A descoberta da Nicarágua ocorreu em 1502; efetivamente na quarta viagem de Colombo ao continente americano. De 1520 a 1524, iniciou-se a colonização espanhola, com a ocupação da terra pela expedição de Gil González Dávila. As populações nativas ofereceram certa resistência armada ao colonizador, mas não obtiveram êxito duradouro. Os pontos estratégicos que serviram de núcleos à consolidação do domínio colonial foram instalados por Francisco Hernandez de Córdoba. Granada foi a primeira cidade fundada pelos colonizadores espanhóis no continente americano, posteriormente surgiu León.
No longo período em que a Nicarágua esteve submetida ao domínio colonial ocorreram inúmeras revoltas das populações nativas. Dessas inúmeras revoltas cabe todavia registrar especialmente os motins e revoltas acontecidas no início do século XVII. As populações nativas, no começo de 1600, insurgiram-se contra as determinações da coroa espanhola que proibiam o cultivo de oliveira e videira na colônia. A rebelião foi sufocada de modo violento. A participação popular nos acontecimentos de certo modo ficou evidente. Poucos anos depois, mais precisamente em 1607, o Governo colonial proibiu os mestiços, negros e mulatos de possuírem cavalos, éguas e armas.
A dominação colonial durou cerca de 300 anos. Durante os primeiros 150 anos a Espanha manteve o domínio da colônia com exclusividade, apesar dos freqüentes ataques de piratas, corsários e dos motins e rebeliões das populações nativas. No século XVIII, a Espanha foi obrigada a aceitar os ingleses como sócios na empresa colonial. A Inglaterra ocupou por quase outros 150 anos a costa oriental da Nicarágua, cessando, portanto, sua permanência nesse país na última década do século XIX.
A dominação colonial na Nicarágua teve como sustentáculos básicos, como de norma em outras áreas coloniais, o monopólio das exportações dos produtos coloniais, do comércio de importações de mercadorias essenciais à sobrevivência das populações nativas, e também do tráfico de escravos.
A dominação econômica da Espanha teve inicialmente como base a exploração do ouro. Logo a seguir a atividade extrativa do ouro foi combinada ao intenso comércio de escravos, sendo o papel da Nicarágua o de fundamentalmente servir de entreposto, devido a sua excepcional localização geográfica. A exploração colonial, no entanto, fundou bases econômicas sólidas e duráveis na larga e intensa exploração do trabalho agrícola e artesanal da população indígena.
De modo sumário e em linhas gerais pode-se afirmar que a economia colonial se caracterizou por atividades econômicas assim dispostas:
1) Economia agrícola essencialmente de subsistência de base indígena, que evolui para produção de um certo excedente para atender as pressões demográficas resultantes do desenvolvimento lento e frágil de áreas urbanas. Esta agricultura parcelária de autoconsumo que vai gerar um certo excedente tem por base não só as terras comunitárias indígenas, mas também a produção de ladinos e mestiços nas chamadas “chacras” ou “las huertas”, onde se cultivavam milho, banana, arroz, batatas e hortaliças.
2) Comércio interno que apesar de sua fragilidade desenvolvia atividades comerciais de relativa complexidade nos núcleos urbanos em formação ou já estruturados, casos de León e Granada. Essas atividades foram mais intensas nos chamados núcleos do Pacífico;
3) Economia voltada para o exterior com base nas exportações de produtos agropecuários como gado, cacau, açúcar, tabaco e especiarias. Dentre as especiarias mereceu destaque a produção anileira.
A economia exportadora agropecuária teve como unidade de produção a “hacienda”, que marcou a paisagem da Nicarágua colonial e persistiu nos anos que sucederam a independência. Sua característica principal era a utilização extensiva da terra, formando aquilo que se podia denominar de grande propriedade com base na exploração do trabalho servil, semi-servil e escravo. As “haciendas” nem sempre foram especializadas, isto é, unidades produtoras de único e exclusivo produto. As também chamadas “haciendas ganaderas”, de maior peso na economia colonial, pouco a pouco foram transformadas em áreas de culturas diversificadas de produtos para exportação.
A empresa colonial para assegurar a viabilidade, funcionalidade e êxito do empreendimento procurou combinar as condições já existentes na colônia, marcada pela presença de uma comunidade indígena de certo peso demográfico e organização social e econômica bem singular, com as necessidades do comércio colonial em franca ascensão. De um lado, assegurou a posse da terra aos indígenas, até onde não eram criados entraves aos objetivos coloniais. Por outro lado, mediante o regime de trabalho instaurado pelo sistema de “repartimentos”, os índios foram obrigados a trabalhar por temporadas nas “haciendas”.
A garantia da posse da terra aos índios assegurou a permanência mesmo precária da organização comunal e, sobretudo, permitiu a sua reprodução enquanto força de trabalho, que de modo compulsório foi utilizada nos trabalhos por temporadas nas “haciendas”. Também eram usuais, principalmente nas minas, as formas de pagamento por alimentos e vestuário.
Além disso, a dominação colonial soube aproveitar-se do sistema tradicional de trocas de produtos existentes entre as comunidades indígenas denominado de “tiangue”, subordinando-o de modo unilateral e compulsório aos interesses do projeto de colonização, e garantindo dessa forma o abastecimento interno de bens de consumo de origem agrícola e artesanal.
Não se observa, todavia na colônia a presença com certa importância de uma população negra escravizada. Isto leva a supor que o trabalho do escravo negro teve papel secundário na economia colonial da Nicarágua. No entanto, faz-se necessário registrar que a cultura anileira, com relativo peso no comércio colonial, teve por base a força de trabalho do escravo negro.
Brancos possuidores de haciendas, senhores de terras, comerciantes, artesãos, funcionários da coroa, índios, ladinos e mestiços submetidos à condição de servos ou semi-servos, poucos escravos negros constituíram o perfil social, traçado aqui de rápido, da Nicarágua colonial.
A Constituição do Estado Nacional
Durante o século XIX, tornou-se crônica a crise do sistema colonial espanhol. A política de monopólio comercial imposta pela Coroa, criando condições bastante desfavoráveis aos interesses locais, propiciou o surgimento de um clima de permanente tensão. Em 1811, inúmeros protestos contra as autoridades de Espanha ocorreram em toda Centro-América. Na Nicarágua esses protestos assumiram caráter de rebelião armada de grande significado, cujo resultado imediato foi a ocupação por três meses da cidade de Granada, que se constituía na época o centro comercial mais importante.
A crise do sistema colonial espanhol foi marcada por acentuado empobrecimento da região centro-americana. Citando Sofonias Salvatierra, Roman afirmou que a miséria continental que se prolongou até 1820 teve como causas principais: a) as guerras européias que impediam o tráfego marítimo com a América; b) as dificuldades de comércio; c) o contrabando de mercadorias tendo por centros Jamaica e Belize; d) os gastos de guerra da coroa, que provocaram aumentos de impostos e obrigações cobrados às colônias; e) os privilégios das classes dominantes locais.1
A situação de crise e a insatisfação generalizada da população levaram, no ano de 1821, no dia 15 de setembro, a Nicarágua juntamente com outras colônias da América Central a tornarem-se independentes da Espanha e constituírem-se em Estado Nacional Federado.
Os primeiros momentos da existência da Nicarágua enquanto Estado independente foram marcados por uma série de conflitos armados, dos quais pela sua importância histórica destacamos dois deles:
- 1823, eclodiu na Nicarágua uma rebelião armada com forte participação popular. Setores da classe dominante nativa e o povo em armas rebelaram-se contra a anexação das nações da América Central ao recém-formado império mexicano. Os setores mais reacionários da classe dominante local apoiaram a anexação, porém foram derrotados.
- 1827, guerra civil conhecida como guerra de Cerda e Arguello. Esta guerra civil cruel e sangrenta revelou com clareza a fragilidade da classe dominante e suas dificuldades em consolidar o seu domínio.
A participação do povo foi um componente forte, importante e decisivo na luta de libertação da Nicarágua do jugo colonial. Este fato evidencia-se ao se constatar que uma das primeiras medidas do movimento de libertação vitorioso foi a abolição das “vinculações” e “mandamientos”. A queda do estatuto da servidão teve por conseqüência o retorno ou o reforço das relações comunitárias entre os índios.
A restauração da comunidade tribal com suas práticas e organização da produção; a quebra das relações de servidão que suprimiu a apropriação compulsória do trabalho do índio, e sendo o índio a fonte principal de suprimento de força de trabalho, como conseqüência natural verificou-se a desorganização da produção da ex-colônia. Eleger como alternativa a substituição da força de trabalho indígena pelo trabalho escravo, naquele momento foi praticamente inviável, não só devido ao alto custo do escravo, também pelas dificuldades que já eram colocadas a esse tipo de comércio.
A base econômica colonial, portanto, não conseguiu resistir ao impacto das transformações que resultaram das lutas pela libertação do país, e, principalmente, às novas condições do mercado capitalista internacional. As oligarquias dominantes buscaram por meio da violência restaurar as velhas relações de produção que vigiram no período colonial. A resistência a essas tentativas foi bastante intensa, tornando-a inviável.
A reorganização da estrutura produtiva só poderia ser obtida com a introdução de um produto que respondesse as novas exigências do mercado mundial, e possibilitasse a inserção da ex-colônia na divisão capitalista internacional do trabalho. O café vai apontar nessa direção.
O cultivo do café foi introduzido nos anos de 44 a 48 do século XIX. Inicialmente nas serras centrais do Pacífico, daí seu cultivo expandiu-se de imediato a Matagalpa e Jinotega. Em 1881 o café já correspondia a 10% da pauta de exportações do país.
A cultura do café acarretou profundas mudanças na paisagem econômica e social da Nicarágua. Grosso modo pode-se enumerar:
a) fortalecimento da estrutura latifundiária, inclusive mesmo a expansão dos latifúndios;
b) ocupação das melhores áreas de cultivo;
c) expropriação dos colonos, assentados, possuidores sem títulos e comunidades indígenas;
d) incorporação e ocupação de áreas virgens;
e) transformação na base produtiva em nível das forças produtivas, com relação à base técnica e a organização do trabalho;
f) incorporação maciça de força de trabalho, e conseqüente criação do mercado estável de força de trabalho;
g) transformação da velha oligarquia agrícola em burguesia agrária;
h) surgimento de uma cadeia de produtores auxiliares, comerciantes e intermediários;
i) realização de inúmeras obras de infra-estrutura que facilitariam a expansão da produção e o escoamento do produto para o mercado internacional.
