bicicleta – Carta de uma desconhecida – Um país de anedota – O terceiro homem – Orfeu – Rashomom – Cantando na chuva – Era uma vez em Tóquio – Sindicato de Ladrões – Tudo o que o céu permite – Juventude transviada – A canção da estrada – A mensagem do diabo – O sétimo selo – Um corpo que cai – Cinzas e diamantes – Os incompreendidos – Quanto mais quente melhor – Acossado – A doce vida – Tudo começou no sábado – A aventura – O ano passado em Marienbad – Lawrence da Arábia – Dr. Fantástico – A batalha de Argel – A noviça rebelde – Andrei Rublev – The Chelsea girls – Bonnie e Clyde – Meu ódio será sua herança – Sem destino – O conformista – O poderoso Chefão – Aguirre, a cólera dos deuses – Nashville – O império dos sentidos – Taxi driver – Noivo neurótico, noiva nervosa – Guerra nas estrelas – O casamento de Maria Braun – O franco-atirador – ET, o extraterrestre – Blade Runner, o caçador de andróides – Paris, Texas – Heimat – Vá e veja – Veludo azul – Shoah – Uma janela para a amor – Mulheres à beira de um ataque de nervos – Cinema Paradiso – Faça a coisa certa – Lanternas vermelhas – Os imperdoáveis – Cães de aluguel – Trois Couleurs – Através das oliveiras – Quatro casamentos e um funeral – Troy story – Fargo, uma comédia de erros – O Tigre e o Dragão – Amor à flor da pele – Traffic – O Senhor dos anéis – Cidade de Deus – Brilho eterno de uma mente sem lembranças.
Aí está. Serve para alguma coisa? Talvez sirva para um cinéfilo iniciante se orientar, na escolha de filmes de uma locadora – sem a garantia de que deva ir lá confiando numa lista dos cem filmes da história do cinema que não inclui obras-primas como “O criado” (The servant, de Joseph Losey), “Os desajustados” (The misfits, de John Huston), “Vagas Estrelas da Ursa”, de Luchino Visconti, “Vidas amargas” (Lest of Eden, de Elia Kazan) e muitíssimos outros filmes excluídos – enquanto Bergan abre lugar para coisas como “O tigre e o dragão”, “O senhor dos anéis” e Troy story etc. Porém, as listas talvez existam pelo bom motivo de termos algo para desancar, de vez em quando...
Fernando Monteiro, romancista, poeta, cineasta, crítico e cinéfilo. Publicou entre outros livros: Aspades ETs etc.; A múmia do rosto dourado do Rio de Janeiro; A cabeça no fundo do entulho e O grau Graumann.
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