Lenine discursa na assembléia dos sovietes, no Smolni |
Algumas palavras à guisa de esclarecimento
Sempre que assisto ao belíssimo filme de Denys Arcand: “As invasões bárbaras”, no qual Rémy, personagem central da trama, revela de modo contundente toda sua desilusão com as revoluções comunistas e confessa sua renúncia aos valores que cultivou com relação ao socialismo real, lembro-me que eu também, durante mais de quarenta anos, cultivei as mesmas convicções e certezas.
De minha parte, porém, mais um agravante a ser considerado: eu havia estudado e morado durante quase dois anos em Moscou, a capital do império. E mais, no convívio e guiado por uma amiga quase dissidente, eu tive a rara oportunidade de observar o avesso da propaganda oficial soviética sobre a liberdade, a justiça e a economia estatal.
Mas a boa fé, certificada pela convicção de que tudo era uma questão de ajustes de rumos, fez-me permanecer por muitos anos na cegueira. O Gulag, os crimes de Stálin e a matança da revolução cultural maoísta eram males menores, pois o futuro apontava na direção da conquista da utopia: o reino da igualdade, fraternidade, paz e liberdade. Tudo isso pode ser encontrado no artigo-louvação que publiquei no jornal “Folha do Acre”, em 1985, quando da comemoração dos 68 anos da revolução de outubro.
De modo algum renegarei no essencial aos comentários que no texto fiz da revolução de outubro; nem sequer as minhas convicções com relação ao capitalismo; nem minha adesão até hoje ao socialismo. E o resto, são folhas mortas. Vejamos então o tal artigo.
Chegada de Lenine a San Petersburgo, em 1917 |
O desencadeamento da primeira grande guerra, envolvendo, no início, de um lado Inglaterra, França e Rússia e do outro a Itália, Áustria e Alemanha, marcou nitidamente a divisão no seio do movimento socialista internacional. A ala denominada internacionalista, identificada como à esquerda da social-democracia, assumiu posição contrária ao conflito entre as nações, denunciando seu caráter imperialista e de guerra de rapinagem e, sobretudo, anti-operária. A outra ala, que constituía a maioria da social-democracia européia, assumiu posição considerada “patrioteira”, votou os créditos de guerra e apoiou as iniciativas bélicas dos governos de seus respectivos países.
Lênin, líder bolchevique, partido revolucionário russo, denunciou de imediato a natureza real da guerra, e fustigou a social-democracia por sua posição de recuo e traição diante das classes dominantes dos seus países. Os bolcheviques lançaram-se à propaganda contra a guerra no parlamento e nas fábricas. Seus deputados votaram contra os créditos de guerra solicitados pelo governo russo. Em conseqüência de suas posições diante do conflito, deputados e líderes bolcheviques foram presos e condenados ao degredo na Sibéria. Para Lênin, a palavra de ordem correta que atendia efetivamente os anseios do povo era: “Transformar esta guerra imperialista numa guerra civil”.
O desastre das tropas russas na frente de batalha, principalmente as derrotas sofridas durante o inverno de 1915-1916, nas quais o exército tzarista perdeu a metade dos seus efetivos, aceleraram a crise do velho regime. O Governo autocrático e reacionário do tzar Nicolau II mostrou-se incapaz de responder aos novos acontecimentos. A economia não funcionava. A inflação elevou-se assustadoramente. A miséria generalizou-se. Formou-se um vazio no poder.
A burguesia russa ciente do desastre que poderia advir começou timidamente a tomar iniciativas. Era necessário mudar. No entanto, os anseios de mudança dos burgueses poderiam muito bem muito bem ser expressos nas palavras de Tancredi, personagem de Lampeduza, no seu livro “O Leopardo”, “... Para que tudo fique como está é preciso que tudo mude”. A revolução seria de “palácio”, longe do povo. O levante popular com a participação efetiva das massas poderia, por sua vez, levar o movimento a descambar para caminhos desconhecidos. A esquerda ilegal poderia aproveitar-se da situação, mudando o rumo dos acontecimentos.
Stalin, Lenine e Kalinin |
Fevereiro de 1917 iniciou quente apesar do inverno russo. Multidões de trabalhadores agrupavam-se em longas filas na cidade de Petrogrado em busca de alimentos, pois um forte racionamento havia sido imposto pelo governo. No dia 23 de fevereiro, milhares de pessoas foram às ruas protestar contra a situação. No dia seguinte, todas as fábricas entraram em greve. As manifestações de desagrado com o regime se ampliaram.
No dia 26, recebendo ordem de conter os protestos de rua, as forças militares atiraram contra o povo, deixando nas ruas mais de quarenta mortos. A chacina repercutiu nos quartéis. Soldados amotinaram-se contra a oficialidade, aprisionando-a nos quartéis. No dia 27 de fevereiro, operários e soldados confraternizaram-se nas ruas e formaram um cortejo que marchou em direção ao Palácio de Inverno. A queda da autocracia fora consumada. Daí por diante, com a criação dos sovietes de operários, camponeses e soldados nascera um sistema dual de poder. De um lado o Governo Provisório Burguês; de outro, o poder real das massas, o soviete.
