quinta-feira, 14 de julho de 2011

Memórias - Varal das Lembranças: Histórias em quadrinhos, Grande Hotel e outras revistas de minha iniciação (2) / Pedro Vicente Costa Sobrinho


Revista de quadrinhos: Tarzan - Lex Barker

Tarzan, Capitão Atlas e outras histórias em quadrinhos


Tarzan foi a primeira revista em quadrinhos que regularmente eu li, pois meu pai a comprava mensalmente na livraria da Estação Ferroviária Central de Recife; isso desde os seis anos quando já não gaguejava pra ler os letreiros e as falas contidas nos balões dos quadrinhos. As vésperas de saída do próximo número da revista eu ficava muito ansioso e esperava até tarde da noite pela chegada do meu pai em casa, é que, quase sempre, ele fazia serões no trabalho pra agregar um ganho extra ao salário que percebia. Muitas vezes, não resistia ao sono e dormia e só no outro dia eu me dava conta da prenda, que era por ele colocada em minha cama logo cedinho, pois geralmente pelas manhãs eu não mais o encontrava em casa. Nos sábados ou domingos, como forma de compensar o presente que havia me dado ,meu pai sentava-se à mesa e chamava-me para ler em voz alta os quadrinhos que contavam as aventuras do herói das selvas para ele; à medida que ia lendo ele pedia para ver os desenhos e assim acompanhava toda a leitura das histórias. Ele me chamava sempre a atenção para o fato de que os personagens que apareciam nos quadrinhos, com exceção de Jane, Boy e Chita, os outros como Buto, o cientista velhinho de cabeça grande que sempre pedia favores a Tarzan, o leão Numa, o elefante Tantor, e também lugares como O Vale dos monstros com seus animais pré-históricos nunca apareceram nos filmes de Tarzan que ele havia assistido. Nos poucos livros de Edgard Rice Burroughs que anos depois vim a ler pra ele,não me recordo de haver cruzado caminho com esses personagens. Durante minha infância e parte da adolescência eu sempre li histórias pro meu pai, pois ele muito pouco sabia ler.

Não cheguei a colecionar as revistas de Tarzan editadas pela EBAL, pois elas eram moedas boas e de câmbio fácil no comércio de vende e troca-troca dos quadrinhos na porta do cinema aos sábados e domingos nas matinês. Eu, mesmo contrariando meu pai, não resistia ao assédio dos colegas de porta de cinema e sobretudo a minha incontrolável gula por novas leituras principalmente dos quadrinhos que narravam aventuras na selva e de caubói.
De aventuras na selva depois de Tarzan as revistas e os heróis preferidos eram Capitão Atlas e Fantasma. Do Capitão Atlas, tomei conhecimento através do meu colega de infância Severino cujo apelido era “Biu Fonfon”, que me emprestou o exemplar do primeiro número da revista; daí por diante eu sempre procurei uma maneira de conseguir os números sucessivos através de compra, troca ou empréstimo. O cenário da aventura era a selva brasileira e nunca me preocupei em identificar de qual lugar do Brasil. Se não me falha a memória, no primeiro número, assim como Cristo segundo a Bíblia atraiu seus apóstolos, Capitão Atlas recrutou seus parceiros e companheiros leais e inseparáveis: Tunicão (meio cangaceiro), Quati, índio Chico e sua namorada Rainha da Cachoeira, e ainda a fiel e brava onça pintada Uruti. Nas narrativas quadrinizadas havia lugar pra tudo: aventura na selva, terror, suspense e até ficção científica. O personagem Capitão Atlas parecia um pouco com Jim das Selvas, mas este era um solitário homem da floresta que tinha apenas um chimpanzé à moda de Tarzan como companheiro de aventuras. Anos depois vim a saber que Péricles do Amaral foi o criador do personagem Capitão Atlas, antes concebido pra novela da Rádio Tamoio, e só depois, a partir de 1951, as aventuras do herói da selva brasileira foram quadrinizadas.


