sábado, 26 de setembro de 2009

ARTIGO - PREFÁCIO AO LIVRO "TRILHAS URBANAS: NO REFLEXO DO ESPELHO" - Pedro Vicente Costa Sobrinho

Francisco Dandão, eu conheço, sem dúvida, há mais de vinte anos. Desde idos de l980, em sala de aula na UFAC, cursando disciplina que orientei: Cultura brasileira. Lembro-me, também, que logo me apercebi da qualidade literária do seu texto, pois ao redigir o mais simples trabalho, decorrente da mais corriqueira exigência curricular, revelava nele a presença de estilo que denunciava o escritor.

Até aí, não conhecia Dandão, enquanto poeta e contista já lastreado em livro. E então, um outro Francisco: Ferreira de Lima, fez-me aproximar de sua prosa e verso, sugerindo-me a leitura do seu recém-editado livro: Os anônimos, misto de poemas e contos. Li e gostei.

Da poesia de Dandão, não me atrevo a emitir juízo crítico, pois, apesar de me considerar bom leitor, eu acho que é assunto para especialistas da crítica literária. No que diz respeito aos contos, eu confesso que me causou espanto. Esses contos continham uma forma de narrar inovadora que certamente viria a ser o balizador de novos caminhos para a prosa de ficção no Acre. De sua obra de estréia, Laélia Maria Rodrigues da Silva, em seu já clássico livro “Acre: prosa & poesia (1900-1990)”, disse: “... demonstra uma possibilidade real de consolidação da expressão literária acreana pela apropriação dos motivos da cultura local sem a restrição da paisagem geográfica. Sua linguagem, ao se transfigurar em imagens reveladoras, decifra traços da cultura local que pertencem ao universo mais amplo de uma determinada civilização à qual o escritor está vinculado.”

Depois de “Os anônimos”, livro que expôs seu autor diante do público e da crítica especializada, Francisco Dandão acenou seu adeus à poesia, salvo engano, e dedicou-se exclusivamente ao vagar e prosear nas veredas da ficção. A crônica, por sua vez, foi a forma de narrativa sobejamente escolhida. São provas mais que reveladoras dessa escolha os livros depois publicados: “A arte do chute na rede do improvável”, e “Verdades absolutas e outras mentiras”.

Sem nenhuma pretensão de desvio de rota, assumo a ousadia de tratar de assunto de certo modo marginal ao que se propõe o presente texto. Refiro-me ao fato de que, salvo engano, até a década de l980, a crônica foi tratada com certo menosprezo pela crítica universitária: quer por ser destinada ao consumo jornalístico, quer por ser, até então, considerada como forma de narrativa menor. O assunto, no entanto, veio a ser pouco depois motivo de preocupação e estudo acadêmico. A intervenção qualificada do mestre Antonio Candido a respeito do assunto, com seu artigo “A vida ao rés-do-chão”, teve o mérito de contribuir para repor as coisas no seu devido lugar.

A crônica, modalidade da narrativa literária de larga tradição no país, teve, no oitocentos, entre os cultivadores mais destacados, os mestres José de Alencar, Machado de Assis, Olavo Bilac, entre outros. Com João do Rio, e, modernamente, com escritores do porte de José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Nelson Rodrigues, Gustavo Corção, Paulo Mendes Campos, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Fernando Sabino, Carlos Heitor Cony, Otto Lara Rezende, Vicente Serejo e, especialmente, com Rubem Braga, veio a alcançar a posição e a credencial de forma literária acima de qualquer suspeita.

A prosa literária sob a forma de crônica, apesar de não ter merecido registro, pelo menos até a terceira edição de l981, no consagrado livro de Alfredo Bosi: História concisa da literatura brasileira, Editora Cultrix, veio a colher, por sua vez, menção especial no capítulo 14, no subtítulo denominado “As escolhas da prosa literária brasileira: romance, conto, “novela”, crônica, memórias”, do livro: História da literatura brasileira, de autoria da italiana Luciana Stegagno Picchio, primeira edição, l997, Editora Nova Aguilar. E ainda, muitas teses e dissertações foram escritas e publicadas sobre a crônica como modalidade narrativa; dentre elas destaco, porque a li já sob a forma de livro, a tese do poeta e ensaísta Wellington Pereira.

Dandão, em suas crônicas sobre o mundo do esporte, não está solitário no Acre. Outro acriano, Armando Nogueira, segundo referências do ouvi dizer, exerceu a arte da crônica com mestria, destacando-se no jornalismo esportivo diário carioca. Mas, é bom realçar que Dandão está além daquilo que bisonhamente se designa como crônica esportiva. Ele constrói seu texto com raro senso de humor, ironia, picardia e conhecimento de causa. O futebol e o universo dos seus personagens: protagonistas e público têm, nele, um observador privilegiado que através de sua narrativa faz o registro de ocorrências e fatos do cotidiano, momentos de tristeza, alegria, ansiedade, dúvidas, astúcias e espertezas inerentes à prática desportiva, aqui e alhures.

Mais e além do convencional que caracteriza o gênero é o que Dandão nos dá neste seu belo livro agora publicado: Trilhas urbanas no reflexo do espelho, motivo que ensejou este prefácio. Deste livro fazem parte cinqüenta e duas crônicas. Cerca da metade se refere como tema ao futebol, e a outra metade, que ele próprio denominou de politemáticas, trata de assuntos relacionados com a condição humana. Por maior simplicidade que aparente o fato narrado, nele está contido toda a complexidade da existência humana, perpassada de virtudes e defeitos, liberdade e opressão, grandezas e miséria, sonhos e pesadelos.



Pedro Vicente Costa Sobrinho - Prefácio ao livro de Francisco Dandão

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