quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Artigos - A candidatura de Vulpiano Cavalcanti em Natal - Cláudio Oliveira



Contavam os antigos militantes que o Partido Comunista Brasileiro preparava a candidatura do médico Vulpiano Cavalcanti à Prefeitura de Natal. Era o ano de 1964 e discutia-se a sucessão do então prefeito Djalma Maranhão. Nascido no Ceará a 15 de março de 1911, dr. Vulpiano radicou-se em Natal nos anos 40, depois de concluir o curso de medicina no Rio de Janeiro. Como se sabe, o golpe de Estado de 1964 interrompeu a processo democrático. O dr. Vulpiano foi uma de suas primeiras vítimas. Preso, teve seus direitos políticos suspensos.


Aquela não teria sido a primeira candidatura frustrada do dr. Vulpiano. Em fins dos anos 1950, o PCB debatia lançar seu nome a deputado estadual. Ocorreu que o professor Luiz Maranhão, também dirigente partidário, fora chamado para uma conversa com uma autoridade religiosa. O clérigo teria sido direto: se o candidato fosse ele, Luiz Maranhão, os religiosos não seriam a favor, mas também não fariam campanha contra. Se o candidato fosse o dr. Vulpiano, sua congregação se oporia. O Comitê Estadual reuniu-se e decidiu então lançar Luiz Maranhão a deputado, afinal eleito em 1958.


Talvez o dr. Vulpiano estivesse identificado com os tempos duros do PCB, quando o partido adotara posições anticlericais e de extrema-esquerda. Enquanto Luiz Maranhão representaria a nova política, favorável a um diálogo com amplos setores da sociedade. Já em 1955, o PCB apoiara a candidatura de Juscelino Kubitschek, do PSD, à Presidência da República. Em março de 1958, manifestava-se a favor da democracia representativa e de um caminho pacífico das transformações sociais. Todavia, quem o conhecia de perto sabia que as posições políticas do dr. Vulpiano eram as mesmas do seu correligionário professor. Ambos formavam internamente no PCB a ala dos renovadores.



Naqueles dias agitados de 1964, Djalma Maranhão, Luiz Maranhão e Vulpiano Cavalcanti se colocavam contra o processo de radicalização política em curso no país. Veio o golpe e, como é sabido, Djalma Maranhão foi deposto da Prefeitura e preso juntamente com os principais líderes esquerdistas da cidade. Inicialmente ficaram detidos no berçário do Hospital da Polícia Militar. Um  dos últimos a chegar, o dr. Vulpiano disparou com o seu habitual bom  humor:



– Viram no que deu a doença infantil do comunismo?



Vulpiano Cavalcanti assistira, estudante no Rio de Janeiro, à derrota dos rebeldes de 1935 da Aliança Nacional Libertadora, de cujo lançamento participou no Teatro João Caetano. Assim, refutou a tese da luta armada contra o regime de 1964. Optou pela chamada resistência democrática, política aprovada no congresso do PCB em 1967.



Obrigado à clandestinidade, Luiz Maranhão transfere-se para São Paulo, onde fará parte da comissão do PCB responsável pelas articulações na Frente Ampla. A proposta, reunindo João Goulart, Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, além de Ulyssses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro, Itamar Franco, Aluízio Alves e outros, uniu a oposição ao autoritarismo.



Proibida aquela articulação, os comunistas participam da organização do MDB, que imporá em 1974 e 1978 duas fortes derrotas eleitorais ao regime. Ante a derrota nas urnas e a pressão da opinião pública, o regime se vê forçado à abertura. A Anistia é aprovada, os exilados retornam ao país, os presos políticos são libertados e o dr. Vulpiano tem os seus direitos políticos de volta. Mas ele ainda não terá sua cidadania plenamente restituída. Seu PCB continuará proibido.      



Numa tarde ensolarada, visitei o dr. Vulpiano em sua casa em Petrópolis. Contou-me do telefonema que recebera de Luiz Carlos Prestes convidando-o a abrir uma dissidência no PCB. O legendário “Cavaleiro da Esperança” voltara do exílio e acreditava que era hora de fundar uma frente unicamente de esquerda, dela excluindo os setores democrático-liberais. O dr. Vulpiano discordou de Prestes e mostrou-se favorável à união de todos os setores da oposição como melhor caminho para superar o regime. E assim emprestará seu apoio à campanha de Tancredo Neves, do PMDB, cuja vitória enterrou duas décadas de autoritarismo.



Morreu em novembro de 1988, vítima de pneumonia, quando visitava suas irmãs em Fortaleza. Mas viveu o tempo suficiente para ver seu partido legalizado em 1985 e promulgada a nova Constituição, na qual foram estabelecidas não só as liberdades políticas, como também garantias sociais que melhoraram a vida de milhões de brasileiros. Confirmou-se o seu prognóstico segundo o qual a liberdade era a condição necessária para a construção de um Brasil assentado nos valores da igualdade e da fraternidade.





 Cláudio de Oliveira é jornalista e cartunista.

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