Fernando Monteiro |
Fernando
Monteiro é um poeta e romancista pernambucano do mais alto nível (confira seus
dados biográficos no Wikipédia, na internet – aqui). Agora ele volta ao poema longo com o livro Mattinata.
Combinei com Tácito Costa, editor do blog Substantivo Plural, uma entrevista
com ele e juntos enviamos algumas perguntas ao autor.
Você
estreou na poesia em 1973 com o poema longo “Memória do Mar Sublevado”. Depois
se voltou para o romance. Recentemente retornou ao poema longo, com “Vi uma
foto de Anna Akhmátova” e “Para que ser poeta em tempos de penúria? Por que a
opção por este tipo de composição poética?
Sem
que a frase possa vir a soar vaidosa (por favor!), eu diria que fui até bem
sucedido no gênero do romance, a partir de Aspades, Ets Etc – que saiu primeiro
em Portugal, pela ótima editora do Jorge Araújo, a Campo das Letras. Deram-me o
primeiro prêmio de literatura da revista BRAVO, por ele. Depois, publiquei mais
cinco ou seis livros de ficção pela Record, Editora Globo, pela W11 e pela
Francis. Essa aparente “auto-confetagem” é só para dizer que eu poderia ter
ficado instalado confortavelmente no romance, mas de fato encheu meu saco a
montanha de romancistas que apareceu nos últimos tempos, neste Brasil de
modismos inacreditáveis. Todo mundo, neste momento, virou romancista: o
taxista, o zelador do meu prédio, Vera Fischer, Paulo Coelho e talvez o Eike
Batista também. É assim, atualmente: romancistas por todos os lados. Bem, em
vista disso (em parte), eu achei que era a hora de voltar para a poesia —
praticando o poema longo que quase ninguém pratica. É que a minha (falta de)
lógica funciona dessa estranha maneira: tenho tendência para ser multado por ir
na contramão das ondas. Por
que o livro se chama “Mattinata”? (Segundo o dicionário web, via Google: – sf 1
manhã inteira. 2 matinê.
É
o título do primeiro dos três poemas (só são três, nesse livro), justo aquele
que se passa numa manhã, bem cedo, na matinê do sofrimento humano oculto na
dobra dos versos brancos, livres, pretos, presos. Poema narrativo, como
igualmente o Vi uma foto de Anna Akhmátova, pelo qual retornei à “prima pobre
da literatura” (rs), a Poesia, há três anos.
O
trecho de “Mattinata” publicado no SP revela nuances mais existencialistas com
relação ao tempo, o que era menos explícito nos seus dois poemas longos
publicados anteriormente. Concorda com essa leitura?
Concordo,
sim. Até por definição (vinda do título), o poema pretende ser uma meditação
sobre o tempo, no sentido de relógio existencial percebido pelo Tácito Costa no
fragmento publicado nesse espaço único (na internet) que é o democratíssimo SP,
maior do que São Paulo como caixa de ressonância sob a batuta de um sutil maestro.
A
capa de “Mattinata” é de um grande artista brasileiro e seu amigo pessoal
Francisco Brennand. Como se deu essa escolha?
Brennand
é o maior artista brasileiro vivo, na minha opinião. É também um dos espíritos
mais vigilantes destes tempos de penúria em todos os níveis: cultural, moral,
política etc (exatamente o tema do terceiro — e último — poema de Mattinata). A
capa da edição portuguesa do Aspades também foi de Francisco. Por mim, todas as
capas dos meus livros seriam dele, uma honra demasiada para este amigo de FB
admirador da sua arte.
Ao
lirismo, pseudo-lirismo e confessional que dominam boa parte da cena poética
nacional, você contrapõe em “Vi uma foto de Anna Akhmátova” e “Para que ser
poeta em tempos de penúria? a crítica social, literária, de valores. Você
também dialoga com o melhor da tradição poética universal. Quem dialoga com sua
poesia?
Acho
que se o Silêncio (“toda poesia aspira ao silêncio”) quisesse dialogar comigo,
eu ficaria de joelhos, silenciosamente, diante dele. E não chamaria ninguém pra
fotografar e botar nos jornais. “Lirismo, pseudo-lirismo e confessional que
dominam boa parte da cena poética nacional”, eu não saberia descrever com
palavras mais exatas do que essas tuas, ó Carlão…
Como
vê o panorama do romance brasileiro atualmente? A premiação de autores como
Chico Buarque e Edney Silvestre, por exemplo, indica que o gosto médio
literário está se impondo a leitores e jurados?
