quinta-feira, 29 de outubro de 2009

ARTIGOS - SÚMULAS DE MEMÓRIAS: JOSUÉ DE CASTRO - PEDRO VICENTE COSTA SOBRINHO

      
A leitura que eu costumo fazer regularmente do site da Biblioteca da Amazônia evitou que eu viesse a cometer um ato involuntário de ingratidão com o cientista e intelectual fundador Josué de Castro, esquecendo-me que precisamente neste ano de 2008 comemora-se o centenário do seu nascimento. Meu amigo Élson Martins, que edita sabiamente o referido site, reproduziu oportunamente o vídeo que continha parte da reportagem, publicada no caderno especial do pernambucano Jornal do Commércio, sobre a fome no Nordeste. A reportagem revelou a persistência ainda do fenômeno da fome e a decorrente subnutrição notória de certa população que habita os confins do país, e destacou a atualidade da obra de Josué de Castro e também da denúncia que nela está contida.

A obra de Josué teve importância fundamental para toda uma geração que na década de 1960 havia despertado para os grandes problemas nacionais, entre eles com maior destaque: o fenômeno da fome que grassava em milhões de lares de brasileiros, no campo e nas cidades do país. Daí os meus primeiros contatos com a obra de Josué.

Em 1962, salvo levíssimo erro, Fernando, um amigo de infância, à época operário gráfico que trabalhava numa Tipografia de Recife, vinha insistindo comigo para ler a obra de Josué. Para iniciar, emprestou-me seu exemplar de “O livro negro da fome". Mesmo sendo um pobre, a minha pobreza no entanto estava longe de ser comparada com a miséria daquelas populações que Josué colocara em suas páginas. O livro causou-me profunda impressão e revolta. Através de Fernando soube ainda que Josué era deputado federal, e que havia proferido recentemente conferência no Teatro Santa Isabel, dentro das atividades preparatórias para o Congresso Internacional de Solidariedade a Cuba, pois a ilha revolucionária estava naquele momento ameaçada de nova invasão por tropas norte-americanas. Josué, segundo Fernando, havia cativado o público que lotou o teatro com um discurso de mais de três horas, intitulado: “Cuba não está só”.

Após o golpe militar de 1964, Josué que era embaixador do Brasil na ONU demitiu-se do cargo, teve seus direitos políticos cassados e foi obrigado a exilar-se na França. Eu também tive que sair de Recife e esconder-me no Rio Grande do Norte. Já morando em Natal, creio que em 1965, li o seu livro Geografia da Fome. Daí por diante suas obras passaram regularmente a fazer parte do meu universo de leituras.

Quando de sua morte, no ano de 1973, os estudantes da Faculdade de Sociologia e Política, da Fundação José Augusto, salvo engano, prestaram-lhe justa homenagem ao dar seu nome ao Diretório Acadêmico do curso. Hoje pode ser considerado um fato de menor significado político, mas durante os anos de chumbo da ditadura militar até que não foi moleza. De minha parte, eu tive a ousadia de presidir o Diretório Acadêmico Josué de Castro durante os anos de 1974/1975, período de transição do ditador Garrastazu Médici para o general Ernesto Geisel. Nesses anos foram assassinados nos cárceres do DOI-CODI vários integrantes do Comitê Central do PCB, o jornalista Vladimir Herzog, o operário Manoel Fiel, entre outros. Os torturadores contumazes ainda estavam em plena evidência, pois tinham a certeza da impunidade dos seus atos contra suas vítimas indefesas. A tal Lei da anistia e a transição conservadora com o Governo Sarney deram-lhes o estatuto de heróicos defensores da ordem ditatorial inconstituida.

