Ao participar da 2.ª Feira Nacional do livro do Rio Grande do Norte, no ano 2000, numa entrevista concedida ao jornalista Nelson Patriota, que lhe perguntou: “muitos autores nordestinos costumam se queixar de serem discriminados pelas editoras do eixo Rio-São Paulo”, o escritor pernambucano Fernando Monteiro comentou:
De fato, falta ao Nordeste uma grande editora, de dimensão nacional, que agilize a circulação de obras produzidas pelos seus próprios autores. Não adianta a gente ficar se queixando do Sudeste, do eixo Rio-São Paulo; cabe a nós resolvermos esse problema com nossos próprios meios. O Nordeste já comporta pelo menos uma editora de grande porte, só é preciso que os nossos empresários despertem para isso e invistam os seus recursos nessa área. CADERNO MUITO, p. 1 e 3
Neste artigo, assumo de modo integral o que expressou Fernando Monteiro, e passo a elencar algumas informações que permitem uma melhor apreciação do assunto.
Em primeiro lugar, cabe destacar que o nosso atraso com relação ao mercado editorial: produção e comercialização do livro é histórico. Vejamos.
Sem querer evidentemente dar um mergulho muito profundo, buscando o século XIX e mesmo as duas primeiras décadas do século XX; anos de predomínio da importação de livros, nos quais autores nacionais tinham suas obras impressas em gráficas da Europa; eu passo a analisar essa situação a partir da década de 20, que considero o início da indústria editorial no país, com Monteiro Lobato adquirindo a Revista do Brasil (1918), e logo depois vindo a constituir a Empresa Editora Revista do Brasil com a gráfica Monteiro Lobato & Cia. (1919).
Já em 1923, Lobato estimava ter publicado 100 mil exemplares de livros. Em 1924, Lobato inaugura o prédio sede de sua editora, com 5 mil metros quadrados de área coberta, abrigando modernas máquinas tipográficas. Ao falir em 1925, o acervo da gráfica de Lobato foi adquirido por duas recém-fundadas organizações do ramo: São Paulo Editora e Editora Gráfica Revista dos Tribunais.
Passada a tormenta, Lobato com seu ex-empregado Octalles Marcondes fundaram a Companhia Editora Nacional (1925). Com base em sua amarga experiência, Lobato definiu modernamente o processo de divisão do trabalho no Capitalismo:
O que nos fez mal foi a montagem daquela enorme oficina. A nova empresa será só editora – imprimirá em oficinas alheias. A indústria editora é uma e a impressora é outra. E como não faremos a crédito (que por felicidade não teremos), a nova árvore crescerá com solidez de granito, à prova de secas, terremotos e vulcões (LOBATO, 281).
Daí a grande luta de Lobato contra as altas taxas aduaneiras para importação de papel para livro, que tornava seu custo muito alto. E também contra o protecionismo absurdo às recém-instaladas indústrias de papel no país, que trabalhavam com celulose importada da Suécia e de outros países, e cobravam preços elevados, beneficiavam-se das taxas aduaneiras e prejudicavam a incipiente indústria livreira nacional.
É nessa esteira que alguns anos depois surgem ou consolidam-se as grandes editoras nacionais: Companhia Editora Nacional, Francisco Alves, Globo, José Olympio, Irmãos Pongetti, Melhoramentos, Martins e Civilização Brasileira.
Já nos anos 30 cerca de 50% das gráficas do país estavam concentradas nos estados de São Paulo, Minas e Rio de Janeiro. São Paulo, por sua vez, detinha 32% do total de empresas do ramo gráfico, e destaque-se que esse percentual é bem maior com relação à produção industrial gráfica. Nessa mesma década, os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul concentravam 61% das empresas editoras e mais de 80% da produção editorial. (PONTES, 369-370).Para se ter uma melhor idéia da concentração da indústria gráfica-editorial, cabe realçar que a Empresa Gráfica Revista dos Tribunais, dirigida pelo escritor-editor Nelson Travassos, nos anos 30 e 40, foi responsável por aproximadamente 60% da impressão de livros no país (PONTES, 370).
E o Nordeste, nesse mesmo tempo histórico, não merece nenhum registro digno de realce. As iniciativas são vagas e amadorísticas. Na Bahia, a Livraria Progresso, que desde sua origem até 1959 havia editado 280 títulos; as Edições Macunaíma, a Editora Itapoã e outras menores produziram pouco e tiveram vida efêmera. Em Pernambuco, a Livraria Editora do Nordeste, o Gráfico Amador e as iniciativas oficiais: Instituto do Açúcar e do Álcool (Coleção Canavieira), Instituto Joaquim Nabuco, Editora Guararapes, Imprensa Universitária (1952).No Ceará: Edições Clã, de Henriqueta Galeão Ltda., Editora Terra do Sol e Edições UFC. Na Paraíba: a União Cia. Editora. Além destas o pequeno espaço editorial das Oficinas Gráficas dos Diários Oficiais (HALLEWELL, 532-534).