Edney
Silvestre é um engodo e Chico Buarque — o maravilhoso compositor da MPB — é um
aprendiz de romance, sob patrocínio da Companhia das Letras (podia ser das
Casas da Banha também). Há outros engodos e outros aprendizes até piores por
aí, enchendo o saco da gente e levando os prêmios, seja por causa de olhos
verdes ou não. Melhor para eles, e pior para a literatura brasileira. Saí do
romance por causa dessa inflação de “mais do mesmo” e daí para baixo…
Tem
planos de voltar a escrever romances?
Tenho,
sim, mas isso quando alguns ótimos contistas e romancistas (sem prêmios e
outras benesses) forem devidamente reconhecidos. Quer exemplos? Francisco de
Morais Mendes, mineiro que eu não conheço pessoalmente [portanto, não há
"compadrismo" nisto], é um dos melhores contistas do Brasil, assim
como Luís Henrique Pellanda, curitibano um pouco mais jovem do que Mendes e,
talvez, um pouquinho mais afortunado, mais ainda nada que se pareça, no caso
deste e de outros talentos, com o Edneysilvestrismo dourado que vai para quem
tem jogo de cintura e mídia frouxa em favores y otras cositas mais.
A
Internet democratizou o acesso à informação e tornou mais fácil a publicação,
circulação e debate de obras literárias. A rede hoje está tomada por poetas.
Como separar o a boa poesia da má poesia nesse vasto mundo online, onde quase
todos se assumem como poetas?
Não
vai separar, pelo menos por enquanto. A internet se acha bastante ocupada,
neste momento, basicamente por amadores da poesia e da opinião. Todo mundo
é/seria poeta e crítico, nela; daí, o escorrego silogístico obriga a concluir
que, então, ninguém é/seria crítico e poeta na Internet dos amadores gritando
no deserto dos blogs com zero comentário (e outros zeros). Porém, há exceções,
é claro — pra confirmar a regra, como sempre.
Quais
são suas referências mais constantes na poesia e que poetas em atividade você
destacaria no Brasil atualmente?
Jorge
de Lima, Emílio Moura, Joaquim Cardozo e Abgar Renault, entre os modernos já
mortos. Entre as seguras e maduras (poeticamente), a vivíssima potiguar Marize
Castro. Entre os jovens, uma Mariana Iannelli.
Qual
a sua opinião sobre as feiras, festivais e prêmios literários que são
realizados em todo o país. Qual a contribuição desses eventos à literatura e à
leitura?
Nas
bienais, geralmente muito barulho de maracatu (aqui) e muitas crianças correndo
debaixo de uma espécie de cobra de pano e outros brinquedos. Dizem que é para
ir “despertando o gosto por literatura”, nelas. Acho que termina apenas
acentuando o gosto por correr, mesmo. Nas flips, flops e flups, não sei quem
peidará mais silenciosamente — flup, flop, flip — durante as animadas palestras
do interesse absoluto de companhias de letras, letrinhas e outras sopas de
palavras (normalmente) ao vento e al dente…
Você
sempre teve ligações com Natal, primeiro através do poeta Franco Jasiello,
prestou serviço à Fundação José Augusto, no tempo de Woden Madruga, e mais
recentemente com outros escritores, via Substantivo Plural. Fale-nos desse
diálogo com o pessoal de Natal.
Em
Natal, primeiro vim filmar Luiz da Câmara Cascudo, em 1974, quando este
locutor-que-vos-fala era ainda cineasta, também. As cenas tomadas naquela
ocasião estão em meu filme intitulado Oh, Segredos de Uma Raça. Cascudo foi (e
continuará sendo) um dos gênios da raça. Depois, conheci o ótimo poeta,
cavalheiro e homem gentil e fraterno que foi Franco Maria Jasiello, que me
apresentou a Woden Madruga, o saudoso Luís Carlos Guimarães (grande poeta),
Paulo de Tarso, Tarcísio Gurgel, Nelson Patriota, Ivan Maciel, Tácito Costa,
Pedro Vicente Sobrinho, Dácio Galvão, Vicente Serejo e outros amigos. Mais
recentemente, Jarbas Martins, Lívio Oliveira, Laurence Bittencourt, vosmicê, o
seu Alex e outros se somaram à minha legião de amigos, nesta cidade luminosa
como a Toscana. E viva e ainda bolindo, apesar das Micarlas… Porém, elas
passarão, passarinho, e a bela Natal continuará igual a si mesma, na luz que
não se apaga.
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