segunda-feira, 8 de setembro de 2008

MEMÓRIAS - COISAS DA VIDA DE UM CERTO POETA ALBERTO DA CUNHA MELO - Pedro Vicente Costa Sobrinho

Coisas da vida de um certo Alberto Cunha Melo

Tenho muita história pra contar dos muitos anos de meu convívio com o poeta Alberto da Cunha Melo. Agora, motivado pela Cláudia e em louvor de sua memória, eu organizo o que já foi oralmente tornado público entre os amigos, sem que, no entanto, haja nesse gesto qualquer pretensão de produzir literatura.

Era uma vez em Jaboatão, nos idos de 1963. Nos meados daquele ano, o movimento estudantil voltou a se reorganizar na cidade Esse fato devia-se a presença de novas lideranças estudantis como Jaci Bezerra, Glauco, Karl Marx, isto mesmo, Domingos Alexandre, Ricardo, Alberto e eu, pois nos envolvemos na luta para retirar das cinzas a velha e desativada União dos Estudantes Jaboatonenses. Há dez anos que ela hibernava, já quase esquecida na memória dos estudantes secundaristas da cidade.

A tarefa exigia urgência, pois bem próximo estava para ser realizado o Congresso Estadual dos Estudantes Secundaristas de Pernambuco. A coisa aconteceria em Caruaru, cidade do agreste pernambucano. Durante o congresso seria eleita a nova diretoria do Centro de Estudantes Secundaristas de Pernambuco, o cobiçado CESP.

As forças de esquerda e de direita com atuação no movimento estudantil pernambucano estavam disputando os eleitores voto a voto. O colégio eleitoral de maior peso estava no Recife e arredores. Por sua vez, a poderosa ARES, Associação Recifense de Estudantes Secundaristas, estava sob o controle da direita; entre seus líderes mais importantes destacavam-se o hoje senador Sérgio Guerra e Etore Labanca. Do lado da esquerda pontificavam os estudantes Marcelo Melo, Fortuna e Albérgio Maia. Albérgio, inclusive, havia sido derrotado por Sérgio Guerra na disputa pela ARES. Nesse contexto, para a esquerda o apoio e o voto da UEJ eram imprescindíveis.

Para conquistar o voto da UEJ, a direção do PCB mandou a Jaboatão os estudantes Marcelo, Fortuna e Albérgio. Eles tinham como tarefa o convencimento do poeta Alberto Cunha Melo, para que ele se lançasse candidato à presidência da entidade. A candidatura seria consensual, pois Alberto era muito bem aceito no meio estudantil. Ele tinha liderança e prestígio entre os estudantes, e era reconhecido na província pela sua capacidade intelectual Lembro-me ainda do seu discurso na recepção ao ex-governador Cid Sampaio, quando este proferiu conferência na Associação Comercial da cidade; mas esta é uma outra história que depois eu conto. Reunimos-nos num pequeno bar situado no beco de colônia, e lá se vai conversa. Presentes estavam Marcelo, Fortuna, Albérgio, eu (Pedro Vicente) e Alberto. Bate papo longo e com bons argumentos, e a crença na certeza da vitória, pois sairíamos dali com um candidato imbatível.

E daí, então, quando tudo parecia um mar de rosas, eis que Alberto levantou-se calmamente e disse: “Não vai dar certo. Eu sou muito medroso. Cago-me e mijo-me nas calças só em pensar que posso ser preso. Se apertarem um só dedinho de minhas mãos eu entrego todo mundo. Se me conheço bem, não posso aceitar nenhum cargo de risco, pois posso comprometer as pessoas que confiam em mim”. E logo em seguida, levantou-se, pediu desculpas e deu a conversa por encerrada; sem antes, contudo, deixar bem claro seu apoio ao candidato que viesse a ser lançado pela esquerda. Todos, sem exceção, deram uma baita risada, porém saíram confortados com o gesto humilde e sincero do poeta.

Nada melhor que um dia atrás do outro, pois os fatos depois acontecidos vieram a provar o contrário do que disse à época o poeta. O golpe desfechado pelos militares alguns meses depois daquela conversa, e que mergulhou o país numa sombria noite de horrores, levou o poeta a engajar-se na luta pela restauração da liberdade e pela democracia. Se tinha medo, mas quem não tem? So que ele soube como poucos controlar esse sentimento natural da condição humana. E passou a fazer oposição sem dar trégua à ditadura militar. Na universidade, no local de trabalho, na Associação dos Sociólogos de Pernambuco, no Acre e, sobretudo, na sua poesia. Seu livro Noticiário é o exemplo mais contundente do seu engajamento. Assim era Alberto, meu bom companheiro.

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