domingo, 24 de maio de 2009

ARTIGOS - O LIVRO - WALMIR AYALA

Walmir Ayala


Abrir um livro é como abrir um mundo. É como um tesouro, um tesouro que depende muito mais de quem lê do que de quem escreve. A atenção, o interesse, a capacidade de transformar e de associar, dentro de cada um, é que dão a energia de que o livro necessita para viver. Ele viverá através de quem lê, como um sopro invisível e essencial. Ele poderá ser seu melhor amigo, seu companheiro nesta aventura invejável de descobrir o mundo. Porque vocês, que leem, estão descobrindo o mundo como os antigos viajantes descobriam terras novas, e como os nossos astronautas de hoje exploram satélites e planetas.

Quando vocês encontram uma coisa ela já está denominada, mas vocês podem criar dentro dessa nomeação uma infinidade de relacionamentos que ficam sendo o alicerce de uma cultura pessoal. Os livros falam dos homens, das casas dos homens, das descobertas e das histórias de amor, da morte e do medo, das batalhas e dos sonhos. Nos livros você pode aprender a reconhecer e preservar a natureza. A olhar as coisas que passam ou pelas quais você passa. As folhas secas, um raio de sol, o reflexo de um vidro colorido no assoalho de uma sala vazia, o espaço. Tudo na vida é uma questão de espaço. Se você aprender a ocupar bem o seu espaço, seja ele qual for, você estará livre. Nestes encontros com a natureza, que o livro propicia, você vai encontrar os animais, os domésticos e os selvagens; vai ouvir histórias da vida natural, contadas pelos primitivos. Vai conhecer algumas histórias que nós mesmos inventamos, para imaginar o comportamento dessas figuras de um mundo cuja linguagem não conhecemos, e que por isso mesmo palpita num denso mistério.

O comportamento deles tem muito a ver conosco, naturalmente. É uma forma amena de falar de nós, através de suas peripécias de esperteza, prepotência, sonho, solidariedade etc. Como acontece em qualquer de nossos grupos humanos. Vamos analisar maneiras de viver, através de fábulas e exemplos fictícios. Vamos saber das primeiras máquinas, da participação criadora do homem neste acontecimento de progresso. Vamos saber de jogos e folguedos populares. Vamos rememorar brinquedos esquecidos e pesquisar os que dormem ansiosos no coração dos mais velhos. Vamos despertar a infância no que ela tem de inocência criadora e confiança permanente. Vamos seguir esta ronda de presença sensível no tempo que nos é dado. Com alegria e descontraimento, com fervor e consciência da nossa missão de inaugurar um novo tempo. Vamos ler poesia, palavras encadeadas musicalmente para refletir pensamentos muito raros e refinados.

Tudo isto está no livro. Observem alguém que se alfabetiza, como descobre as primeiras palavras escritas. A dificuldade vem iluminada de prazer. Cada Sílaba é como um vaso de barro caprichosamente torneado pelo oleiro. Depois vem a frase. Muitas frases. Até que o olho se habitua aos sons que as letras sugerem, e a assimilação vai sendo mais rápida. E os livros vão crescendo no nosso dia a dia. Vão sendo substituídos, o mais fácil pelo mais difícil. As mensagens vão crescendo no entendimento, vão servindo a apetências cada dia mais avançadas. Assim o livro permanece em nossa vida, é a possibilidade enorme de habitarmos todas as áreas do imenso mundo, sem sair da dimensão fisicamente restrita do nosso quarto.


Ayala, Walmir. O desenho da vida. Rio de Janeiro: Calibán, 2009.

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