Ashaninkas - Rio Amônia-Acre - Foto: Saulo Petean |
1978. No mês de março,
precisamenteno dia 28, eu cheguei ao Acre, recrutado pelo meu saudoso amigo Jaime
Ariston para assumir a Gerência de Bem Estar da Delegacia Executiva do SESC.
Jaime já estava no Acre há pouco mais de um ano como delegado do SESC e SENAC,
e, dentro das limitações de recursos do Departamento Nacional e da precariedade
das instalações do órgão em Rio Branco, vinha ora desenvolvendo política
bastante inovadora e até original, sobretudo na área da cultura. Entre suas
ações cabe destacar: cinema na comunidade; teatro de marionetes; ação conjunta
com o Cineclube Aquiry para exibição de cinema de arte; instalação de
biblioteca etc. Além disso, Jaime procurou manter extenso e, sobretudo,
instigante relacionamento com os
movimentos sociais, artistas locais e com as instituições ligadas às artes
em Rio Branco.
Logo que cheguei à Rio
Branco, Jaime me apresentou aos seus recentes amigos indigenistas que
trabalhavam na Ajudância da FUNAI no Acre: Antonio Pereira Neto (Toninho),José
Carlos Meirelles, Saulo Petean, Ronaldo, Macedo e outros. Pouco tempo depois,
na redação do Varadouro, eu vim a conhecer Terri, que não era da FUNAI, mas
estava umbilicalmente ligado aos índios do Acre, principalmente aos Kaxinawa.
Daí por diante, eu passei a visitar regularmente a Ajudância da FUNAI, na Franco Ribeiro, quase sempre nos dias que Toninho lá se
encontrava. Os outros indigenistas, quando voltavam dos postos da Funai, sempre iam ao SESC
e, não raras vezes, de lá saímos para bebericar num boteco que ficava na Av.
Brasil, que anos depois eu vim a me tornar seu dono, e que foi então batizado
por José Carlos Meirelles com o nome de Casarão; bar que fez história como espaço cultural de resistência à ditadura militar. A conversa era instigante e
durava horas e através delas pouco a pouco fui me inteirando sobre a questão
indígena no Acre. Ainda, vez por outra, Toninho animava esses encontros com a
sonoridade de seu violão, instrumento que tocava muito bem. Terri Aquino raramente se encontrava conosco
no boteco, e minha conversa com ele sempre acontecia na casa de Jaime onde ia
jogar xadrez, ou na sede do Varadouro, onde provisoriamente estava instalada a
Comissão Pró-índio.
José Carlos Meirelles |
Confesso que, ao chegar a Rio Branco, minha ignorância sobre a Amazônia, seus índios e quanto ao Acre,
particularmente, era sobejamente calamitosa. A bibliografia lida era quase
nada, estava restrita ao romance picaresco de Márcio Souza: Galvez, Imperador
do Acre; À margem da história, de Euclides da Cunha, e o mais recentemente
publicado, Amazônia: expansão do capitalismo, de Fernando Henrique Cardoso e
Geraldo Müller. Por Antonio Pereira Neto
(Toninho) fui levado a um quiosque de livros, que se dizia Livraria Cultural,
pertencente ao notável e saudoso Arthur Gerosch. Nessa pequena livraria instalada na
Avenida Ceará eu me abasteci de publicações essenciais sobre o Acre: Plácido de
Castro, um caudilho contra o imperialismo, Cláudio de Araújo Lima; A conquista
do Deserto Ocidental: subsídios para a História do território do Acre, João
Craveiro Costa; A formação histórica do Acre, Leandro Tocantins. Além desses
títulos comprei os romances “A Selva”, de Ferreira de Castro, Coronel de
Barranco, de Cláudio Araújo Lima, e Maira de Darcy Ribeiro. Por sugestão de
Toninho, eu ainda adquiri “Os índios e a Civilização”, de Darcy Ribeiro, Amazônia,
a ilusão de um paraíso, de Betty J. Meggers e, salvo engano, Índios do Brasil,
de Júlio Cezar Melatti. Carga de leitura, contudo, nem tanto pesada, mas para
dar conta em pouco tempo, pois a ansiedade em vencer a ignorância que me deprimia,
levou-me a por mãos a obra para superar o quanto antes o atraso.