O parque gráfico instalado no Nordeste nunca se destinou ao livro, pois foi voltado para os jornais de circulação diária, para atender pedidos de material de expediente e de notas fiscais. Além disso, instalou-se o complexo gráfico que atendia com exclusividade à indústria fonográfica e de embalagem. Para espanto geral, até bem recentemente não havia máquinas de costurar livros disponíveis em gráficas; algumas editoras universitárias adquiriram máquinas artesanais, quase sempre ociosas ou sem uso em suas oficinas.
A partir da década de 60, com o advento da indústria cultural no país, o atraso no Nordeste foi se acentuando. Se não instalamos uma indústria editorial quando havia um mercado menos competitivo, imagine-se em novas e adversas condições. Mais a lamentar é a constatação de que o Nordeste sempre se destacou pela força de sua produção intelectual. Sem fazer referências ao século XIX e o início do século XX, cabe destacar que o escritor maranhense Humberto de Campos com sua obra foi o carro-chefe, a viga-mestra para consolidação de José Olympio enquanto editor. E daí muitos outros: Jorge Amado, José Lins do Rego, José Américo de Almeida, Graciliano Ramos, Gilberto Freyre, Raquel de Queirós, Amando Fontes, Câmara Cascudo, entre outros. Além disso, uma poesia forte com nomes como Jorge de Lima, Manuel Bandeira, João Cabral, Carlos Pena Filho e Mauro Mota. O Nordeste, eu posso afirmar, passou batido. E agora, José?
Nas últimas décadas, de 1960 a 1990, o mercado editorial brasileiro passou por profundas mudanças; novas e grandes editoras surgiram ou se consolidaram: Record, Vozes, Nova Fronteira, Forense, Ática, Saraiva, Companhia das Letras, Martins Fontes, Globo (atual), Melhoramentos; outras antes grandes assumiram papel de coadjuvantes ou associadas: José Olympio, Nacional, Zahar, Civilização Brasileira, DIFEL, Bertrand, entre outras.
Segundo o Anuário Editorial Brasileiro - 1999-2000, que adotou uma classificação para as editoras por sua linha editorial: em cultural, crediarista, didáticas, esotéricas e de auto-ajuda, gerais, jurídicas, religiosas, técnicas e universitárias; existem aproximadamente 428 casas editoriais no país. Excluídas as duplicidades por atividades e as muitas várias que foram recém-criadas ou que escaparam ao censo, ou as que têm registros precários, mais de 500 editoras vagueiam no país. Além disso, somem-se as iniciativas individuais, as chamadas edições do autor, que transformam cada autor numa editora de um livro só ou de dois ou mais livros (Anuário Editorial Brasileiro 1999/2000, p. 33).
Para que se instaure o contato do autor com o público, é óbvia a necessidade da cadeia de mediações que vai do editor ao distribuidor, e deste ao livreiro; ou pelo menos do autor com o livreiro, se este editar sua obra. Cabe realçar que a figura do distribuidor está ficando fora de moda, pois a relação direta entre editor e livreiro está se tornando preponderante no país.
No Brasil, segundo o citado Anuário Editorial Brasileiro, existe cerca de 1749 livrarias. A região Nordeste contava com 249 desse universo, significando pouco menos da metade do número de livrarias existentes em São Paulo (499); e cerca de 14,2% do total das livrarias do país. É bom que se frise que livreiros mesmo são poucos, pois o comércio de papelaria e material de escritório é preponderante, sobrando pouco espaço para o livro.
Se fizermos a relação entre o número de editoras e o número de livreiros no Brasil (428 editoras, fechando com o número do Anuário Editorial Brasileiro), temos 4 livrarias para cada editora, o que simplesmente é um absurdo, pois, com certeza, excluídas as livrarias-papelarias, restam pouco mais de duas centenas de livrarias de verdade. O absurdo torna-se mais patente se compararmos à realidade do mercado livreiro de outros países: a Espanha, em 1967, tinha 4171 livrarias e 3493 papelarias que também vendiam livros; Paris, fins da década de 70, possuía 2 mil livrarias; as cidades do México e Buenos Aires tinham, cada uma, 500 livrarias. A situação do Nordeste é mais grave, pois não tem editoras nem tampouco livrarias para escoar os livros (HALLEWELL, 517-518).
