quarta-feira, 2 de março de 2011

Artigos - UM NOVO ENSAISTA (Exercícios circunstanciais, livro de Pedro Vicente Costa Sobrinho) - Alberto da Cunha Melo



Exercícios Circunstanciais é provavelmente o mais representativo livro de Pedro Vicente Costa Sobrinho. Nele, o leitor encontrará um pouco de cada uma das faces de um dos seres mais poligonais que conheço, e o conheço desde a adolescência. É uma das raras personalidades de corte renascentista a resistir à coercitiva voragem da especialização empobrecedora dos tempos atuais. Sociólogo, político e crítico de arte dos mais sérios já nascidos em solo nordestino, só recentemente dispôs-se a registrar em livro seus ensaios, onde revela justamente aquilo que destaca em Marx: o rigor analítico de seu pensamento.

O primeiro estudo deste Exercícios Circunstanciais que trata das reflexões de Marx sobre o Estado, é de uma clareza e consistência próprias daqueles mestres – e ele é professor universitário – que amam distribuir generosamente o que sabem e é também a revelação do escritor, daquele que sabe escrever, algo que está rareando nos meios acadêmicos. Através de uma clara interpretação das idéias de Marx, ele com insistência nos lembra as intenções ocultas do Estado, quando este parece contrariar os interesses das elites dominantes, o que talvez esteja acontecendo atualmente em nosso país. Pedro Vicente não foge do universo cognitivo de Marx. No entanto, certamente não foi por acaso que escolheu este assunto para iniciar o seu livro. Com sua leitura, não só nos convencemos da extraordinária atualidade do pensamento marxista, como somos tentados a suspeitar, por exemplo, que o Plano Real, que até agora tem salvado o país de um processo inflacionário que expandia perigosamente as distâncias sociais, foi a saída maquiavélica do capitalismo brasileiro. Uma saída para evitar o cataclisma social e resguardar os próprios interesses das elites economicamente dominantes. Do jeito que ia, possuidores e despossuídos seriam arrastados para mesma vala.

Depois da exegese de Marx, Pedro Vicente nos presenteia com mais dois estudos importantes. Traça os perfis do processo revolucionário nicaragüense e do brasileiro Chico Mendes, neste incluindo um esclarecedor depoimento (não de deve esquecer que o autor passou vários anos no Acre). O crítico de idéias está presente com três resenhas e o crítico de cinema com vários artigos sobre filmes, reservando um lugar para pintura de Hélio Melo, um seringueiro que retrata o modo de vida nos seringais acreanos. Em todos estes textos, o louvor comedido e qualitativamente justificado.

Pedro Vicente Costa Sobrinho estaria completo neste livro se não faltasse uma de suas mais cativantes atuações, a de “agitador” cultural.Por onde passa, coloca toda sua densa experiência a serviço das artes e dos livros. No Rio Grande do Norte, como ontem no Acre, em São Paulo, em Pernambuco etc., seu espírito alegre e transbordando de energia está sempre levando adiante um projeto cultural. Numa entrevista para o jornal “O Galo”, de Natal, cheguei a chamá-lo de uma verdadeira “instituição cultural”.

Mas, é ao estudioso sério que quero dedicar estas últimas palavras. O Brasil já possui um novo ensaísta de peso. Deve urgentemente conhecê-lo.









Alberto da Cunha Melo – poeta, sociólogo e ensaísta – publicou entre outros livros YACALA; Oração pelo poema; Círculo cósmico; Publicação do corpo; Noticiário; Poemas à mão livre; Clau; Poemas anteriores; Um certo Louro do Pajeú; Um certo Jó Patriota; Dez poemas políticos; Marco Zero. O presente texto foi publicado no Jornal do Commercio, Recife, 25 de julho de 1998.



Nenhum comentário: