segunda-feira, 15 de julho de 2013

Artigos - Diógenes abre o seu Livro das Revelações – Nelson Patriota




 
O que um antigo questionário popularizado pelo escritor Marcel Proust, no começo do século passado, em Paris, tem a dizer aos tempos de hoje? Para o poeta Diógenes da Cunha Lima, se ampliado e adaptado, pode revelar as matrizes do afeto e até mesmo o pensamento vivo que está por trás das obras dos escritores.

Com esse propósito, ele aplicou a um grupo de poetas, pesquisadores, ensaístas e ficcionistas, um conjunto de indagações cobrindo assuntos pessoais, filosóficos, religiosos e mundanos, na busca de conhecer mais intimamente cada um dos entrevistados. São norte-rio-grandenses como Ana Maria Cascudo, Sônia Fernandes, Paulo de Tarso Correia de Melo, Nilson Patriota, Pedro Vicente Costa Sobrinho, Manoel Onofre Jr., Sílvio Caldas, Nei Leandro de Castro, Murilo Melo Filho, Kerubino Procópio, Ivan Lira de Carvalho;  pernambucanos como Edson Nery da Fonseca e José Paulo Cavalcanti Filho, e ainda de outros estados, como Ivo Barroso, Ático Vilas-Boas, Constância Lima Duarte, Marco Lucchesi, totalizando 31 nomes.

Nada menos do que 72 questões foram propostas aos entrevistados, abordando coisas como gostos, preferências, fantasias, convicções, intuições e aspirações. Um campo vasto, portanto, para indagações. Umas fáceis de responder, outras, embaraçosas. No primeiro caso, um vasto leque de perguntas que indagam sobre a cor favorita, a comida favorita, a flor preferida, a árvore admirável, um filme, três palavras bonitas etc. No segundo caso, que coincide com a progressão do questionário, o entrevistado tem de dar tratos à bola para se desembaraçar de perguntas como: “solidão é conquista ou derrota?”, “que outro dom Deus poderia de ter dado a você?”, “Quem você gostaria de ser sido?”, “Como você sonha a felicidade?”, entre outras.

Ainda assim, a grande maioria dos entrevistados encontrou respostas e argumentos “razoáveis”. E até de forma espirituosa, como responde Ivo Barroso sobre “um ditado popular”: “Para bom entendedor, pingo é letra”, ou Antônio da Cunha Pessoa sobre o tema “um aforismo”: “Viva o paraíso, mas o mais tarde possível”. Um humor sutil embasa a resposta de Kerubino  Procópio à questão “qualidade superior em uma mulher”. Sua resposta: “ser do sexo oposto”.

Alguns temas, porém, servem para trazer à luz divergências irreconciliáveis entre os entrevistados. É o que acontece com a pergunta: “O computador mudou sua vida?”.  Um é taxativo: “Não tenho computador” (Manoel Onofre Jr.). Já a escritora Sônia Fernandes  Ferreira generaliza: “muda a vida do mundo”, enquanto Marco Lucchesi contemporiza: “muda. Não muda”.

Outros entrevistados imprimem um viés filosófico às suas respostas, como Ivo Barroso descrevendo sua visão de Deus: “O ser humano levado à perfeição”, ou Marco Lucchesi: “só o excesso merece perdão” (sobre “daria indulgência a que falhas humanas?”); há os niilistas, como o faz Antônio da Cunha Pessoa sobre a fé: “Um ato de vontade que não mais me seduz”. Nem falta a resposta paradoxal, como a de Pedro Vicente Costa Sobrinho sobre “o que mais importa a você como profissional?”: “Evitar ser um profissional”.

Afora seu diletantismo naïf, o jogo de perguntas e respostas que secunda o livro deixa entrever um pouco do espírito de nossa época, marcada pelo predomínio do dissenso acerca de quase tudo que consideramos importante na vida.

A íntegra desse trabalho está enfeixada n “O Livro das Revelações” (que, não obstante o eco bíblico, nada tem de apocalíptico), cuja coordenação é do escritor Diógenes da Cunha Lima. Seu lançamento aconteceu na segunda-feira (1º julho), às 18h, na Academia Norte-rio-grandense de Letras. Pena que o próprio autor, poeta e frasista consabido, não tenha contribuído com suas próprias respostas às perguntas que fez aos amigos de seleção. Teria sido uma contribuição sugestiva, decerto.

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