A propriedade comunal indígena, apesar dos constantes e permanentes ataques a ela perpetrados até princípios da década de 1870, conseguira se manter inalterada. A expansão cafeeira pressionou as terras comunitárias, incorporando também no processo as terras nacionais que se encontravam ocupadas por pequenos agricultores. A Lei Agrária de 1877 foi um golpe fatal nos direitos tribais e dos pequenos proprietários. Esta Lei foi promulgada pelo Governo conservador de Pedro Joaquim Chamorro. Esta lei nos seus artigos 1 e 2 assim dispunha: art. 1º “Los poseedores o arrendatarios de terrenos éjidos comunes o de comunidades indígenas... tendrám derecho a que se les dé su propriedade la parte ... pagando por cada manzana nomenos ni más de cinco pesos ...”; art. 2º “Los demás éjidos compreendidos en el anterior artículo, serán puestos a la venta en licitación entre los vecinos o miembros de la comunidad ...”.2
A reação conservadora que se sucedeu no governo durante mais de meio século foi criando, à medida que se expandia a economia cafeeira e tornava mais premente a necessidade de oferta de força de trabalho estável e ampliada, mecanismos coercitivos para forçar a incorporação do trabalhador ao mercado de trabalho. Uma dessas medidas proibia o cultivo da banana quando não estivesse em plantações regulares, obrigando o pequeno produtor a depender do seu trabalho, enquanto jornaleiro. Outras formas de recrutamento compulsório da força de trabalho foram postas em prática pelos grandes proprietários com o apoio do Estado.
A violência da ação do Estado contra as populações camponesas e comunidades indígenas resultou numa rebelião popular que durou mais de nove meses de sangrentas batalhas. Milhares de índios sublevaram-se contra o governo conservador de Joaquim Zavala. Estimou-se que mais de cinco mil índios foram mortos em combate. Acrescente-se a isso a repressão desencadeada contra as populações indígenas durante a rebelião e depois da derrota dos insurgentes, Verdadeiro banho de sangue, cujas conseqüências sociais foram bastante profundas, criando condições de desobstrução dos entraves que impediam a concentração das terras, objetivo perseguido por muito tempo pelas oligarquias agrárias.
A Nicarágua e o Imperialismo
Durante toda sua existência enquanto Estado Nacional a Nicarágua sempre foi vítima e presa fácil de ações imperialistas. Ao constituir-se como nação não incorporou parte da sua costa oriental, então ocupada por forças britânicas. As relações comerciais que foram estabelecidas diretamente com outras nações após a independência são marcadamente desiguais. De início a França, em menor escala, e a Inglaterra foram os seus parceiros comerciais mais fortes, controlando o grosso de suas exportações.
O centro de controle do país tendia a mudar à medida que os Estados Unidos foram se afirmando no cenário das nações fortes, e procuraram estender os seus interesses econômicos à América Central. Já em 1848, com a descoberta do ouro na Califórnia, o território da Nicarágua foi incorporado como rota mais rápida, econômica e segura para os milhares de pessoas que se deslocavam em busca de ouro. A partir de então, empresas foram organizadas para realizar o transporte de mercadorias e passageiros.
O homem de negócios americano Cornelius Vanderblit obteve, junto ao governo da Nicarágua, a concessão para explorar a rota que iria utilizar o território desse país. A companhia de Vanderblit transportava seus passageiros por mar, saindo dos EUA até a costa da Nicarágua; daí seus barcos subiam o ria San Juan indo até o lago de Nicarágua e a Baía das Virgens; o trajeto seguinte, de doze milhas, era feito via terrestre alcançando San Juan Del Sul no Pacífico. Explorando essa rota Vanderblit conseguiu reduzir o preço da passagem para 300 dólares, levando enorme vantagem sobre seus concorrentes que cobravam nada menos de 600 dólares.
O Governo dos EUA que já havia conseguido da Colômbia a concessão para construir a estrada de ferro interoceânica através do istmo do Panamá, interessou-se também em assegurar através do tratado Clayton-Bullwer a concessão para construir um canal pelo território nicaragüense.
Nos meados do século XIX, uma disputa entre facções oligárquicas nicaragüenses propiciou um ato de vandalismo e pirataria desfechado contra o país pelo flibusteiro norte-americano William Walker. Uma das facções da classe dominante em disputa, chefiada por Castellón, aceitou que se incorporasse ao seu grupo um bando de mercenários sob a chefia de Walker. Como recompensa pela vitória os mercenários receberiam parte do pagamento em dinheiro, e outra parte em parcelas de terra. Walker ocupou Granada e, já feito General, impôs a assinatura de tratados que reconhecia como presidente a Patrício Rivas, da facção de Castellón. Por trás de Walker estavam os interesses da empresa Morgan y Garrison, que travava guerra com a empresa Acessory Transit Company, de propriedade de Vanderblit, pelo controle do transporte de passageiros e cargas através do território da Nicarágua. Como conseqüência natural as concessões de Vanderblit foram cassadas e Walker obteve, com o apoio da empresa Morgan y Garrison que o associou ao negócio, a concessão para explorar a rota nicaragüense. Os desmandos do flibusteiro foram tantos, que o governo títere de Rivas achou por bem desobedecer-lhe e empreender ação para desalojá-lo do poder.