Em 2001, organizei, conjuntamente com Nelson Patriota, o livro Vozes do Nordeste. Nele incluí Josué de Castro, como uma das vozes mais representativas da produção científica e intelectual do Brasil. Era o Nordeste falando para o mundo. O livro que organizei e editei, pois era diretor da Editora da UFRN, era portador de certo desabafo contra um outro livro, que tivera em suas páginas a ousadia de omitir nomes de nordestinos que, sem nenhum favor, deveriam fazer parte de qualquer projeto editorial que tivesse o objetivo de reunir a produção de autores considerados mais representativos do universo intelectual brasileiro. Nesse ano do centenário desse grande brasileiro, faço uso do espaço que disponho neste blog para fazer uma curta e singela homenagem a Josué de Castro, intelectual que com sua obra e sua atuação política ajudou-nos a conhecer melhor o Brasil e o seu povo. Ver mais sobre Josué de Castro: http://www.josuedecastro.com.br/


DENUNCIEI A FOME COMO  FLAGELO FABRICADO PELOS HOMENS, CONTRA OUTROS HOMENS (Josué de Castro)


Josué de Castro é uma destas figuras marcantes de cientista que teve uma profunda influência na vida nacional e grande projeção internacional nos anos que decorreram entre 1930 e 1973. Ele dedicou o melhor de seu tempo e de seu talento para chamar a atenção para o problema da fome e da miséria que assolavam e que, infelizmente ainda assolam o mundo.
Nascido no Recife e graduado em medicina pela Universidade do Brasil em 1929, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, logo nos primeiros anos de formado ele entendeu que “a fome” estava presente na vida de grande parte da população brasileira.

Crítico das especializações, seu trabalho científico foi marcado pela multidisciplinaridade. E a fome foi sua principal e corajosa escolha. Mas além da fome, também estudou questões de interesse global que lhe são relacionadas, como o meio ambiente, o subdesenvolvimento e a paz.

A apropriação injusta e ilegal da generosidade e abundância dos recursos da natureza é, segundo Josué, responsável pelo subdesenvolvimento, gerador de miséria e a fome. A paz dependeria, fundamentalmente, do desarmamento aliado a um equilíbrio econômico do mundo, a partir de uma distribuição da riqueza visando o verdadeiro desenvolvimento a ser buscado, o humano.

Foi um cientista incansável e, na metade do século passado, contrariando o pensamento então dominante, empreendeu trabalho científico que desnaturalizava a fome.

Ao escrever, em 1946, o festejado livro “Geografia da Fome” afirmava que a fome não era um problema natural, isto é, não dependia nem era resultado dos fatos da natureza, ao contrário, era fruto de ações dos homens, de suas opções, da condução econômica que davam a seus paises.

Nas obras científicas que se seguiram, Josué ampliou suas convicções e aprimorou seus conceitos, visando sempre a inclusão social. Compreendeu que era imprescindível aumentar a renda do trabalhador, e foi um dos precursores na defesa do salário mínimo. Sabia dos males que a nutrição deficiente, nas crianças, poderia acarretar, e ajudou a formular a política de merenda escolar, iniciativa que ainda hoje atende a expressivo número de estudantes em nosso País. Na agricultura familiar, tinha certeza, estaria a melhor forma de fixar o homem no campo e possibilitar sua alimentação. Assim, combateu o latifúndio e defendeu a reforma agrária. Recebeu o Prêmio Internacional da Paz e indicações para receber o Prêmio Nobel da Paz. Percebeu, prematuramente, as agressões que sofria o meio ambiente e colocou-se como um combatente ecológico, em tempos em que até a expressão ainda era novidade.
Após uma longa carreira de êxitos científicos, Josué de Castro teve seus direitos políticos cassados pelo regime militar que dominou o País a partir de 1964. Exilou-se em Paris onde passou a lecionar na Sorbonne, onde morreu em 1973, sem ter voltado vivo ao seu País. Morreu sem mesmo ter recebido oficialmente e nominalmente anistia. O cidadão do mundo Josué de Castro não viveu para ver restabelecida sua condição de cidadão brasileiro. Foi um profeta, um homem a frente de seu tempo.
Entendia que o desequilíbrio, provocado pela desigualdade econômica, poderia ocasionar mais estragos para a humanidade do que as diferenças ideológicas. “O que divide os homens não são as coisas, são as idéias de que eles têm das coisas, e as idéias dos ricos são bem diferentes das idéias dos pobres”, pregava, com surpreendente clareza, para os tempos da guerra fria.