O Nordeste, segundo informações atuais, já dispõe de uma rede de cerca de 1051 bibliotecas públicas municipais. Esta rede, todavia, é muito precária, pois são pequenos os acervos; os municípios não compram livros, nem os Estados têm uma política efetiva de compra e distribuição do livro e de melhoria das instalações físicas dessas bibliotecas, além da falta de pessoal qualificado. O que chega quase sempre nessa rede é o livro didático (SABER, 8-9). Por sua vez, dados da CBL, Câmara Brasileira do Livro, informam a estimativa de 26 milhões de leitores no Brasil, cerca de 16,8% da população.
No que diz respeito ao associativismo no mercado editorial, é de se lamentar a situação do Nordeste. No país, principalmente no Sul e Sudeste estão concentradas as mais importantes associações ligadas ao livro e a indústria editorial. Estão instaladas nas citadas regiões a Câmara Brasileira do Livro (CBL, com mais de 50 anos); a Associação Brasileira de Editores de Livros (Abrelivros); Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER); Associação Nacional dos Editores de Publicações Técnicas e Segmentadas (ANATEC); Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL); Associação Brasileira de Difusão do Livro e Coleções (ABDLC); Associação Brasileira de Editores Cristãos (ABEC); Associação Nacional de Livrarias (ANL); Associação Brasileira da Indústria Gráfica (ABIGRAF); Associação Brasileira de Tecnologia Gráfica (ABTG); Associação Brasileira de Editoras Universitárias (ABEU); Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR); Fundação Nacional do Livro Infanto-Juvenil; Fundação Biblioteca Nacional; Associação Nacional de Jornais; Associação Brasileira do Livro (ABL); Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
As câmaras de livros foram criadas em vários estados do Sul e Sudeste e, para vergonha nossa, no Norte e Nordeste até o ano de 2005 só existia a Câmara Baiana do Livro. As UBEs (União Brasileira de Escritores) funcionam bem no Rio e São Paulo, mas existem em outros estados do Sul. No Nordeste, só em Pernambuco está organizada e funciona com representatividade. No resto do Nordeste é coisa morta, por isso a razão de nossa proposta de uma UBE - Nordestina, com sede em Pernambuco, e secções regionais nos outros estados do Nordeste. Isto também é extensivo, enquanto proposta, a criação de uma Câmara Nordestina do Livro, pois o Nordeste tem que pensar em termos de região, somando esforços para vencer as resistências tenazes do atraso.
Segundo dados do censo do ano de 2000, somos hoje, cerca de 72 milhões de Brasileiros Nordestinos. Temos uma população quase equivalente ao somatório dos habitantes das regiões Norte, Sul, e Centro-Oeste. Três cidades com mais de 1 milhão de habitantes, a 3.ª (Salvador), a 5.ª (Fortaleza) e a 7.ª (Recife) metrópoles brasileiras. Nossas capitais somam mais de dez milhões de habitantes (IBGE, Censo 2000).
A população analfabeta no Nordeste entre 5 anos e mais, segundo o citado censo, foi reduzida nesses últimos 7 anos de 37,10% para 28,61%. A nossa participação no Mercado Editorial Livreiro é de 16% do consumo de livros. Baixa participação, comparada ao consumo do Rio Grande do Sul, que detém 8% com uma população de 10 milhões de habitantes; este dado, porém, é importante, pois revela o nosso potencial de expansão no mercado livreiro.
As feiras de livros já fazem parte da nossa agenda cultural. O Ceará e Pernambuco já realizam suas Bienais. Quanto ao Ceará, cumpre destacar o aumento substancial do consumo do livro nos últimos anos. A Bahia realiza sua feira anual. O Rio Grande do Norte depois da realização, com sucesso, de duas feiras (1998 e 2000) vem regularmente realizando suas Bienais. Alagoas e Maranhão já entraram na rede. Todo esse esforço ainda é pequeno, pois no Rio Grande do Sul realizam-se 110 feiras municipais do livro. E as feiras, com certeza, são o maior veículo de difusão do livro, reforçando, portanto, o hábito de leitura cultivado em casa e na escola; e tendo como conseqüência o aumento de leitores e a abertura de livrarias.
Cabe perguntar: e o autor nordestino, onde ele vai publicar seus livros, se não existem editoras?
É bem verdade que, de modo permanente, no Nordeste, só tem existência as editoras ligadas ao setor público: Estados, Municípios, Instituições Federais e Universidades. A política de favorecimento para alguns autores é notória, e portanto a relação profissional de valorização do bom autor fica prejudicada.