Walker insatisfeito com a insubordinação de Rivas proclamou-se presidente da Nicarágua, contando inclusive com o reconhecimento não oficial do Presidente Pierce, governo dos EUA à época. O empresário Vanderblit procurou agir contra os seus desafetos, buscando recuperar os negócios que havia perdido. Para isso, ele municiou de armas alguns governos de Centro-América para barrar os intentos de Walker. Uma coalizão de repúblicas centro-americanas, integrada por Costa Rica, Honduras e Guatemala, lançou-se à luta contra o pirata. As forças aliadas contaram também com o apoio da Inglaterra, que sentiu os seus interesses sob ameaça na costa oriental da Nicarágua, onde mantinha o protetorado da Mosquitia. O pirata Walker foi finalmente vencido e expulso em 1857, não antes de causar inúmeros prejuízos ao país, em vidas e recursos materiais, inclusive sendo responsável pelo incêndio de Granada.
No ano de 1893, uma rebelião popular contra o domínio dos conservadores elevou ao poder a José Santos Zelaya, da facção liberal das classes dominantes.
O governo Zelaya historicamente foi reconhecido como o governo da reforma burguesa, significando politicamente a ascensão ao poder da fração da burguesia agrária de propostas modernizantes, ligada aos interesses do café. Zelaya empreendeu obras de profunda repercussão nas instâncias econômica, social, política e institucional do país, cabendo citar como as mais importantes:
(1) incorporação de terras ociosas e subutilizadas ao processo produtivo, mediante a expropriação de terras da Igreja, abolição do sistema de mãos mortas e a venda de terras nacionais;
(2) modernização das instituições jurídicas e administrativas;
(3) formação dos primeiros bancos privados;
(4) consolidação do grande comércio importador com o apoio do Estado;
(5) instalação das primeiras indústrias de beneficiamento do café;
(6) inúmeras obras de infra-estrutura: abertura de estradas, vias férreas, modernização dos portos, comunicação telegráfica etc.;
(7) empréstimos de grupos financeiros ingleses, contrariando inclusive interesses dos EUA;
(8) promulgação do primeiro código do trabalho e estabelecimento do matrimônio civil;
(9) Negociação da saída dos ingleses da costa oriental da Nicarágua, anexando aquela área à nação.
Zelaya governou o país de 1893 a 1909, imprimindo ao seu governo certo cunho nacionalista. Sua conduta política atraiu contra ele a oposição do governo dos EUA. Este país já vinha pondo em prática em toda plenitude a política do “big stick”, intervindo militarmente nos países vizinhos, desde que seus interesses se sentissem ameaçados.
As atitudes independentes de Zelaya ao buscar recursos fora dos EUA, e por não se dobrar às pressões norte-americanas no que diz respeito à concessão de exclusividade para construção da via canaleira, fizeram com que o Governo dos EUA ameaçasse intervir militarmente no país.
Durante seu período de governo Zelaya conviveu com vários levantes armados, conduzidos por lideranças ligadas a facções conservadoras das classes dominantes. Vários desses levantes foram contidos via repressão armada.
Em 1909, encabeçados por Emiliano Chamorro e Adolfo Diaz, este último empregado de uma empresa mineira americana, grupos reacionários sublevaram-se contra o governo. Estes grupos contaram com o apoio tácito dos EUA, que inclusive financiaram e armaram os insurgentes. Mercenários norte-americanos participaram das tropas rebeldes. Dois desses mercenários por nomes de Cannon e Groce foram aprisionados, julgados e fuzilados por Zelaya. Este fato foi suficiente para desencadear ação direta dos EUA que, através do Secretário do Estado Knox, reconheceram de público a intervenção armada norte-americana na Nicarágua. Zelaya renunciou ao governo e foi substituído por José Madrid.
Em que pesem as gestões conciliatórias de José Madrid junto ao governo dos EUA, a revolta armada ampliou-se e, em 1910, os revoltosos conquistaram posições importantes, contando para isso com apoio de barcos de guerra americanos. José Madrid renunciou, assumindo o governo um grupo patrocinado pelos EUA.
A resistência interna todavia não cessou. Em 1912 as lutas de resistência tornaram-se mais intensas. A reação ao golpe patrocinado pelo governo americano contou com forte apoio popular. Emiliano Chamorro, ministro do Exterior do governo títere, não conseguiu controlar a situação e solicitou a intervenção dos EUA. As tropas americanas desembarcaram no país com um forte contingente de 2.600 fuzileiros navais e 125 oficiais, contando ainda com 3 mil mercenários recrutados pelo governo títere.
Por três meses, comandadas pelo general Benjamin Zeledon, as tropas nacionais combateram os invasores, cessando a resistência com a morte do seu líder. A ocupação americana vai durar de 1912 a 1925.
A intervenção militar dos EUA teve por conseqüência a tutela absoluta do país. Acordos econômicos, políticos e militares foram assinados. O governo títere de Adolfo Diaz assinou protocolos e acordos inteiramente contrários à soberania da Nicarágua. Para obter empréstimos de banqueiros americanos Diaz hipotecou as rendas nacionais, entregando o controle da alfândega a funcionários americanos; as estradas de ferro foram dadas como garantia, cedendo inclusive a exploração das ferrovias a grupos dos EUA; 51% das ações do Banco Nacional passaram ao controle dos grupos financeiros credores da dívida externa. Com isto a vida econômica e as finanças do país ficaram sob controle de banqueiros norte-americanos.
