sábado, 28 de maio de 2011

Artigos - A revolução Cubana - Uma revolução na América Latina - Emir Sader







É possível falar de revolução cubana em dois sentidos: como processo de luta pela tomada do poder por Fidel Castro e os companheiros que com ele lutaram na oposição insurrecional ao regime do ditador Fulgencio Batista. Nessa acepção, foi um movimento guerrilheiro que capitalizou o descontentamento do povo contra as condições de miséria, corrupção, falta de liberdade e dependência em relação aos EUA, para instalar um governo revolucionário nos primeiros dias de 1959.

Na segunda acepção, a revolução cubana de 1959 foi a continuidade das frustradas lutas de independência iniciadas na segunda metade do século passado e pode ser caracterizada efetivamente como uma revolução, não pelo fato de ter tomado o poder, mas por ter desenvolvido um processo de transformações, radicais das estruturas econômicas, sociais, políticas e ideológicas que fizeram de Cuba o primeiro país socialista da America Latina e do mundo ocidental.

Revolução, nesse sentido, é o conjunto de processos de mobilização, organização e luta do povo, em condições históricas concretas, contra o poder instituído, pela construção de um novo poder político que dirija as transformações radicais das estruturas dominantes na sociedade.

Nesta acepção, a revolução cubana é um dos poucos exemplos neste continente que realmente merece o nome de revolução, qualquer que seja o juízo que se faça sobre o seu caráter. Ela não é apenas um produto histórico da mobilização popular, mas é o desenvolvimento de um programa de transformações democráticas, nacionais e socialistas que modificou substancialmente a sociedade cubana nas décadas transcorridas desde a fuga de Batista para o exterior e a instalação do poder revolucionário em Havana.

As maiores dificuldades derivam do caráter polêmico do tema. Talvez não exista questão mais contraditória na historiografia contemporânea que a revolução cubana. Entre a apologia e a satanização, parece não haver meio-termo possível. Entre os que ao visitar a Ilha, quase infalivelmente ficam “maravilhados” com a eliminação do analfabetismo, da prostituição, da descriminação racial, do desemprego, da violência, da miséria, e com a saúde e a educação gratuitas; e, por outro lado, os que execram radicalmente a “falta de liberdade e de democracia” no país, se divide praticamente toda a bibliografia existente.

Sabemos que outra dificuldade se apresenta diante de nós. É que a revolução cubana foi contemporânea de toda uma geração para a qual a revolução era um fato histórico vinculado ao passado - a revolução francesa, em primeiro lugar - ou a um futuro nebuloso ou seguro, conforme as convicções ideológicas de cada um - o socialismo, o comunismo. Mas de qualquer forma, a revolução era um fenômeno longínquo no tempo - revolução francesa, revolução inglesa -, ou no espaço - Rússia, China.

Foi a revolução cubana que atualizou a revolução no nosso tempo - para algumas gerações que hoje andam pelos trinta ou quarenta anos -, e no espaço latino-americano. Dela se pode indiscutivelmente dizer que, depois do seu surgimento, nada foi como antes no nosso continente e inclusive no Terceiro Mundo.

Se a revolução russa surpreendeu aos marxistas de quase todo o mundo, porque ocorreu onde não se esperava - na atrasada Rússia em lugar da Europa industrializada e, portanto, com classes operárias fortes -, a cubana não somente surgiu onde menos se esperava que existissem as condições para o socialismo - num país com pequena classe operaria, ao contrário da Argentina, Chile, México, Uruguai e Brasil -, como nem sequer foi dirigida por marxistas - socialistas ou comunistas.Toda revolução é um processo heterodoxo. Nunca repete, nem na forma, os fenômenos similares dos processos que a antecederam. A revolução russa foi completamente diferente da frustrada tentativa da Comuna de Paris, a chinesa se diferenciou amplamente da russa, e a cubana, não repetiu a história das revoluções anteriores. À complexidade de apreensão do significado da revolução cubana se somou sua polêmica projeção para a America Latina, encarada como "modelo" a seguir ou "perigo" a evitar. Nem a revolução russa teve na Europa a repercussão que o triunfo de Fidel Castro e seus companheiros teve na America Latina. Isso contribui para a polarização radical na abordagem do fenômeno cubano, pelo próprio fato de que ele nos envolve a todos no continente, como atração ou repulsa, apontando "vias de superação da crise capitalista" ou assinalando caminhos a recusar "para preservar a democracia".

Tudo isso contribui para a complexidade na abordagem do tema. Fidel Castro afirmou certa vez que eles tinham "feito uma revolução maior que nos mesmos". Talvez seja uma das poucas afirmações do líder cubano que adeptos e adversários estão dispostos a aceitar como verdadeiras.





Emir Sader. Professor da UERJ; Doutor em Ciência Política (USP); Entre outros livros é autor de: A vingança da História. São Paulo, Ed. Boi Tempo; Estado e Política em Marx, São Paulo, Ed. Cortez; Cuba, Chile e Nicarágua: o socialismo na América Latina. Ed. Atual; A revolução Cubana. Ed. Scritta. O presente texto foi publicado em Brasil Urgente, 1992.









Um comentário:

Francisco Sobreira disse...

Caro Pedro,
Sempre que ia a Recife, não dispensava uma visita ao Savoy. Mas ele estava em franca decadência, nas últimas vezes em que fui lá. Quanto ao seu texto sobre a escolha da nojenta FIFA dos 50 melhores jogadores de todos os tempos, é de fato imperdoável que nela não constem Nilton Santos, Domingos da Guia, Leônidas. Acho que Ademir Menezes merecia também. Essas listas... Gostei do seu blogue, que ficarei visitando com a possível regularidade. Um abraço.