O que um antigo
questionário popularizado pelo escritor Marcel Proust, no começo do século
passado, em Paris, tem a dizer aos tempos de hoje? Para o poeta Diógenes da
Cunha Lima, se ampliado e adaptado, pode revelar as matrizes do afeto e até
mesmo o pensamento vivo que está por trás das obras dos escritores.
Com esse propósito, ele
aplicou a um grupo de poetas, pesquisadores, ensaístas e ficcionistas, um
conjunto de indagações cobrindo assuntos pessoais, filosóficos, religiosos e
mundanos, na busca de conhecer mais intimamente cada um dos entrevistados. São
norte-rio-grandenses como Ana Maria Cascudo, Sônia Fernandes, Paulo de Tarso
Correia de Melo, Nilson Patriota, Pedro Vicente Costa Sobrinho, Manoel Onofre
Jr., Sílvio Caldas, Nei Leandro de Castro, Murilo Melo Filho, Kerubino
Procópio, Ivan Lira de Carvalho;
pernambucanos como Edson Nery da Fonseca e José Paulo Cavalcanti Filho,
e ainda de outros estados, como Ivo Barroso, Ático Vilas-Boas, Constância Lima
Duarte, Marco Lucchesi, totalizando 31 nomes.
Nada menos do que 72
questões foram propostas aos entrevistados, abordando coisas como gostos,
preferências, fantasias, convicções, intuições e aspirações. Um campo vasto,
portanto, para indagações. Umas fáceis de responder, outras, embaraçosas. No
primeiro caso, um vasto leque de perguntas que indagam sobre a cor favorita, a
comida favorita, a flor preferida, a árvore admirável, um filme, três palavras
bonitas etc. No segundo caso, que coincide com a progressão do questionário, o
entrevistado tem de dar tratos à bola para se desembaraçar de perguntas como:
“solidão é conquista ou derrota?”, “que outro dom Deus poderia de ter dado a
você?”, “Quem você gostaria de ser sido?”, “Como você sonha a felicidade?”,
entre outras.
Ainda assim, a grande
maioria dos entrevistados encontrou respostas e argumentos “razoáveis”. E até
de forma espirituosa, como responde Ivo Barroso sobre “um ditado popular”:
“Para bom entendedor, pingo é letra”, ou Antônio da Cunha Pessoa sobre o tema
“um aforismo”: “Viva o paraíso, mas o mais tarde possível”. Um humor sutil
embasa a resposta de Kerubino Procópio à
questão “qualidade superior em uma mulher”. Sua resposta: “ser do sexo oposto”.
Alguns temas, porém,
servem para trazer à luz divergências irreconciliáveis entre os entrevistados.
É o que acontece com a pergunta: “O computador mudou sua vida?”. Um é taxativo: “Não tenho computador” (Manoel
Onofre Jr.). Já a escritora Sônia Fernandes
Ferreira generaliza: “muda a vida do mundo”, enquanto Marco Lucchesi
contemporiza: “muda. Não muda”.
Outros entrevistados
imprimem um viés filosófico às suas respostas, como Ivo Barroso descrevendo sua
visão de Deus: “O ser humano levado à perfeição”, ou Marco Lucchesi: “só o
excesso merece perdão” (sobre “daria indulgência a que falhas humanas?”); há os
niilistas, como o faz Antônio da Cunha Pessoa sobre a fé: “Um ato de vontade
que não mais me seduz”. Nem falta a resposta paradoxal, como a de Pedro Vicente
Costa Sobrinho sobre “o que mais importa a você como profissional?”: “Evitar
ser um profissional”.
Afora seu diletantismo naïf, o jogo de perguntas e respostas
que secunda o livro deixa entrever um pouco do espírito de nossa época, marcada
pelo predomínio do dissenso acerca de quase tudo que consideramos importante na
vida.
A íntegra desse
trabalho está enfeixada n “O Livro das Revelações” (que, não obstante o eco
bíblico, nada tem de apocalíptico), cuja coordenação é do escritor Diógenes da
Cunha Lima. Seu lançamento aconteceu na segunda-feira (1º julho), às 18h,
na Academia Norte-rio-grandense de Letras. Pena que o próprio autor, poeta e
frasista consabido, não tenha contribuído com suas próprias respostas às
perguntas que fez aos amigos de seleção. Teria sido uma contribuição sugestiva,
decerto.
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