Além dos interesses econômicos em jogo, assumiu relevância a questão geopolítica. Em 1914 foi assinado o acordo Chamorro-Bryan, cujas cláusulas tornavam perpétua a opção para que os EUA construíssem o canal ligando o Atlântico ao Pacífico pelo território da Nicarágua. Além de conceder por arrendamento, com duração de 99 anos, o Golfo de Fonseca e outras ilhas nicaragüenses.
A penetração dos EUA foi intensa e maciça. Através da Companhia Mercantil de Ultramar, capitais americanos passaram a controlar a comercialização do café, que já se tornara o principal produto de exportação do país.
A Revolução Constitucionalista
As farsas eleitorais foram contínuas na Nicarágua ocupada pelos EUA. Os conservadores assim mantiveram-se no poder. Em 1925, o governo conservador de Bartolomé Martinez tomou algumas iniciativas importantes. Ele resgatou aos banqueiros americanos o controle do Banco Nacional. Conseguiu também amortizar os empréstimos e com isso liberou a alfândega do país, cuja arrecadação estava vinculada aos compromissos financeiros assumidos. Este governo denominou a si mesmo de “governo de transição”. Conseguiu restabelecer a ordem institucional, e, mediante acordo, fez as tropas americanas deixarem o país. Realizaram-se eleições gerais no país, sendo eleitos o conservador Carlos Jorge Solórzono e o liberal Juan Bautista Sacasa para vice-presidência.
A vida institucional revelou-se bastante frágil. Logo após a saída das tropas de ocupação, setores conservadores já começaram a se movimentar e articular novo golpe. Emiliano Chamorro, o mesmo da assinatura do humilhante acordo Chamorro-Bryan, sublevou bandos conservadores e, com o apoio tácito dos EUA, obteve ao seu favor a renúncia de Solórzono. O congresso da Nicarágua, de maioria conservadora, apoiou o golpe deixando de convocar o vice-presidente Sacasa, substituto legal do renunciante. As manobras políticas e institucionais acabaram conduzindo novamente Adolfo Diaz à frente do governo.
Após várias e frustradas tentativas junto ao Departamento de Estado buscando demover o governo dos EUA do reconhecimento ao grupo golpista, Sacasa resolveu também recorrer à rebelião armada. O comando da rebelião foi entregue ao General José Maria Moncada. A luta interna teve um desfecho favorável às forças constitucionalistas. Em 1926, novamente as tropas americanas intervieram no país. O presidente Coolidge justificou o ato como necessário para proteger os interesses e vidas dos cidadãos americanos na Nicarágua, dizendo-se neutro com relação ao conflito interno. Ao mesmo tempo, jornais americanos pertencentes a rede de empresas do magnata da imprensa William R. Hearst desfecharam forte campanha junto a opinião pública do seu país, para fazer crer que os constitucionalistas nicaragüenses estavam a serviço do bolchevismo mexicano.
Apesar da presença americana dando apoio velado aos golpistas, os constitucionalistas com o apoio da população levaram vantagem no confronto militar. Em 1927, mesmo com a possibilidade de o conflito ser resolvido militarmente favorável às forças antigolpistas, Moncada, chefe militar constitucionalista, assinou o acordo de Espino Negro, na vila Tipitapa. O acordo feito com o representante do governo dos EUA, Henry L. Stimson, pusera novamente a Nicarágua sob a tutela americana. Como condição primeira, o acordo determinou que cessassem de imediato as hostilidades entre as facções em luta e que fossem convocadas eleições para 1928, sob a proteção e supervisão das tropas americanas, assegurando também ao General Moncada sua participação no pleito, na condição de candidato à presidência.
Com os auspícios do governo dos EUA, o acordo firmado entre as facções em luta tinha por objetivo: cooptar setores da burguesia liberal no interior das forças constitucionalistas para compor com as forças de ocupação externa e, portanto, neutralizar setores nacionalistas do liberalismo burguês que poderiam criar problemas quanto aos interesses norte-americanos no país; obter de imediato o desarmamento das forças constitucionalistas e, por último, liquidar as iniciativas dos destacamentos formados por setores populares que, de forma diferenciada, já colocavam seus interesses no decorrer da luta.
Augusto Cesar Sandino: General de homens livres
A entrada em cena de Augusto Sandino marcou daí por diante, de forma profunda e indelével, a história das lutas do povo nicaragüense. O seu movimento armado diferenciou-se de tudo que antes havia acontecido no país. Sandino, com sua bravura, honestidade, humildade, patriotismo, e profundo amor ao seu povo, inspirou toda uma geração de revolucionários, cujo resgate e compromisso com o seu ideário, possibilitou a conquista, o apoio e a sublevação das massas oprimidas da cidade e do campo.
Faz-se necessário, no entanto, destacar que a presença de Sandino se deu em um novo contexto socioeconômico e político nacional. Nesse contexto, referência especial deve ser feita as novas condições em que se encontrava o movimento social na Nicarágua e, principalmente, a situação do proletariado e sua luta de classe.