Foi, ainda, capaz de prever a ampliação da chamada globalização, na qual a vida econômica é comandada pelas empresas, representando os Estados que são meros executores da política territorial e econômica das mesmas. Processo que aumenta a concentração geográfica e acentua as diferenças regionais, contrariando o desenvolvimento humano.

Entretanto, a modernidade e a globalização que Josué previu e desejou seria aquela em que a tecnologia mais avançada seria utilizada para melhor distribuir a riqueza, quer do ponto de vista geográfico, quer do econômico, e trazer uma era de bem-estar e de verdadeiro progresso para a humanidade.

O ano de 2008 assinala o centenário de nascimento de Josué de Castro. Um brasileiro cuja trajetória de vida merece ser lembrada. Médico, escritor, político, professor, cientista social, um homem de múltiplos saberes e de ações que sempre visavam atender os anseios dos mais pobres, especialmente daqueles que enfrentavam o problema da fome e suas conseqüências.

Anna Maria de Castro - Professora titular da UFRJ - Doutora em Sociologia Aplicada
(filha de Josué de Castro)


DEPOIMENTOS SOBRE JOSUÉ DE CASTRO E SUA OBRA

“... Escrever um livro que informe, ensine, descubra verdades encobertas ou controvertidas, isso sim, representa na realidade um mundo de honestidade, esforço, labuta, rigor - além do talento natural que exige em grandes doses. E é pois o sentimento da minha inidoneidade que me afeta ao tentar um comentário em torno do livro ilustre do Professor Josué de Castro: - Geografia da Fome". Raquel de Queiroz - Diário de Notícias - Rio de Janeiro.




"Josué de Castro com a "Geografia da Fome" indica seu grande estudo num plano de monumento, de extensão, de esforço continuado. Não apenas traz para o estudo dos aspectos brasileiros da fome, a capitalização de leituras, viagens, observações e intuições surpreendentes, mas articula todo este material em esquemas lógicos de uma campanha de inteligência e de humanismo radical”. Luiz da Câmara Cascudo - Diário de Notícias - Rio de Janeiro.



"O autor não quis fazer obra de divulgação e menos ainda de compilação, mas sim um livro que significasse o primeiro grande mergulho de olhos abertos no emaranhado do enigma alimentar do país, em todos os tempos. Livro que vai ficar pelo seu milagre de clareza e rigor científico, pelo seu duplo significado de mensagem ao nosso povo e aos homens que o governam”. Homero Homem - Jornal do Brasil - Rio de Janeiro.

"O autor deste livro não é apenas um homem de laboratório - um fisiologista de renome. Ele é um investigador social e um historiador, e os resultados obtidos através dos métodos dessas diferentes disciplinas, ele os ordena como filósofo". André Mayer - Collège de France


"É este o livro mais encorajador, mais esperançoso e mais cordial que eu já li em toda a minha vida... ler este livro tão expressivo, tão claro em seu pensamento, tão racional na exposição dos fatos científicos, tão sábio em suas sugestões acerca de novas formas de conhecimento, é encontrar uma renovada esperança para a humanidade.". Pearl Buck in Book Find News - New York (prêmio Nobel de Literatura).



"Como documento social o livro é sensacional em sua desapaixonada visão sobre o futuro da humanidade. Lembrem-se deste título Geopolítica da Fome; ele poderá tornar-se um dos maiores documentos humanos da história". R.K. Gerrie in The Sunday Sun –

"Não se morre só de enfarte, ou de glomero-nefrite crônica...
Morre-se também de saudade."
"Acho que foi ele que disse: - existe fome no Brasil. Ele que deu à fome o estatuto político e científico quando levantou essa questão." "... este é um crime político que a ditadura militar tem que debitar na sua imensa conta. A morte dele no exílio." BETINHO.