Toninho ainda me deu acesso
a alguns relatórios de campo da FUNAI, que tratavam de questões diversas,
inclusive as relacionadas com a demarcação de terras indígenas no Acre. A
partir da leitura desses relatórios tornei-me um admirador do trabalho do
indigenista José Porfírio de Carvalho, pelo papel que ele desempenhou, enquanto
chefiava a Ajudância da FUNAI, na defesa intransigente dos direitos legítimos dos
índios do Acre. O jornal Varadouro, por sua vez, também me ajudou bastante para que eu viesse a entender melhor o assunto, pois em suas
páginas sempre havia matérias que tratavam da questão do índio no estado.
No mês de abril, sugeri a
Jaime que o SESC deveria tomar a iniciativa de organizar a Semana do Índio. Era
muito pouco o tempo pra realizar o evento, mas Jaime sempre topava desafios e
me autorizou a fazer os contatos e mobilizar o nosso pessoal. Com a ajuda da
FUNAI, Prelazia, Varadouro, Departamento de Atividades Culturais (DAC) e
Comissão Pró-Índio a coisa aconteceu, e foi de bom tamanho, superando inclusive
nossas expectativas. Fizemos uma boa exposição de arte, artesanato e fotografias;
o fundo musical feito com músicas de rituais de índios do Acre, e peças
originadas do folclore indígena boliviano, e, sobretudo, contou-se com a
presença de índios das várias populações que habitam o Acre.
Não conseguimos realizar palestras, mesas ou
debates sobre a questão indígena no Acre, mas as visitas programada de alunos
da rede estadual pública de ensino e dos colégios sob a orientação da Igreja Católica foi o ponto alto
do evento, pois chamou a atenção dos jovens para os índios, que até 1975 eram
tidos como aculturados e não tinham sua existência reconhecida até então de
direito pela FUNAI, órgão estatal responsável pela proteção ao índio brasileiro,
haja vista o que mencionou Terri Vale de Aquino ao se referir que: “Esse órgão
nunca havia atuado na região e mesmo desconhecia dados mais atuais da situação
das populações indígenas dos vales dos rios Purus e Juruá. Não existia uma
única reserva e nem mesmo posto indígena foi instalado durante quase um século
de contato entre os diversos grupos Pano e Aruak e a sociedade nacional”. Cabe
realçar que somente em 1976 a FUNAI instalou precariamente sua Ajudância em Rio
Branco; isso, sobretudo, graças à ação do governador Geraldo Mesquita, que
desde 1975 vinha chamando a atenção do órgão para a situação de abandono e
falta de defesa das populações indígenas diante da grilagem e avassaladora
bovinização de suas terras pelas grandes fazendas que ora estavam se instalando
no estado.
Elson Martins da Silveira |
Daí por diante meus contatos
com indigenistas da FUNAI, coordenadoria
da Comissão Indigenista Missionária (CIMI), pessoal do jornal Varadouro, integrantes da Comissão Pró-índio e
lideranças indígenas foram cada vez mais se tornando mais próximos, e com
alguns deles fiz relações de amizade que até hoje resistem a voracidade e ao
desgaste do tempo. E quando assumi o cargo de delegado executivo do SESC e
SENAC por indicação de meu amigo Jaime Ariston, que ora estava de volta ao
Departamento Nacional no Rio, eu então procurei não só ampliar esses laços informais,
mas também criar relações de cooperação
ao nível institucional. Na biblioteca do SESC, organizou-se um bom material
sobre índios: livros e até cópias xerográficas de relatórios de indigenistas
sobre índios do Acre. Nas atividades culturais do SESC os índios passaram a ter
acesso sem o uso de carteira e isentos da cobrança de qualquer taxa. Muito
deles foram assíduos frequentadores do Forró do SESC, nas noites de sábados.
Cabe realçar que durante os
anos de 1981 e 1982, as minhas relações pessoais com a Ajudância da FUNAI
azedaram, mas as institucionais foram mantidas, mesmo com algumas limitações.
