segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Livros – Capital e Trabalho na Amazônia Ocidental (Pedro Vicente Costa Sobrinho) – Apresentação de José Paulo Netto.



O texto que o leitor tem nas mãos surgiu de uma dissertação de mestrado, orientada pelo Professor Octávio Ianni e apresentada em finais de 1991 ao Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Esta indicação é importante: não se trata de mais uma dissertação original, construída segundo os rígidos padrões académicos, e sim de um texto produzido para aqueles que, interessados em compreender a realidade da Amazónia Ocidental, exigem clareza na exposição e rigor na informação, mas dispensam as formalidades típicas da escritura universitária. Em função desses leitores, o livro de Pedro Vicente é mais que suficiente: oferece, sem quaisquer dúvidas, uma efetiva contribuição à história social e às lutas sindicais no Acre.

Três traços caracterizam este trabalho de Pedro Vicente. O primeiro refere-se ao trato — seletivo, sóbrio e competente — da parca, embora crescente, bibliografia relativa ao tema: o autor, sem o alarde costumeiro dos que pretendem ostentar erudição, faz dela apenas a síntese necessária ao patamar de que arranca a sua inves­tigação. O segundo diz respeito à pesquisa dita de campo: poucos estudiosos mergulharam tão a fundo no seu objeto como Pedro Vicente — suas constatações são produto de um conhecimento também direto do Acre, de sua história e do seu povo, dos seringais e dos seringueiros, trabalhadores aos quais se une por laços que transcendem de longe a curiosidade folclórica ou o empenho académico. O terceiro vincula-se à perspectiva política do autor: na ausência (felizmente) de uma profissão de fé explícita, o que atravessa todo o texto é uma clara opção por aqueles que Florestan Fernandes chama "os de baixo", os explorados, e não por um qualquer compromisso ético (por mais generoso e preciso que este possa ser), mas por convicções políticas inferidas de tendências históricas concretas.

O resultado da confluência desses traços é este livro: um exemplo bem-sucedido de que a pesquisa de campo pode ultrapassar a coleta de dados (por mais preciosos que sejam, como o são neste caso) na arquitetura de um painel, mesmo exploratório — e, pois, sujeito a correções —, que ofereça indicações crítico-analíticas. Porque há, de fato, uma "tese" no trabalho de Pedro Vicente: nas condições peculiares da Amazónia Ocidental, os parâmetros de análise que dão conta do movimento sindical do Centro-Sul revelam-se pouco verazes — na Amazónia Ocidental, é o "campo" que desata a mobilização na "cidade". Tese de algum modo problemática, mas verdadeiramente instigante. E tanto mais quanto se revela a partir de bases factuais — neste livro, pela primeira vez ordenadas sistematicamente — que parecem solidamente estabelecidas.

Cabe destacar, aliás, que um conhecimento adequado da realidade brasileira está a exigir, cada vez mais, investimentos de pesquisa como o realizado por Pedro Vicente. A investigação das peculiaridades regionais torna-se hoje, mais que nunca, imperiosa para o desvendamento da concreta particularidade da formação econômico-social brasileira. Tal desenvolvimento, sabe-se, não resultará do acúmulo de análises regionais, mas, indubitavelmente, requisita-o urgentemente. Neste sentido, o trabalho cristalizado nestas páginas — além de se constituir, a partir de agora, numa referência obrigatória para o avanço do conhecimento dos processos históricos característicos da Amazónia Ocidental — assinala um momento privilegiado de um movimento que, promissor, já é amplamente constatável em signi­ficativos estratos da intelectualidade brasileira. Com efeito, nos anos recentes multiplicaram-se estudos centrados em peculiaridades regio­nais que, tratados criticamente, com certeza fornecerão os suportes para infirmar as teses generalizantes (quase sempre indevidamente generalizantes) que, ignorando aquelas peculiaridades, pretenderam solucionar a particularidade nacional na dissolução das suas diferenças internas. É neste movimento maior, não casualmente operado por trabalhadores intelectuais de núcleos e universidades "periféricos", que se inscreve esta pesquisa de Pedro Vicente — e que, por isto mesmo, tem interesse para além do estudo especifico da Amazónia Ocidental.


Penso que a inteira apreciação do esforço do autor será facilitada se o leitor considerar que a profunda empatia de Pedro Vicente para com o seu objeto é também a expressão do seu itinerário existencial. Este nordestino de nascimento não escolheu a história das lutas sindicais no Acre como matéria de análise por razões acidentais; ao contrário, no seu próprio roteiro de vida, há como que uma simetria com a trajetória dos "soldados da borracha", que ele reconstruiu com tanto afeto. Afinal, há três lustros em Rio Branco, Pedro Vicente — que, antes de ser um académico e um ativista político, é um vigoroso agitador cultural (em todas as acepções que estas palavras podem comportar) — refez, por sua conta e num tempo histórico diverso, o caminho daqueles que levaram para o território distante a sua disposição de trabalho, a sua capacidade de luta e os seus sonhos.


É por isto que, ademais de ser um empenho analítico, este livro é também um testemunho de solidariedade com uma terra e uma gente que, para Pedro Vicente, se converteram em sua terra e sua gente.



José Paulo Netto










José Paulo Netto, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); é autor, entre outros livos, de Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64 e Capitalismo Monopolista e Serviço Social.








Nenhum comentário: