Alberto da Cunha Melo e Bruno Tolentino |
O poder de encantamento está entre os grandes
mistérios da poesia. Por que determinado autor fala tão próximo a esse, mas
passa indiferente aquele outro leitor? O poeta Alberto da Cunha Melo, falecido
em 13 de outubro de 2007, conheceu muitos exemplos desse fenômeno suscitado por
sua poesia. Dois, todavia, sobrepujaram as fronteiras da admiração. Um deles
foi o poeta Bruno Tolentino, que lhe apresentou ao Brasil através das páginas
das revistas Bravo! e Veja, fazendo alarde de que a melhor poesia brasileira
estava em Pernambuco e tinha um nome: Alberto da Cunha Melo; o segundo, a pesquisadora
Isabel Moliterno, lhe dedicou estudos acadêmicos que não cessam de suscitar
novas perplexidades e novas possibilidades exegéticas na vasta seara de sua obra.
Na semana passada, o Recife voltou a deparar o nome, a
saga e a obra de Alberto da Cunha Melo porque, vivo, o autor de “Oração pelo
Poema” faria setenta anos. Esse seria um motivo suficientemente justo para a
celebração de, por exemplo, uma antologia poética vazada em seus primeiros
livros, indisponíveis no mercado. Constatado isso, a designer Claudia Cordeira
– a quem Alberto cumulou de afetos no livro “Clau” (Imprensa Universitária de
Recife, 1992) – recolheu 37 poemas extraídos dos livros “Círculo Cósmico’
(1966), “Publicação do Corpo” (1974) e “Poemas Anteriores” (1989),
enfeixando-os sob o título de “Cantos de Contar” (Paés, 2012). De fato, um fio
narrativo parece amalgamar essa colheita tardia feita nas fontes primárias do
poeta.
“Cantos de Contar” não é, porém, apenas uma antologia.
Ela oferta ao leitor já familiarizado com a poesia de Alberto uma série de
desenhos que o poeta fazia nos intervalos de fastio (ou “uma compensação”) da
escrita. É bom exemplo dessa arte a esfinge em alto relevo que encima a capa
desses “Cantos” e se reproduz em seu interior. Não menos interessante é a
entrevista que Alberto concedeu a um grupo de poetas-leitores e críticos, em
2004. São eles Alcir Pécora, Alfredo Bosi, Deonísio da Silva, Anderson Braga
Horta, Astier Basílio, Domingos Alexandre, Eduardo Martins, Ermelinda Ferreira,
Evandro Affonso Ferreira, Isabel Moliterno, Ivan Junqueira, Ivo Barroso, José
Nêumanne Pinto, Mário Hélio e Martins Vasques da Cunha. Parte dessa entrevista
foi publicada na “Cronos”, revista da pós-graduação em Ciências Sociais da UFRN
(n.1/2, EDUFRN, 2000). A originalidade
desse diálogo a muitas vozes se reflete na poesia de Alberto, a que sucede,
iluminando-a.
Se faltou consenso sobre o lugar que Alberto da Cunha
Melo ocupa no cânone da poesia brasileira, traduzindo um dissenso que é próprio
a toda vida literária, em compensação não faltou quem chamasse a atenção para o
caráter central que sua poesia ocupa junto aos seus leitores. A leitura crítica
que a professora Isabel Moliterno fez do poema “Mesopotâmia” só veio confirmar a
impressão de que a poesia de Alberto reserva segredos e lições incontornáveis que
parecem falar a cada leitor em particular.
É bem possível imaginar, então, que cada uma das
pessoas que compareceram ao sarau que homenageou, no dia 4 último, o autor de
“Yacala”, no Centro Cultural dos Correios, no Recife Velho (ao qual
comparecemos juntamente com o professor Pedro Vicente Costa Sobrinho, amigo de
Alberto), tenha regressado a casa levando alguma emoção particular, fosse
inspirada na fala de Isabel Moliterno, fosse nas revelações emotivas de Claudia
Cordeiro, fosse ainda num poema interpretado em recital pela atriz Adália
Coelho Flô ou pela poeta Marcela Martinez. Que importa que a escrita de Alberto
obedeça a um padrão incomum de versificação, a que seu criador preferiu deixar
inominado? Certamente que esse modelo atendeu plenamente aos seus propósitos.
Vale observar que em “Cantos de Contar” estão resumidas três décadas de poesia.
É razoável supor que, agora, reanimada sob a forma física de livro, essa poesia
inicie um diálogo intenso com o nosso tempo.
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