A expansão cafeeira criou as condições para o surgimento de um proletariado rural que, no processo de produção, convivia com relações de trabalho assalariadas e outras formas de relações não-capitalistas de exploração da força de trabalho. O setor urbano, de modo incipiente, já havia criado as condições para o surgimento de uma classe operária fabril. Nas duas primeiras décadas do século XX, o movimento operário deu os primeiros passos na direção de sua organização como grupo social independente.
Durante e depois da primeira grande guerra surgiram efetivamente os sindicatos. Em 1916 apareceu a imprensa popular. É editado “El obrerismo organizado”, sob a direção de Sofonias Salvatierra. Em 1920, em León, é criada a Federação Livre de Trabalhadores. Os trabalhadores agrícolas já vinham se manifestando contra o imperialismo. As greves operárias pouco a pouco se incorporavam ao cenário político nacional. As grandes greves aconteceram na década de 1920. No ano de 1921 os trabalhadores paralisaram a Cuyamel Fruit Company, e foram reprimidos violentamente. Estes fatos ficaram gravados na memória da luta operária como “O Massacre da Cruz de Rio Grande”. De 1922 a 1926 as lutas de classes foram acirradas, as greves aconteceram com maior freqüência.
Augusto Cesar Sandino se encontrava no México desde 1923. Durante certo tempo trabalhou em Cerro Azul, Vera Cruz, como operário mecânico nas instalações da Companhia de Petróleo Huasteca Company. Não se sabe com clareza sobre o envolvimento de Sandino em lutas sociais no México. É provável, no entanto, que num México marcado por tantas revoluções e sob pressão permanente da ameaça de intervenção americana, um espírito inquieto como o de Sandino, respirasse aquele ar de revolução e, conseqüentemente, viesse a formar uma visão crítica diante da realidade de sua própria pátria, que fora ocupada e humilhada tantas vezes pelos norte-americanos.
Sandino retornou à Nicarágua em maio de 1926. A resistência ao golpe desfechado por Emiliano Chamorro buscava articular-se. Depois de permanecer algum tempo na costa atlântica de seu país, dirigiu-se para a região denominada Las Segovias. Ali obtém emprego na mina San Albino, de propriedade de norte-americanos. No dia 26 de outubro, com apoio de outros companheiros mineiros, Sandino retirou cartuchos de dinamite do armazém da empresa, e com algumas armas organizou um grupo de resistência para combater o governo de Adolfo Diaz. Daí por diante foi se constituindo o primeiro núcleo de resistência ao regime, nitidamente diferenciado das outras forças liberais constitucionalistas, que em armas se opunha ao governo Diaz.
Sandino procurou incorporar suas forças ao chefe constitucionalista Moncada. O general José Maria Moncada e Juan Bautista Sacasa lideravam dois grupos de oposição ao governo Adolfo Diaz e ao seu protetor General Chamorro. Os homens de Sandino, no entanto, não foram diluídos nas forças de Moncada. Seu grupo assumiu autonomia no campo de batalha. Sob sua liderança o pequeno grupo de combatentes, constituído inicialmente por trinta homens, consolidou-se no campo de batalha pelo seu heroísmo e confiança nos ideais libertários, forjando-se enquanto força antiimperialista por excelência.
O acordo celebrado por Moncada e Stimson (representante dos EUA) para pôr fim ao conflito não foi aceito e denunciado por Sandino. O general dos homens livres resolveu continuar a luta sob o lema “PÁTRIA LIVRE OU MORRER”, pois acreditava que somente assim poderia ser conquistada a vitória contra Adolfo Diaz e as forças americanas de ocupação, já que as forças constitucionalistas não se dispunham a levar a luta até o fim.
A luta de Sandino prolongou-se por sete anos, apesar da enorme desigualdade das forças em combate, homens e equipamentos militares. As tropas de ocupação americanas e a Guarda Nacional não conseguiram efetivamente derrotar “El pequeno ejercito loco”, como o chamou Gregório Selser, no campo de batalha. O exército Sandinista abriu suas fileiras para combatentes de outras nacionalidades, que se identificavam com a luta antiimperialista do povo nicaragüense.
A solidariedade internacional à luta de Sandino foi bastante precária. O apoio do governo do México foi débil. Se por um lado, no discurso a coisa era frágil e sem muita convicção, por outro a ajuda material nem chegou a existir. A viagem de Sandino ao México para tentar o apoio do Presidente Emílio Portes Gil resultou em fracasso. Apesar da recepção inicial, na verdade a presença de Sandino no México foi de um prisioneiro bem tratado, confinado numa determinada região do país. O movimento operário internacional não compreendeu efetivamente o processo político que se desenrolava na Nicarágua. O isolamento de Sandino e seus companheiros só fora rompido, mesmo de modo precário e artesanal, pela influência do jornalista hondurenho Froyala Turcios, seu porta voz. Esse jornalista desempenhou importante papel ao divulgar a resistência heróica e o ideário dos combatentes sandinistas.
A imprensa americana e o governo nicaragüense resultante da farsa eleitoral de 1928 orquestraram forte campanha propagandista contra Sandino, chamando-o de desordeiro, bandido e saqueador dos bens das famílias nicaragüenses. Apesar das dificuldades e resistindo aos apelos de acordo propostos pelos norte-americanos, cujo objetivo era a cooptação e sua integração através da oferta de cargos no governo e compensação financeira, Sandino e seus combatentes conseguiram o reconhecimento para discutir a saída dos norte-americanos do país, como interlocutores legítimos do povo nicaragüense.
