O futebol é a paixão nacional dos brasileiros. Costumo repetir essa obviedade, pois estou certo que desde muito cedo eles, os brasileiros, através dos pais e parentes, das relações de vizinhança, dos colegas de escola, são atraídos pela bola de couro, de borracha, de meia ou de qualquer outro material que molde uma esfera; e que chutada venha a rolar em direção a uma passagem entre dois marcos de madeira, pedra ou qualquer coisa que o valha, tendo em vista alcançar o objetivo desejado por todos, que é o gol. O local para a prática do futebol sempre foi facilmente encontrado, isso no meu tempo, fica bem que se frise, pois, sem muito esforço, se tinha a disposição um terreno baldio nas proximidades das nossas casas, ou se fazia uso de um pequeno campo que supostamente pertencia ao time do bairro. Tudo era tão simples até então para que a rapaziada pusesse a bola pra rolar e possíveis boleiros fossem revelados
Durante as décadas de 1950 e 1960, eu acompanhei ano a ano quase que regularmente o futebol brasileiro, principalmente os campeonatos de minha cidade, de meu estado, do Rio de Janeiro e de São Paulo. As notícias de Minas e Rio Grande do Sul além de chegarem pouco e esparsas também não despertavam nenhum interesse. O campeonato nacional que era disputado entre seleções estaduais apesar de longevo não tinha regularidade e sempre ficava com os cariocas e paulistas. Minas, lembro-me bem, papou o título do ano de 1963, porém é bastante razoável a suposição de que cariocas e paulistas disputaram o certame com equipes de segunda categoria. O noticiário esportivo e a transmissão de jogos através do rádio eram de longe o material de comunicação mais popular, até porque era o mais rápido e também de mais fácil acesso para o torcedor; quando não se tinha o aparelho receptor, com certeza se podia contar com a solidariedade do vizinho. E muitas vezes eu usei e abusei desse expediente de recorrer à vizinhança, e assim pude acompanhar, pelo rádio, os jogos que eu considerava importantes e que me despertavam a atenção como torcedor.
Naquele tempo eu fazia parte da imensa horda de torcedores espalhados pelos confins desse país. O meu interesse e curiosidade pelo futebol me levaram a ler quando podia o noticiário esportivo dos jornais diários e revistas de esportes, e ouvir regularmente os programas esportivos das emissoras de rádio locais e nacionais. E assim fui formando meu currículo de torcedor diferenciado na província e, por esse motivo, muitas vezes fui solicitado para esclarecer dúvidas a respeito de assuntos do mundo do futebol. Até por muito tempo cultivei o charme de que conhecia a escalação de todos os grandes times que anualmente disputavam os campeonatos carioca e paulista. E mais, os seus técnicos e suas orientações táticas.
Em toda cidade onde morei, o esportista que se prezava tinha que torcer com mais fervor por um time do seu estado, sem, no entanto, dispensar a condição de torcedor nacional. Para que essa última condição fosse atendida torcia-se por uma equipe do Rio, e daí então o Flamengo e menos um pouco o Vasco da Gama eram os times cariocas de maior preferência do torcedor. De São Paulo, até se poderia torcer por um time, mas não era indispensável. Eu, de certo modo, destoava da maioria dos amigos torcedores com quem tive a satisfação e alegria de conviver; e isso então decorria do fato de torcer pelo Fluminense e ainda pior pelo time do Santos, antes da era Pelé.
Durante os anos que mais cultivei minha paixão pelo futebol, eu pude ver, ler e sobretudo ouvir muita coisa sobre esse esporte. Hoje sou um torcedor aposentado e aborrecido com o futebol que no momento se joga. Com certo passadismo, considero eu que a idade de ouro do futebol tenha durado até os anos da década de 1970. E não acredito que as equipes esportivas atuais possam organizar times que venham a superar as suas formações do passado, nas quais craques de incontestável valor técnico, picardia, genialidade e arte faziam do futebol o esporte por excelência, e consequentemente levavam sua torcida desorganizada e desarmada a catarse ao vibrar com seus dribles e gols de placa. Para os passadistas como eu, é bom lembrar as grandes linhas de ataque do futebol de antes, e lamentar pelos mais jovens pois não tiveram a oportunidade de vê-las atuar. Ainda bem que graças a iniciativa do Governo de São Paulo foi criado o Museu do Futebol Brasileiro. E muito do material cinematográfico, fotográfico, radiofônico e escrito que documenta nossa história do futebol será restaurado e colocado à disposição do público.
Quem viveu à época não vai esquecer nunca dessas grandes linhas de ataque do nosso futebol, e pra começo de conversa iniciemos pelo grande Flamengo: Joel, Moacir, Henrique, Dida e Zagallo (1957); Fluminense: Telê, Léo, Valdo, Robson e Escurinho (1957); Vasco da Gama: Sabará, Almir, Vavá, Rubens e Pinga (1957); Botafogo: Garrincha, Didi, Paulinho, Quarentinha e Zagallo(1958); São Paulo: Maurinho, Amauri, Gino, Zizinho e Canhoteiro(1957); e o timão do SANTOS: Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe (1960); Corinthians: Cláudio, Luizinho, Índio, Rafael e Zague(1957). Dos times de Recife lembro-me das linhas de ataque do Santa Cruz: Lanzoninho, Rudimar, Faustino, Mituca e Jorginho; Náutico: Zezinho, Mozart, Edmur, Douglas e Elias; Sport: Traçaia, Naninho, Gringo, Soca e Géo. E os nossos grandes estrategistas: Fleitas Solich, Gradim, Flávio Costa, Zezé Moreira, Aymoré Moreira, Vicente Feola, Lula, João Saldanha, Gentil Cardoso, Oswaldo Brandão, o húngaro Bella Guttmann, entre outros. De quebra, lá se vai o elenco de craques do SÃO PAULO que ganhou o campeonato paulista do ano de 1957 ao derrotar o Corinthians por 3x1; sem o fator desequilíbrio Pelé, que não era considerado humano pelo seu companheiro de equipe Pepe, esse time nada ficaria a dever à gloriosa equipe do Santos. Vejam o timaço e confiram:
POY, DE SORDI E MAURO; DINO SANI, VITOR E RIBERTO; MAURINHO, AMAURI, GINO, ZIZINHO E CANHOTEIRO. Técnico: Bella Guttmann, a lenda húngara. Na fotografia acima, na decisão do título, Sarará foi escalado no lugar de Dino Sani.
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