Logo após o afastamento de Toninho da direção da Ajudância, quase todos os meus
amigos indigenistas que nela trabalhavam foram demitidos. Os substitutos de
Toninho na chefia do órgão ou eram incompetentes ou policiais travestidos de
indigenistas, entre eles merece destaque um tal Benamour Brandão, que segundo o
jornal Varadouro se intitulava “major” e era de fato dedo-duro.
Em 1980, salvo engano, eu me
reuni com Elson Martins e Terri Vale de Aquino na sede do jornal Varadouro; nesse
encontro eles me convidaram para assumir a coordenação da Comissão Pró-índio.
Apesar de me encontrar muito ocupado, diante dos argumentos desses amigos eu
cedi e aceitei o encargo. De imediato tomei algumas providências, inclusive
adquiri por doação de comerciantes com quem tinha amizade algum mobiliário para
equipar a CPI. A minha gestão durou pouco, pois alguns antigos integrantes da
CPI não ficaram satisfeitos com minha
indicação feitas por Elson e Terri e
protestaram. Eu disse aos amigos, Elson e Terri, com ênfase e clareza que
não era inerente a minha vocação disputar cargo, principalmente na comissão,
pois ele já era pequena, e dividida então não era nada; ainda mais, essas
pessoas que se opuseram certamente eram mais importantes que eu, não somente
pelo tempo em que estavam ligados a CPI, mas pela militância efetiva e
comprovada à causa da defesa dos índios do Acre, e eu era, com certeza,,
cristão novo, e, portanto, a elas eu
dava toda razão. Coube-me, então, bater em retirada, sem criar arestas e manter
o apoio a CPI e, graças a essa atitude, eu preservei a amizade com todos seus
integrantes.
Em 1981, quando me associei
com Elson para instalar o bar Casarão, na Avenida Brasil, ele e eu tomamos a
decisão de ceder mediante aluguel meramente simbólico uma das salas para sediar
a Comissão Pró-índio do Acre. Quando eu vendi o bar, ao novo proprietário eu
fiz questão de assegurar a permanência da CPI na sala que ocupava, até porque o
contrato do prédio continuava em meu nome por mais dois anos, e nele eu ainda
mantive, de minha propriedade, a
livraria Casarão.
Em 1982, eu insisti com
Terri Aquino pra que publicasse sua dissertação de mestrado feita na
Universidade Nacional de Brasília, pois esse material era de fundamental
importância para a cultura indígena no Acre, por se tratar do primeiro trabalho
científico sobre os índios e, sobretudo, por ser realizado com um olhar
comprometido com a defesa dos seus interesses.
Ele me disse que não tinha condições de bancar o custo, e me perguntou
se eu não podia fazer a edição pelo SESC.
Pouco depois, eu recebi a visita de um grupo de alunos e professores de escolas de
Rio Branco, que vieram até o SESC para sugerir a publicação da dissertação de Terri. Avaliei
criteriosamente a possibilidade de editar o livro pelo SESC, mas, a meu ver,
seria muito complicado, pois burocracia do DN certamente criaria dificuldades para
que o livro fosse editado com a chancela oficial do órgão. Voltei, juntamente
com Miguel Ortiz, a conversar com Terri, e acertamos que o SESC informalmente contribuiria
com a edição do livro, ficando responsável pelos custos do trabalho de
datilografia, estênceis eletrônicos e gravação, papel e impressão em
mimeografo. De sua parte, Terri conseguiu com Elias Mansour, Chefe da Casa
Civil do Governo do Acre, a impressão da capa e o acabamento numa gráfica
local. A tiragem foi de 200 exemplares e, como ficou acertado, não fizemos
menção na capa ou folha de rosto ao SESC, contudo, Terri, por ato falho, no
prefácio se referiu ao tal apoio. Assim o livro: Índios Caxinauá: de
seringueiro “caboclo” a peão “acreano”, veio a ser editado, suprindo, portanto,
essa lamentável lacuna na bibliografia sobre o Acre e seus índios. Guardo com
muito carinho este livro pioneiro, e me envaideço com a dedicatória que a Ana e
a mim o autor fez: “Para Pedro Vicente e Ana Maria pela força que vocês têm
dado, seja no SESC ou nos jornais locais, em defesa dos índios do Acre”
(10/06/1982). E ainda, “Muito obrigado pela força na publicação desse livro”. A
edição logo se esgotou. Ao voltar ao Acre em 2008 elaborei projeto para
formação de Biblioteca Básica Acreana, e indiquei a imprescindível reedição do
livro de Terri.