Com a eleição de Juan Bautista Sacasa, em 1933, foi negociada a saída das tropas de ocupação do país. Sacasa propôs uma anistia geral e novo pacto de conciliação nacional. Para que isso se efetivasse atribuiu poderes a Sofonias Salvatierra, amigo de Sandino, para iniciar as conversações que levassem a um acordo de paz.
De certo modo, a saída das forças de ocupação colocou Sandino diante de um dilema. Sua luta havia se conduzido sob a bandeira do antiimperialismo, contra a ocupação militar americana e sob a promessa de que só se concluiria com a saída do último soldado invasor. A retirada das tropas dos EUA quebrara, até certo ponto, a força de sua mensagem junto aos que o apoiavam, sobretudo nas classes subalternas que já demonstravam cansaço e esgotamento, resultantes da prolongada luta.
As negociações foram conduzidas por Sofonias junto a Sandino, e as bases para o acordo estabelecidas. Todavia, o cumprimento dos pontos acertados com o Governo Sacasa não se efetivou. As violações se sucederam. A Guarda Nacional funcionava como poder paralelo, desacatando as determinações de Sacasa. Anastácio Somoza Garcia, sobrinho de Sacasa, articulou ações provocativas contra combatentes sandinistas. Sandino foi a convite do governo à Manágua tentar salvar o acordo. Ao sair do palácio, foi seqüestrado pela guarda nacional por ordens de Somoza, juntamente com dois de seus comandantes, Estrada e Umanzor, vindo a ser assassinado, precisamente no dia 21 de fevereiro de 1934. O crime foi praticado com o conhecimento e beneplácito do governo dos EUA.
A Nicarágua e a estratégia imperialista dos EUA
Em 1929 o capitalismo sofreu a maior crise de toda a sua história. Esta crise afetou profundamente a dependente economia da Nicarágua. Sendo o café, naquele momento, o principal produto de sua pauta de exportações, a queda vertiginosa dos preços desse produto no mercado mundial, decorrente da crise vivenciada pelas economias capitalistas centrais acarretou o colapso e a quase falência da cultura cafeeira. Para fazer frente à crise a saída foi intensificar as exportações de ouro, prata e outros produtos minerais.
A dependência da Nicarágua com relação ao café pode ser mais bem percebida ao se verificar que durante os anos de 1920 a 1940 a participação desse produto correspondeu ao percentual de 62,2% de sua pauta de exportações. Em 1950 este percentual caiu para 50,7%.
Durante a segunda guerra mundial a economia da Nicarágua assumiu novos contornos. Especializou-se também para atender as necessidades do conflito mundial. Na sua pauta de exportação passaram a figurar produtos para a indústria de guerra como metais estratégicos, madeira, borracha natural e produtos alimentares. O mercado dos Estados Unidos passou a absorver 90% das exportações nicaragüenses.
As mudanças na economia da Nicarágua foram de forma direta, em razão de sua dependência, mero reflexo do comportamento do mercado norte-americano. O surgimento de uma economia algodoeira no país foi um exemplo mais que evidente desse fato. Por decisão tomada nos EUA, o referido produto tem seu cultivo estimulado na Nicarágua. Em 5 anos 80% das áreas cerealistas do Pacífico converteram-se em áreas de cultura do algodão.
A Revolução Cubana com seu exemplo libertário, colocando na ordem do dia a alternativa de desenvolvimento político, econômico e social de modo autônomo e independente dos EUA significou um salto qualitativo na história da América Latina. O governo norte-americano reagiu violentamente à desobediência da pequena ilha caribenha. Todas as formas de pressão foram utilizadas. Estas foram desde a adoção do bloqueio econômico e militar passando a formas diretas de intervenção, como a organização e financiamento da invasão mercenária de Playa Girón em 1961. A rebeldia cubana motivou a incorporação da Nicarágua na estratégia continental norte-americana da contra-revolução.
Além das iniciativas de agressão de natureza militar, o imperialismo articulou a demagógica e reformista Aliança para o Progresso. Isto significou para a Nicarágua:
a) ingresso no Mercado Comum Centro-Americano;
b) instituição de Governo Civilista de fachada;
c) reforma agrária, cujo único objetivo fora evitar as chamadas áreas explosivas, com relação aos conflitos de terras, sem efetivamente resolver a questão agrária;
d) criação de base industrial dependente, subordinada aos capitais norte-americanos.
Outra forma de integração se deu pela “adesão’ da Nicarágua ao CONDECA, Conselho de Defesa Centro-Americano. A estratégia da contra-revolução assumira caráter militar. Seu objetivo era estabelecer uma frente militar permanente contra a revolução cubana, constituindo-se em força de intervenção destinada a sufocar os movimentos revolucionários nos países da América Central, sem que para isso fosse necessária a presença direta do exército dos EUA.
Na década de 70 outros interesses de capitais americanos aportaram na Nicarágua. Estes grupos foram conhecidos pela denominação “SUNBELT”, representantes de um capitalismo agressivo, que se vinculavam a exploração de atividades lucrativas marginais na indústria do jogo, prostituição, drogas e outras atividades relacionadas com o crime organizado. Estes capitais estavam estreitamente vinculados à era Nixon nos EUA. O milionário Hughes foi o representante maior dessa corja de sicários e bandidos, que encontrou um parceiro ideal em Somoza. Os emigrados cubanos foram os seus executivos mais confiáveis.
