“Outras Circunstâncias”, este novo livro de Pedro Vicente Costa Sobrinho, deve ser situado em seu justo lugar na obra deste autor que se coloca, por formação e temperamento, sob o signo do múltiplo e do diverso. Na verdade, trata-se de um livro que, até por contigüidade nominal, perfilha-se como extensão e continuidade de “Exercícios Circunstanciais” (l998). Em ambos, o cientista social afasta-se do rigor da cátedra para assumir um ar de informalidade que, se não desce ao tom coloquial dos corredores dos campi universitários, se despoja, no geral, do ar sisudo das salas de aula; para discorrer com cabal liberdade (e até com humor) sobre temas que fazem parte do seu repertório mais ou menos permanente de interesses, posto que extra-acadêmicos. (Nelson Patriota)
Outras circunstâncias. Pedro Vicente C. Sobrinho. João Pessoa: Editora da Universidade Federal da Paraiba, 106 p., 2002.
2 comentários:
...Você me parece uma criatura de trinta faces: professor, político, escritor, enologista, cordon-bleu, anfitrião, irreparável, botânico, editor e mais o escambau. E posso me gabar, com orgulho, de ter sido contemplado nesses ramos todos em que você se desdobra.
Francisco Dantas – romancista e ensaísta.
Um projeto em progresso...
Nelson Patriota
“Outras Circunstâncias”, este novo livro de Pedro Vicente Costa Sobrinho, deve ser situado em seu justo lugar na obra deste autor que se coloca, por formação e temperamento, sob o signo do múltiplo e do diverso. Na verdade, trata-se de um livro que, até por contigüidade nominal, perfilha-se como extensão e continuidade de “Exercícios Circunstanciais” (l998). Em ambos, o cientista social afasta-se do rigor da cátedra para assumir um ar de informalidade que, se não desce ao tom coloquial dos corredores dos campi universitários, se despoja, no geral, do ar sisudo das salas de aula, para discorrer com cabal liberdade (e até com humor) sobre temas que fazem parte do seu repertório mais ou menos permanente de interesses, posto que extra-acadêmicos.
Seccionado em três grandes blocos ensaísticos, Outras circunstâncias apresenta em sua Parte I, intitulada “de Imprensa e Mercado Editorial”, dois textos que dialogam entre si, por vezes. São eles: “Revendo uma certa literatura sobre imprensa alternativa”, espécie de separata do livro Comunicação alternativa e movimentos sociais na Amazônia Ocidental, do próprio autor, e onde repassa a vôo de pássaro o trajeto da imprensa alternativa brasileira – do Pasquim aos boletins diocesanos – das últimas quatro décadas,e “O escritor nordestino: um itinerante à procura de editor”, onde o autor desenvolve uma análise rigorosíssima da questão editorial brasileira em toda sua complexidade, com ênfase nas dificuldades enfrentadas pelo escritor nordestino para chegar ao mercado livreiro. Fala agora não apenas o sociólogo dotado de rico instrumental analítico, como Pedro Vicente se revela nos ensaios precedentes, mas principalmente o editor, com experiência adquirida à frente de várias empresas públicas e privadas no passado, e hoje concentrado na administração e gestão da Editora Universitária da UFRN, aonde vem desenvolvendo iniciativas ousadas com o intuito de modernizá-la e torná-la mais competitiva no mercado. A propósito, esse ensaio foi originalmente apresentado ao III Congresso Nacional de Escritores em Pernambuco, realizado este ano.
A parte II, denominada “De Culinária e História” tem, como sugere seu título, natureza dual, a exemplo do que acontece com o par “cinema e gastronomia” em Exercícios circunstanciais. Se já ali anunciava o autor seu vívido interesse pela matéria culinária e pelo ofício de gourmet – condição a que hoje faz jus, como o sabem os que privam do seu círculo de amizade – neste capítulo ele oferece dois breves ensaios que circunscritos inteiramente à arte de Brillat-Savarin. No primeiro, o leitmotiv é Luis da Câmara Cascudo enquanto historiador da alimentação, com ênfase no seu opus magnum, a festejada “História da Alimentação no Brasil”, mas sem negligenciar contribuições fundamentais e como que preparatórias desse grande repositório do saber gastronômico, a exemplo da Antologia da Alimentação no Brasil, bem como as obras não tão específicas mas que também tangenciam muito de perto a questão do comer e do beber. Enquadram-se nesse contexto, por exemplo, os volumes Dante Alighieri e a tradição Popular no Brasil, Made in África, Prelúdio da Cachaça e Sociologia do Açúcar. No segundo, “Uma culinária revisitada”, Pedro Vicente reporta-se a um pequeno fato ligado à sua história pessoal, quando professor de Cultura Brasileira na Universidade Federal do Acre. Procurado por um grupo de alunos de graduação para prestar-lhes uma orientação informal, impôs uma condição: ao invés de prosseguirem na pesquisa sobre manifestações da cultura popular acreana, como previa o projeto inicial, eles deveriam concentrar esforços num projeto mais objetivo: buscar manifestações da especificidade da cozinha acreana. Mas nada de precipitação: a idéia sugerida por Pedro Vicente se apoiava na sua vivência acreana, àquela altura já suficientemente consistente para incentivá-lo à busca do prato acreano típico. Mas o resultado dessa aventura na sociologia gastronômica o leitor desfrutará na leitura do mencionado ensaio...
A Parte III, sob o título de “Vária”, é reservado a textos circunstanciais propriamente ditos, isto é, textos escritos ao sabor de acontecimentos singulares não necessariamente desvinculados entre si. Nesse virtual caleidoscópio temático, aninham-se incursões pelo terreno da sociologia política: “Sobre forma e sistema de governo” e “Um olhar sobre si mesmo tendo como referência o outro”; política agrária: “De Igreja e Terra” e uma crônica da vida acreana que vale como um desagravo ao amigo e artista Emanoel Amaral.
“Outras Circunstâncias” propõe, portanto, entre outras coisas, um amplo debate sobre como retirar o escritor nordestino do limbo das edições minúsculas e das tiragens exíguas, questão que é crucial para qualquer projeto realista sobre a literatura nordestina. Mas o mesmo rigor que o norteia estende-se aos demais ensaios que compõem este volume. Pedro Vicente sabe o preço de não abdicar da lucidez ante os problemas mais árduos. Mas sabe que esse é um preço justo a pagar. Sem barganha.
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