"O, Josué, nunca vi tamanha desgraça. Quanto mais miséria tem, mais o urubu ameaça..."
"... tem que saber p'ra onde corre o rio, tem que saber seguir o leito, tem que estar informado, tem que saber quem é Josué de Castro,... rapaz!” CHICO SCIENCE

"A Geografia da Fome ficará como uma das grandes obras do após guerra, sobretudo pela metodologia. A idéia que os grandes problemas sociais - e a fome é um deles - têm que ser mapeados.” IGNACY SACHS - Diretor de Estudos do EHESS – França

"Josué é uma das pessoas que eu mais admirei. Eu digo mesmo que Josué é o homem mais inteligente e mais brilhante que eu conheci." "... o diabo é que me dava uma inveja enorme - Josué era brilhante em todas as línguas... Incrível!" "... mas isso do intelectual mais eminente do país, a figura mais importante do território brasileiro, a mais visível... esse, ser levado à morte em tristeza, querendo vir..." DARCY RIBEIRO

"Ele era apenas um brasileiro - um grande brasileiro. Um cientista, um escritor, um homem público, devotado à sua pátria, ao seu povo..." “... Sabia da injustiça, das nossas mazelas, sabia da fome... e como sabia da fome!" JORGE AMADO

"Um dos traços fundamentais de Josué de Castro era a sua clarividência. A clarividência é uma virtude que se adquire pela intuição, mas sobretudo pelo estudo. É tentar ver a parte do presente que se projeta no futuro." MILTON SANTOS – Geógrafo

"Pela memória e pelo coração, rejubilamo-nos por este brasileiro extraordinário que conosco lutou para fazer reinar a justiça e a solidariedade internacionais. Josué de Castro não é mais um de nós."
Luis Echeverría Alvarez. Presidente do México, na FAO, em 1974.



BIBLIOGRAFIA DE JOSUÉ DE CASTRO


O Problema da Alimentação no Brasil, Companhia Editora Nacional, São Paulo/Rio de Janeiro, 1933 (Col. Brasiliana).

O Problema Fisiológico da Alimentação no Brasil. Editora Imprensa Industrial, Recife, 1932.

Condições de Vida das Classes Operárias do Recife. Departamento de Saúde Pública, Recife, 1935.

Alimentação e Raça. Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, l935.

Therapeutica Dietética do Diabete. ln: Diabete. Livraria do Globo, Porto Alegre, 1936. p.271-294.

Documentário do Nordeste. Livraria José Olympio, Rio de Janeiro, 1937.

A Alimentação Brasileira à Luz da Geografia Humana. Livraria do Globo, Rio de Janeiro, 1937.

Fisiologia dos Tabus. Editora Nestlé, Rio de Janeiro, 1939.

Geografia Humana. Livraria do Globo, Rio de Janeiro, 1939.

Alimentazione e Acclimatazione Umana nel Tropici. Milão, 1939.

Geografia da Fome. Editora O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1946. Última Edição - Gryphus, RJ, 1992. Prêmio José Veríssimo da Academia Brasileira de Letras.

La Alimentación em los Tropicos. Fondo de Cultura Económica. México, 1946.

Fatores de Localização da Cidade do Recife. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1947. 81p.

Geopolítica da Fome. Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro, 1951.

A Cidade do Recife - Ensaio de Geografia Humana. Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro, 1956.

Três Personagens. Casa do Estudante do Brasil, Rio de Janeiro, 1955.

O Livro Negro da Fome. Editora Brasiliense, São Paulo, 1957.

Ensaios de Geografia Humana. Editora Brasiliense, São Paulo, 1957.


Ensaios de Biologia Social. Editora Brasiliense, São Paulo, 1957.


Sete Palmos de Terra e um Caixão. Editora Brasiliense, São Paulo, 1965.


Ensayos sobre el Sub-Desarrollo. Siglo Veinte, Buenos Aires, 1965.


Adonde va la América Latina? Latino Americana, Lima, 1966.


Homens e Caranguejos. 1.ed. Porto, Brasília, 1967.


A Explosão Demográfica e a Fome no Mundo. ltaú, Lisboa, 1968.


EI Hambre - Problema Universal. La Pléyade, Argentina, 1969.


Latin American Radicalism. Vintagem Books, New York, 1969.


A Estratégia do Desenvolvimento. Cadernos Seara Nova, Lisboa, 1971.


Mensagens. Colibri, Bogotá, 1980.


Fome um Tema Proibido. Última Edição civilização Brasileira 2003. Organizadora: Anna Maria de Castro.


Festa das Letras. Última Edição - Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1996.


Obs.: Obras traduzidas e editadas em 25 idiomas.

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