Terri Vale de Aquino: Txai Terri |
Um fato que não esqueci,
está relacionado com o movimento de apoio aos Apurinã de Boca do Acre., que se
encontravam ameaçados de expulsão de suas terras pela ação do grileiro João Sorbille, o famoso “cabeça
branca”. Este personagem asqueroso tinha adquirido uma fazenda de cinco mil
hectares e havia esticado seus domínios para 300 mil. O pessoal que fazia
teatro em Rio Branco pediu o apoio do SESC para montagem de espetáculo sob o
título “A Grilagem do Cabeça”, que seria lançado no Teatro de Arena, e daí
então seria encenado em escolas de Rio Branco, inclusive podendo ir pro
interior do estado. Apoiei a iniciativa e, através do DN, também foi possível
que o grupo responsável pela encenação fosse até Manaus apresentar a peça no
Teatro do SESC do Amazonas.
Ao sair do SESC em 1982, eu
moderei as minhas atividades políticas, e passei então a me dedicar quase
integralmente às aulas na UFAC e a minha formação acadêmica. Voltei a mexer com
documentos indígenas quando na PUC, em São Paulo quando fiz contatos com Betty Mindlin
e Carmem Junqueira; elas estavam ora
envolvidas com assessoria ao Banco Mundial, num projeto de avaliação de impacto
com relação as populações índias que se localizavam próximas ao curso da rodovia BR364, cujo asfaltamento dependia da cessão de
recursos daquela instituição financeira. A coisa era simples, elas queriam
cópia de relatório sobre os índios Kaxararí, e eu tinha comigo e então
repassei.
Em 1985, quando eu me
encontrava envolvido com as eleições municipais, por ser ora candidato pelo
Partido Comunista Brasileiro ao cargo de prefeito de Rio Branco, fiquei feliz
com a visita não esperada de Carmem Junqueira e Toninho, na casa de Vicente
Cerqueira onde estava hospedado. Toninho, salvo engano, havia voltado pra FUNAI,
e assumira, ora, o cargo de delegado da então
14ª Delegacia do órgão no Acre.
Carmem cumpria mais uma de suas visitas regulares à área em decorrência da
assessoria que vinha prestando ao Banco Mundial. Em 2005, precisamente no mês
de outubro, eu soube que meu amigo Toninho viera a falecer em Belém, vitimado
por ataque cardíaco fulminante.
Carmem Junqueira - antropóloga |
Em 1990, quando finalizava
coleta de material para estudo sobre sindicatos no município de Feijó, no hotel
em que me hospedei, eu reencontrei um amigo índio, se não me esqueci do
aldeamento de Morada Nova, que fazia curso de formação de professor em língua
portuguesa. A conversa foi longa, e ele então me pediu que, se possível, eu
comprasse em Rio Branco uma boa gramática de português. Nada a obstar, pois
logo que eu me encontre em Rio Branco eu te mando a encomenda. Demorei um pouco
a enviar o livro por não encontrar nas livrarias de Rio Branco, e até porque eu
queria mandar pra ele a Nova Gramática do Português contemporâneo, de Celso
Cunha e Lindley Cintra, cuja 2ª edição, havia recentemente saído. Comprei a tal
gramática em São Paulo e postei a encomenda pelo Correio no endereço que meu
amigo índio havia me passado, e ele, logo que recebeu o livro, através de
Forneck, coordenador do CIMI, mandou me agradecer pela prenda e também me dar o
seguinte recado: “que ele sentira firmeza na minha promessa e, portanto, tinha
certeza de que eu cumpriria o compromisso assumido”.