Quadrinhos nacionais - Capitão Atlas, de Péricles do Amaral

O imortal Fantasma, que habitava a fictícia selva de BANGALA na Índia, foi-me apresentado pelo meu quase irmão Cosinques. Até o ano de 1956 eu acompanhei todas as edições mensais da revista em quadrinhos Fantasma, publicada no Brasil pela Rio Gráfica Editora. Fantasma, conhecido pelos primitivos habitantes de Bangala como o espírito-que-anda, vivia entre os temidos pigmeus Bandar, ocupando por séculos o trono da caveira numa caverna secreta, onde também se encontrava bem guardado o seu rico tesouro. O Fantasma que no meu tempo de criança habitava as histórias de quadrinhos era o herdeiro mais moço de uma geração de quatro séculos de Fantasmas, que se sucediam por avançada idade ou por morte, daí então passando o cetro as mãos do primogênito da família, e assim o mito e a lenda se eternizaram. Além da bela e apaixonada namorada Diana Palmer, que ele veio a conhecer quando ainda muito jovem, faziam parte de sua corte os leais e fiéis companheiros: Guran, pigmeu amigo de infância do atual Fantasma e seu principal escudeiro; Capeto, o lobo; Herói, o cavalo; e Fraca, o falcão, personagem menos presente e menos acionado do cortejo. Quando a paisano Fantasma trajava um longo casaco e cobria os olhos com óculos escuros para esconder suas vestes originais. A educação do primogênito e sucessor era feita com muito rigor, recebendo ele uma formação cultural ampla, diversa e culta; domínio das artes marciais, boxe e outras formas de luta para defesa pessoal; condicionamento físico de gigante e treinamento com armas que o tornava um rápido e exímio atirador. Com essas qualidades ficava nosso herói preparado para lutar contra o mal, principalmente contra os piratas. Os seus adversários e desafiantes ao receber seus potentes socos ficavam indelevelmente marcados no rosto com uma caveira, pois em um dos seus dedos ele portava anel com esse símbolo que era sua identidade. Não me lembro de nenhum seriado ou filme desse personagem criado para os quadrinhos por Lee Falk e Ray Moore, mas é improvável que não os tenha visto nas matinês que freqüentei durante minha infância e adolescência.

Nenhuma história de caubói me ficou na memória, apesar de que certamente tudo que me passou pelas mãos na infância sem qualquer critério eu li, foi uma baita overdose de leitura. Mas, mesmo assim, desse grande entulho de quadrinhos eu realço Cavaleiro Negro, Cisco Kid, Rocky Lane e Zorro com o índio Tonto. De outras revistas de quadrinhos muito pouco de suas histórias e heróis eu retive na memória. Capitão Marvel e família, Superman, Capitão América, Homem Submarino, Mandrake etc. sempre de imediato após a leitura eram esses Gibis descartados. Os Gibis para o público infantil eu lia com certa regularidade Pafúncio e Marocas, Reizinho, Popeye, Pato Donald, Tio Patinhas, Mickey, Luluzinha, Bolinha e principalmente Os sobrinhos do Capitão, que eu ria a valer com a zorra que eles aprontavam. Do gibi do Bolinha, em Ribeirão com alguns amigos chegamos a ensaiar um clube de leitores, mas naquela altura o tempo já havia passado na janela e todos tiveram o bom senso de ver e se mancar.

 O homem que Rí, de Victor Hugo (adaptado para quadrinhos)

O que não esqueci: A revista Romance ilustrado da Editora Rio Gráfica, que publicou em quadrinhos adaptações de clássicos da literatura. Entre as revistas que li eu guardo com expressiva nitidez a lembrança do meu primeiro contato com a obra de Victor Hugo, através do seu romance “O homem que ri”, e que me levou a ler parte de sua obra de ficção, inclusive ao romance-libelo contra a pena de morte na França: O último dia de um condenado; talvez esse fato por si só explique o porquê dessa revista ter permanecido tanto tempo viva em minha memória, pois não me lembro sequer de um só titulo de outros romances que nela foram publicados e que foram certamente por mim lidos ou pelo menos folheados. De outras revistas que também adaptavam aos quadrinhos consagradas obras de ficção eu li "Os Três Mosqueteiros" e "O Conde de Monte Cristo, de Alexandre Dumas, o pai; e Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand.  Depois de todo esse longo caminho trilhado na companhia dos quadrinhos eu, com inteira convicção, somente posso afirmar que sem eles eu jamais teria me tornado um leitor.

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