No dia 26, recebendo ordem de conter os protestos de rua, as forças militares atiraram contra o povo, deixando nas ruas mais de quarenta mortos. A chacina repercutiu nos quartéis. Soldados amotinaram-se contra a oficialidade, aprisionando-a nos quartéis. No dia 27 de fevereiro, operários e soldados confraternizaram-se nas ruas e formaram um cortejo que marchou em direção ao Palácio de Inverno. A queda da autocracia fora consumada. Daí por diante, com a criação dos sovietes de operários, camponeses e soldados nascera um sistema dual de poder. De um lado o Governo Provisório Burguês; de outro, o poder real das massas, o soviete.
Em abril, Lênin retornou à Rússia. Ele expôs e defendeu na direção central do partido bolchevique as suas famosas Teses de Abril. As teses de Lênin tinham como pontos fundamentais a necessidade de passagem de todo poder político aos sovietes de operários, assalariados agrícolas, camponeses e soldados; nacionalização de todas as terras do país, pondo-as à disposição dos sovietes locais; a necessidade de acabar com a guerra e firmar acordos de paz, repudiando todavia qualquer tentativa de conquista e anexação.
Os bolcheviques pouco a pouco foram conquistando as massas para as suas posições. Em julho, grandes manifestações populares tiveram lugar nas ruas de Petrogrado. Os bolcheviques foram acusados de incitar a população contra os sovietes e o Governo, e conseqüentemente foram postos na ilegalidade, e alguns dos seus líderes foram presos. Desta feita, Lênin teve de fugir para Finlândia. O exílio, no entanto, durou pouco. Em setembro, analisando as condições do país, Lênin dirigiu carta aos seus companheiros, concitando-os a tomarem o poder. Daí por diante, o seu trabalho foi de convencimento aos seus camaradas bolcheviques quanto à necessidade de preparar a insurreição. A 7 de outubro voltou a Petrogrado. No dia 10 numa reunião secreta do Comitê Central do Partido, Lênin conseguiu a aprovação de suas teses por dez votos contra dois. Os preparativos para o desfecho da revolução foram sendo encaminhados. No dia 24 de outubro, toda a cidade já se encontrava nas mãos dos insurgentes. No dia seguinte, o Comitê Militar Revolucionário de Petrogrado anunciou a vitória da Revolução. O Governo Provisório havia sido derrubado.
Operários armados atacam o Palácio de Inverno - sede do Governo |
O segundo Congresso dos Soviets se reuniu e elegeu sua nova direção. Desta nova direção fizeram parte Lênin, Trotski e Zinoviev; ao todo 14 bolcheviques, a maioria do diretório. Nas dependências do Instituto Smolni, instalou-se o Governo Soviético. Lênin anunciou as primeiras medidas: proposta de paz imediata a todas as nações beligerantes; entrega da terra aos camponeses; controle operário de toda a produção e distribuição de bens e o controle estatal das instituições bancárias. Em seguida, outras medidas de larga repercussão foram sendo tomadas, tais como a abolição de todas as desigualdades de classe, sexo, nacionalidade ou credo religioso, nacionalização dos bancos e das estradas de ferro, entre outras.
Marcha revolucionária dos operários russos - 1917 |
A consolidação do poder foi muito difícil. A revolução, que fora relativamente fácil, sem quase derramamento de sangue, teve que enfrentar três anos de sangrenta guerra civil. A reação interna, contando com o apoio das potências estrangeiras, desfechou uma guerra civil que ceifou milhões de vidas russas e de outras nacionalidades. Exércitos da França, Inglaterra, Estados Unidos e Japão desembarcaram no solo russo para ajudar a derrubar o governo socialista. Os bolcheviques e o povo russo expulsaram os invasores, venceram a reação interna e deram início à construção da primeira sociedade socialista no mundo. O poder operário deu provas da sua fecundidade e permanência. A sociedade capitalista começara a sua grande derrocada.
Primeiro Aniversário da revolução russa - Lenine discursa |
A revolução Socialista completou 68 anos hoje, 7 de novembro. O mundo socialista após a queda do nazismo constituiu-se num sistema mundial. Revoluções proletárias aconteceram em vários países da Europa e na grande nação chinesa. Na América Latina, Cuba marchou firme em suas conquistas sociais. Na África, Angola Moçambique, Etiópia, Guiné, Congo e outras nações fizeram opção pelo caminho socialista. As conquistas do socialismo não podem mais ser escondidas pelo mundo capitalista. E diante das nações e povos do mundo um grande problema está posto: a luta pela paz, constantemente ameaçada pelo imperialismo e a reação mundial.
Primeiros anos da revolução russa de 1917 - Desfile na Praça Vermelha |
Os povos e nações socialistas estão conscientes de suas responsabilidades. A cada cidadão do mundo, portanto, compete lutar pela preservação da humanidade colocando-se contra a histeria armamentista orquestrada pelo presidente Reagan. A revolução de outubro abriu o caminho para a revolução mundial, e consequentemente para a conquista real da igualdade entre os povos.
Versão modificada de artigo publicado no jornal Folha do Acre. Rio Branco (AC).
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