Em 1996, ao reler todas as
edições do jornal Varadouro e do Boletim Nós Irmãos tendo em vista a minha tese
de doutoramento na USP, eu me deparei com extenso material sobre a questão
indígena publicado nas páginas desses valorosos veículos da imprensa
alternativa do Acre. Nessa leitura eu revisitei muitos amigos e conhecidos que
eu convivi e admirava pelo sua coragem e empenho na defesa dos índios nesses
anos de temor e tremor passados no Acre. Entre os amigos e pessoas de cujos
nomes não me esqueci, destaco: Terri Vale de Aquino, José Carlos Meirelles,
Padre Paulino Baldassari, Forneck Elson Martins, Ronaldo, Saulo
Petean, Antonio Pereira Neto, Concita Maia, Keilah Diniz Djacira Oliveira (Dedê)
e Macedo; através deles eu também vim a conhecer e me relacionar com Apoena
Meireles, Edilson Martins, João Pacheco, Mary Alegretti e Alfredo Wagner. Das
lideranças indígenas lembro-me ainda de Alfredo Sueiro, Manuel Apurinã, Getulio Sales, Vicente Sabóia, José Correia e
José Orias.
Alfredo Wagner |
Nesse mesmo tempo, ao reler
o Varadouro eu me lembrei do índio Ashninka, antes Campa, de nome Turiano que
eu conheci em Rio Branco quando estava no SESC. Turiano havia viajado léguas à
procura de “patrão bom”.
O Ashaninka Turiano e sua joven esposa |
Voltei ao Acre em 2008 e lá
fique por mais três anos. Tive a oportunidade de reencontrar alguns amigos
indigenistas, que haviam voltado a se reintegrar a FUNAI após o fim da ditadura
militar, e que haviam resistido também aos entreveros, corrupção no órgão, e
instabilidade da política indigenista praticada pelos governos “democráticos”
que aos militares sucederam. A Comissão Pró-Índio, graças aos projetos de
Terri, já havia adquirido um bom imóvel na Rua Pernambuco para sua sede
própria. Afora os índios isolados que se negam ao contato com o mundo dos
“civilizados”, as populações indígenas do Acre agora se encontram devidamente mapeadas
e, suponho, com suas terras já devidamente demarcadas: Madija ou Kulina,
Manchineri, Nukini, Poyanawa, Yawanawa, Shanenawa, Arara/ Katukina, Nawá,
Jeminawa/Arara, Ashaninka, Kaxinawa, Jaminawa e Apolima/Arara. Por sua vez, com
os Apurinã e Kaxarari que estão tão próximos, eu creio que o mesmo tenha
ocorrido.
Comissão Pró-Índio - Agentes Florestais Indígenas |
Há muito tempo, eu já considerava
as lideranças e o movimento dos índios do Acre bastante diferenciados de outros
líderes e movimentos indígenas do resto do país. Os líderes indígenas do Acre
eram muito conscientes na defesa dos seus interesses e conseguiam verbalizar
com clareza o que queriam e o que não queriam; tudo feito com seriedade, sem
macaquices e sem, certamente, atrair aquele riso irônico do público dito
“letrado” da classe média brasileira. Confirmo isso quase trintas anos depois
em reuniões políticas que participei e em que se encontravam presentes
lideranças indígenas e as chamadas elites acreanas. O desempenho dos índios era
bem melhor que o discurso rasteiro, sem idéias e ofensivo à língua portuguesa
dos demais presentes.
De outra vez, na
Universidade Federal do Acre, ao participar de mesa num seminário de extensão,
presenciei, sem sentir nenhum remorso, o massacre de uma astuciosa
representante do MEC, promovido pelas lideranças indígenas. A professora viera ao seminário defender a
política de quotas para negros, digo afrobrasilerios, estudantes da escola
pública e índios na Universidade pública. A esperta docente pensava que os
índios do Acre eram massa de manobra e se embananou, pois as lideranças
indígenas unanimemente rejeitaram a proposta, e alegaram que não queriam ser
cidadão de segunda classe, e pretendiam entrar na Universidade por mérito e
pela porta da frente com a cabeça erguida, e para isso eles reivindicavam
escola pública de ensino fundamental e colegial de qualidade, na aldeia e fora
dela. A infeliz da oradora oficial ficou ainda mais acuada e sem argumentos,
quando os índios perguntaram-lhe se tinha filhos e se era na escola pública que
eles estudavam? Na minha condição de opositor de quase tudo que vier do multiculturalismo e da ação
“politicamente correta”, inclusive leis e justiça de exceção, sistema de quotas
etc., eu só podia ficar muito feliz com a posição então externada pelas lideranças
indígenas. Ave os índios do Acre!
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