O legado de Sandino
É motivo ainda de discussão o comportamento de Augusto Cesar Sandino, ao aceitar o acordo que lhe foi proposto pelo governo Juan Bautista Sacasa. Este implicou numa deposição de armas sem garantias concretas, e não contemplava reformas sociais substanciais. No entanto, os motivos mais fortes devem ser buscados nos próprios limites objetivos de sua luta, e até na forma particular de Sandino compreender a realidade do seu país. Ainda não havia lugar para a percepção revolucionária da questão da luta de classes.
O pensamento de Sandino, sua experiência revolucionária, honradez, coragem, profundo amor à pátria e ao seu povo inspirou a nova geração de revolucionários nicaragüenses. Dos erros e acertos de sua conduta revolucionária foram extraídas lições importantes para a luta da Frente Sandinista contra Somoza. Em linhas gerais passamos a enumerar, com Carlos Fonseca, as lições de Sandino:
a) a luta guerrilheira como forma de luta contra o inimigo numericamente superior e melhor armado;
b) a necessidade de evitar o isolamento da luta revolucionária;
c) confiança no povo e avaliação correta do potencial de sua ira contra a opressão;
d) o programa social de Sandino, em seus pontos básicos: liberdade, soberania, independência e progresso contra a exploração, opressão e humilhação;
e) aglutinar todas as forças numa frente única para enfrentar o invasor;
f) denúncia conseqüente das farsas eleitorais;
g) inspiração na tradição patriótica nicaragüense;
h) combinar a luta nacional com a luta de outros povos oprimidos;
i) aliança operário-camponesa;
j) procurar dar tratamento diferenciado com relação ao imperialismo ianque e o povo americano;
l) fidelidade rigorosa ao acervo moral revolucionário que se afirmara pelo desinteresse de ganhos pessoais, sacrifício na luta, dignidade e solidariedade humana;
m) adoção com rigor do comportamento revolucionário com os camponeses;
n) não conciliar com os traidores e inimigos do povo.3
O material de estudo até aqui analisado nos permitiu traçar algumas considerações gerais, que servirão de referencial para a compreensão do processo revolucionário da Nicarágua. Iniciado com Sandino, esse processo atravessou fases marcadas pelo ascenso e descenso das lutas revolucionárias, culminando com a criação da Frente Sandinista de Libertação Nacional em 1961. E daí por diante, até a tomada do poder com a queda de Somoza em 1979. Em linhas gerais se conclui que:
a) a história da Nicarágua foi marcada por violentos conflitos sociais. A luta armada foi sempre a via de resolução natural desses conflitos. O povo, por sua vez, sempre teve presença marcante nesses acontecimentos;
b) no interior das classes dominantes, as facções em luta pelo poder sempre buscaram resolver suas disputas pela via armada;
c) as classes dominantes não conseguiram, em momento algum, viabilizar sua dominação pela via consensual junto as classes subalternas. A violência tornou-se a única forma de exercer o poder e manter o controle dos dominados;
d) a Nicarágua livrou-se do jugo colonial, porém não se constituiu enquanto nação soberana. A dependência econômica com relação às economias centrais, de início ligada aos interesses da Inglaterra e, posteriormente, aos EUA. A tentativa autonomista do Governo Zelaya foi frustrada. As oligarquias nacionais tinham os seus interesses estreitamente dependentes e atrelados ao imperialismo;
e) a conquista da soberania nacional passou à responsabilidade das classes subalternas, na sua luta pela libertação nacional contra a dominação imperialista. A dominação imperialista tornou-se mais transparente e cristalina com a invasão e ocupação armada dos EUA. Posteriormente, esta ocupação passou a ser exercida por nacionais, através da Guarda Nacional, a serviço da ditadura dos Somoza e do Imperialismo;
f) o nacionalismo libertário dos dominados teve em Sandino a sua manifestação mais forte e profunda. O nome de Sandino fixou-se de modo imorredouro na memória popular, inspirando a luta de resistência do povo contra a opressão;
g) o ideário de Sandino, seus ensinamentos no campo militar, sua presença viva na memória do povo, seu nome legendário forneceram os ingredientes necessários para formulação da estratégia a ser posta em prática pela nova geração de revolucionários;
h) o amadurecimento, em nível teórico e prático da nova geração de revolucionários, permitiu o resgate do legado de Sandino, à luz do marxismo revolucionário.
Referências Bibliográficas
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SELSER, Gregório. Sandino General de hombres libres. Buenos Aires: Triângulo, S. C.
_______. El pequeño ejercito loco: Sandino e la operación México - Nicarágua. Cuba: Ciências Sociales, 1961.
1 Roman, Jaime Wheelock. Imperialismmo y ditadura. Manágua: Editorial Nueva Nicarágua.
2 Roman, op. cit., p. 89.
3 Fonseca, Carlos. Obras. Tomos 1 e 2. Manágua: Editorial Nueva Nicarágua, 1985.
Versão modificada de artigo publicado na Revista Cadernos UFAC. Rio Branco (AC).
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