As editoras universitárias do Nordeste, a partir dos anos 90, estão de rápido se profissionalizando. Estas editoras têm elegido como paradigma as editoras das universidades paulistas (UNESP, USP, UNICAMP) e a UNB (Universidade de Brasília); que segundo Raul Wassermann, presidente da CBL, estas editoras estão se aproximando do modelo americano, que não utilizam dinheiro público para publicação do livro, mas estão se preparando para competir no mercado. No ano de 2001, as nove editoras universitárias federais nordestinas lançaram aproximadamente 200 títulos no mercado. A constante melhoria no acabamento dos seus livros é uma realidade palpável.
As poucas editoras privadas existentes se consolidarão à medida que se organizem em associações de pressão, que reivindiquem crédito, e lutem pela adoção na bibliografia usada nas escolas públicas e vestibulares os livros de autores do Nordeste. Divulguem o autor regional através de feiras de livros e melhorem a qualidade gráfica dos seus livros. E lutem para criar uma reserva de mercado, como fizeram os editores gaúchos, pois os seus autores e livros têm edições lucrativas locais, para depois disputarem o mercado editorial nacional.
O parque gráfico local já comporta uma indústria livreira em expansão. Se não atender a demanda do mercado editorial, o Sul e o Sudeste têm boas gráficas correndo atrás de serviço. Os editores do Sul, usualmente utilizam a indústria gráfica de outros países, para baratear custos de grandes tiragens.
É preciso criar uma Escola do Livro, e formar pessoal desde a editoração ao ponto de venda. Cursos rápidos, flexíveis, informais, de boa qualidade, tendo como modelo a Universidade do Livro da UNESP.
O livro didático, o para didático e a literatura infanto-juvenil produzidas por autores locais devem estar presentes como objetivo e devem ser estimulados. A reprodução de autores nacionais clássicos e muitos deles do Nordeste, deve fazer parte do acervo bibliográfico de nossas editoras.
A volta dos cadernos e suplementos literários deve ser uma preocupação das associações de livreiros, editores e autores. A luta contra a copiagem pirata e desregrada do livro deve ser permanente.
O complexo de inferioridade de nossas revistas culturais deve ser combatido, pois em nome de uma pseudopreocupação com a grande cultura cultivada no Sul e Sudeste, passam a dedicar páginas a autores do Sul ou a obras traduzidas de autores estrangeiros.
É preciso criar uma escola de tradutores, ou remunerar tradutores do Sul e brigar por títulos no mercado editorial externo.
O também complexo de inferioridade do autor nordestino precisa ser combatido a ferro e fogo. Este só se consagra, ao seu modo de ver, e para deleite de sua vaidade, se for publicado por uma editora do Sul. Uma inversão de perspectiva, pois quem consagra o autor é o público. O importante mesmo é que o autor seja publicado por uma editora que faça chegar sua obra a todo o país. Para isso, ele precisa acima de tudo ter qualidade e um bom marketing editorial. Um bom exemplo é a participação das editoras universitárias nas Bienais do Livro de São Paulo e Rio de Janeiro. Levando o livro e o autor nordestino para contato com o público.
A receita pode ser acrescida de novos ingredientes, mas o fundamental é reunir editores ou candidatos a editores com autores e livreiros, e, a partir deste tripé, estruturar uma política para o livro, e pressionar o setor público a aderir a essa iniciativa.
Referências Bibliográficas
DIÁRIO DE NATAL. Caderno Muito, p. 1 e 3, 20 set., 2000.
HALLEWELL, Laurence. O livro no Brasil (sua história). São Paulo: T.A. Queiroz: Ed. da Universidade de São Paulo, 1985.
PONTES, Heloisa. Retratos do Brasil: Editores, Editoras e “Coleções Brasiliana” nas décadas de 30, 40 e 50; in História das Ciências Sociais no Brasil, Vol. 1, Miceli, Sérgio – org. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: IDESP, 1989.
SABER – Revista do Livro Universitário. São Paulo: Imprensa Oficial, ano I, n. 4, set./out. 2001, p. 8 e 9.
FUNDAÇÃO IBGE. Censo Demográfico de 2000.
ANUÁRIO EDITORIAL BRASILEIRO 1999/2000. São Paulo: Grupo Editorial Cone Sul, 2000.
LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre, V. II. São Paulo: Brasiliense, 1950, p. 281.
Artigo publicado com outro título no jornal cultural “O Galo”. Natal, ano XIV, n. 6, jun/2002. Esta versão sofreu algumas alterações.
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