terça-feira, 3 de novembro de 2009

ENTREVISTAS - Escritor Lívio Oliveira entrevista PEDRO VICENTE COSTA SOBRINHO SOBRE SUA BIBLIOTECA

 


A BIBLIOTECA DE PEDRO VICENTE COSTA SOBRINHO

Os livros como objetos físicos não perecerão para serem substituídos por sinais eletrônicos lidos em luminosas telas que cabem na palma da mão. Tampouco desaparecerão as livrarias. Mas doravante passarão a coexistir com um vasto catálogo multilíngüe de textos digitalizados, compilados de uma profusão de fontes talvez “etiquetados” para uma fácil referência e distribuídos eletronicamente. (Jason Epstein, in O Negócio de Livros)

Sou dos que pensam que para ingressar em uma biblioteca há de se ter apetite.
O apetite do livro é essencial para que se obtenha desse objeto de prazer o máximo que ele pode dar. Das suas cores, da sua visão, do seu toque, dos seus ensinamentos, do seu sabor enfim.

A biblioteca de Pedro Vicente é dessas que nos fornecem essa acentuada fome, esse saliente apetite, logo que nela entramos. E, dentre os vários motivos para isso, também o coincidente fato de que as primeiras estantes que visualizamos no apartamento da Candelária são justamente relativas à culinária e bebidas, principalmente vinhos.

Estante com livros de Gastronomia

Basta - para a demonstração cabal de seu interesse pelo tema a que aderiu em sua passagem pelo Norte do país - dizer que Pedro Vicente já chegou a colecionar cardápios de restaurantes, no seu périplo de gourmet e estudioso de comidas e bebidas do Brasil e do mundo. O paladar, portanto, se aguça logo no inicio de nossa conversa em companhia do poeta Volonté.

Estante com Dicionários

Pedro lembra, ao exibir as salas que contêm sua biblioteca, que o homem, o indivíduo, tende a sucumbir frente ao acervo de livros que forma, quando esse obtém uma dimensão acentuada: ”Edson Nery costuma dizer que foi derrotado por sua biblioteca. É essa a sensação que tenho todos os dias”.

É, certamente, uma derrota com sabor de vitória, frente ao que se vê na importante biblioteca em que adentramos.

Nas estantes que se seguem às de culinária, encontram – se inúmeras obras de referência, diversos dicionários, dentre os quais o Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil, de Francisco de Assis Carvalho Franco, na sua primeira edição de 1953.

O Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, em primeira edição esgotada de 1984, hoje já reeditado pela Fundação Getúlio Vargas é, também, obra de importância, assim como a edição bilíngüe: português-inglês, da Bibliographia Brasiliana, de Rubens Borba de Moraes, editada em Los Angeles, Califórnia, 1983.


A Bibliografia Crítica da Etnologia Brasileira, de Herbert Baldus, em primeira edição de 1954, é descrita por Pedro como sendo a primeira obra de importância a fazer citações e referenciar Câmara Cascuda como um dos grandes pesquisadores brasileiros nessa área.

O Dicionário das Plantas Úteis do Brasil e das Exóticas Cultivadas, em seis volumes, escrito por M. Pio Corrêa, é obra que considera da maior relevância e que deveria ser mais consultada no Brasil e no mundo.


Estantes de Ciências Sociais
Nesse ambiente de mais de seis mil livros, pode- se ver com destaque uma edição das Fábulas de La Fontaine, de 1886, traduzidas pelo Barão de Paranapiacaba, em dois volumes dedicados a Pedro II.

Outra curiosidade que logo nos enche os olhos é o exemplar do livro Deserdados, romance sobre os seringais da Amazônia, na primeira edição de 1922, e que se constitui como obra de grande importância quando se trata daquela região do país.

O Mestre e Margarida, de Mikhail Bulgákov, russo, é uma histórica critica ao Stalinismo, interessantemente editada, nestas plagas, por Aluísio Alves, nos anos setenta, estando na biblioteca.

Falando de Aluísio Alves, o entrevistado lembra que através dos textos de Antonio Carlos Vilaça passou a ter o maior interesse por pesquisar a vida de um relevante companheiro daquele na velha UDN: Carlos Lacerda. “Retomei a leitura de sua obra e reavaliei a sua importância na vida social e política do país. Passei a admirá-lo como homem da política, das letras e, até, das artes plásticas, uma vez que pintor de importância reconhecida por alguns críticos nacionais”.

Estantes de Ciências Sociais

Pedro Vicente também é grande apreciador de poesia, possuindo quase toda a coleção de obras completas da editora Aguilar e da Nova Aguilar, bem como o que de melhor se produziu no Rio Grande do Norte, na Paraíba e em Pernambuco, no que respeita a essa seara. Acerca de poesia, faz questão de lembrar nomes de alguns poetas pernambucanos que aprecia, eximindo-se de tratar de nomes potiguares, onde as amizades estão mais próximas e mais atentas. Cita: Marcus Accioly, Jaci Bezerra Lima e Alberto da Cunha Melo.

Dos poetas brasileiros, considera que são dois os grandes estilistas: Augusto dos Anjos e João Cabral de Melo Neto.


Estantes de Poesia e Literatura



Não considera Pedro que sua biblioteca seja caracteristicamente temática. Antes, considera-a eclética. De sabores diversos, certamente, porém, bem escolhidos: “Há uma eleição permanente na minha biblioteca. Busco o fundamental nas áreas que me interessam. E tenho aqui os autores e livros que considero essenciais. E considero essenciais Proust e Balzac; Joyce, Flaubert, Stendhal, Eugenio Montale também não me podem faltar. Não posso renunciar ao que há de mais significativo em Cascudo, Darcy Ribeiro(obra romanesca e sociológica), e no grande Gilberto Freyre.

Aliás, de Gilberto Freyre, dentre as diversas obras que possui na biblioteca, Pedro me exibe, orgulhoso, uma edição comemorativa dos oitenta anos da sua obra- prima Casa Grande e Senzala, com dedicatória para Oscar Mendes, importante crítico literário.

De Florestan Fernandes, outro “essencial”, a biblioteca comporta quase toda a obra.

A biblioteca é, de fato, eclética, possuindo outras diversas seções, tais como de política, antropologia, sociologia, e tendo inclusive uma história curiosa que comporta diversas fases vivenciadas por Pedro Vicente e de que vale a pena tecer um ligeiro relato.

Estantes de Ciências Sociais e Biografias

A biblioteca atual já comportou vastas seções de cinema e de literatura, ambas doadas a entidades do Acre, onde viveu e deixou uma grande parte do acervo.

A verdade é que a atual biblioteca de Pedro está talvez, em sua sexta etapa, a se contar do momento em que possuiu o seu primeiro acervo de livros herdados do primo macauense João Vicente Costa; onde existiam exemplares importantes da literatura brasileira, principalmente poesia romântica e parnasiana, constituindo-se na época e para a cidade de Jaboatão uma “assombrosa” coleção de perto de quatrocentos livros.

Os quadrinhos também ajudaram na formação da biblioteca e foram numerosos. Pedro juntava dinheiro na sua adolescência para comprar revistas em quadrinhos de toda a sorte.


Quando seu pai se mudou para a cidade de Ribeirão-PE, na mata sul da cana-de-açúcar daquele estado, não havia condição para a compra de livros. Passou, então, a solicitar livros por reembolso postal, vendendo-os também a pessoas da cidade e passando a formar uma biblioteca com os livras ofertados pela editora Ediouro, antes denominada Gertum Carneiro, como prêmio pelos livros vendidos. Quando voltou para Jaboatão já possuía aproximadamente oitocentos livros.

Em Jaboatão assomou aos livros os cartazes de cinema que comprava aos projetadores de filmes.

A teoria e a prática políticas passaram a lhe impressionar a época: “comprei muitos livros marxistas da editora Vitória. Veio o golpe de 1964 e meu pai, cioso de minha segurança, com medo da repressão, tendo eu fugido para o Rio Grande do Norte, queimou, indistintamente, todos os meus livros. Ai findou minha primeira biblioteca”. Diz, sem aparência de grande pesar.

Passei a recompô-la. Prossegue, com a ciência de ter conseguido resgatar boa parte do acervo perdido, no depósito da Civilização Brasileira, no Rio de Janeiro.

Estantes de Poesia e Literatura

Em 1967 saí do Rio de Janeiro para Moscou, onde fez um curso de cunho marxista. Sua biblioteca ficou com mãe de sua ex- esposa. Parte dos livros desapareceu, principalmente os livros que tratavam da teoria marxista.

Retorna Pedro Vicente em 1968, para trabalhar na Imprensa Oficial. Depois na Tipografia Relâmpago, Fundação José Augusto e no IDEC, até o ano de 1978; quando vai para o Acre, onde dirigiu o SESC/SENAC, tendo de se desfazer de grande parte da biblioteca, levando na bagagem somente uns seiscentos a oitocentos volumes. Historia: “no Acre, a minha biblioteca cresceu muito, face á melhor situação econômica em que me achava e também pelo espaço que eu tinha lá em casa. A minha biblioteca era maior que a atual. Lá também montei a livraria Casarão, em prédio de construção em madeira que servira de residência a um ex-governador do antigo território do Acre”.

Em 1983 vai para a PUC-SP e empresta boa parte da biblioteca a um colégio acreano.

“No Acre formei uma boa ‘Amazônica', e foi lá que passei a me interessar por comida, intelectualmente”. Demonstrou a sua predileção, e mostrou-me um exemplar de A Culinária Acreana, pesquisa mimeografada que foi realizada por alunos da UFAC, sob sua orientação, e que pensa transformar em livro, quando passará a ter o titulo: Culinária da Amazônia Ocidental.

Ao retornar do mestrado em São Paulo, no ano 1985, trouxe inúmeros livros ali adquiridos.

Estantes de Comunicação e Artes

Em 1992 começa a transferência da biblioteca acreana para Natal, o que trouxe estorvos diversos, constituindo-se em verdadeira epopéia. A biblioteca ficou durante oito meses em um depósito, sem cuidados e em piso úmido. Quando conseguiu fazer com que os livros viessem - para isso contou com a importante ajuda do amigo Homero Costa, que vivia no Acre - todos os volumes que se encontravam nas caixas de baixo estavam emprestáveis.

Algumas perdas do “acidente” do Acre foram demasiadamente sentidas, tal como o livro Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte, editora Perspectiva, com dedicatória de Paulo Emílio Salles Gomes. Tenho saudades e não consigo mais reencontrar.

Estantes de CDs deMúsica Erudita e Vídeos de Clássicos do Cinema 

Enquanto dou uma última olhada na História Geral da Civilização Brasileira, em doze volumes organizados por Sérgio Buarque de Holanda, avisa-me o visitado que a sua biblioteca, apesar dos percalços, continua crescendo hoje, principalmente nos temas relativos à culinária e aos vinhos, além da poesia do Rio Grande do Norte. Para isto, se socorre das livrarias e sebos (Abimael é um sebista qualificado.) daqui e “dalhures.” A minha biblioteca pára de crescer quando eu compro vinhos. É o que diz minha mulher”.

De fato. Naquela biblioteca não devem faltar bons momentos para se erguer um brinde!


A entrevista que está disponível neste blog, foi feita e textualizada pelo poeta Lívio Oliveira, e publicada inicialmente no jornal O GALO. E depois, foi incluída no livro Bibliotecas Vivas do Rio Grande do Norte, com outros textos de igual teor; de autoria de Lívio Oliveira, e editado pelas Edições Sebo Vermelho: Natal (RN), 2005. Veja na secção Comentários, a resenha crítica do livro
escrita por Alexandro Gurgel.

3 comentários:

Anônimo disse...

AH! PEDRO, QUE BELEZA DE APARTAMENTO VOCÊ CEDEU AO SEU AMIGO ACREANO - ELSON MARTINS E SUA FAMÍLIA, PARA ESSA TEMPORADA EM NATAL! IMAGINE, UMA VERDADEIRA EPOPÉIA PARA ABRI-LO. CAMILO BARRETO TEVE MAIS AGILIDADE E CONSEGUIMOS ENTRAR E INVADIR SEU ESPAÇO. A BELEZA E O BOM GOSTO IMPERANDO NOS MÓVEIS, NAS RICAS TELAS, NAS BOAS ALMAS SOBREVOANDO E APLAUDINDO O SEU GESTO DE AMOR. VALEU PEDRO, SUA CONFREIRA ANNA CASCUDO AO SENTAR-SE NUM DOS ESTOFADOS, RESPIROU FUNDO DISSE: "VIEMOS TANTAS VEZES AQUI. PEDRO PREPARAVA CADA COISA SABOROSA!!!". VOCÊ, PEDRO É UM GRANDE AMIGO! www.outraseoutras.blogspot.com

Anônimo disse...

Alexandro Gurgel


Um olhar sobre as bibliotecas potiguares

Depois de vários anos entre milhares de livros, pesquisando as principais bibliotecas particulares do Estado, o poeta Lívio Oliveira lança o livro “Bibliotecas Vivas do Rio Grande do Norte”, pela editora Sebo Vermelho. O livro é um mergulho nas bibliotecas de grandes intelectuais potiguares como: Otto Guerra, Vicente Serejo, Diógenes da Cunha Lima, Pedro Vicente da Costa Sobrinho, Paulo de Tarso Correia de Melo, Inácio Magalhães de Sena, Manoel Onofre Júnior, Sanderson Negreiros, Homero Costa, Câmara Cascudo e Francisco Fernandes Marinho, num total de 11 grandes bibliotecas.

De acordo com o autor, o objetivo da obra é conhecer, através do trato com os livros, melhor a personalidades dos intelectuais. “A biblioteca é o lugar mais íntimo do homem. Suas escolhas livrescas mostram um pouco da sua personalidade literária”, disse Lívio, enfatizando que pesquisou um acervo de 120 mil livros.

Lívio Oliveira reforça a idéia de que seu livro é mais um projeto de divulgação dessas grandes bibliotecas e não um aprofundamento na pesquisa bibliotecária. Ele afirmou que o amor que os intelectuais dão aos seus livros é o que faz a tônica do livro. “Queria ver o que havia de comum na essência dessa loucura por livros”, explicou.

Para a escolha dos livros que compõem as bibliotecas, todos os intelectuais têm seus métodos: Otto Guerra tem uma predileção pela seca e o clima semi-árido; Vicente Serejo pelos modernistas; Inácio Magalhães por temas religiosos; Diógenes da Cunha Lima por Camões; Paulo de Tarso por literatura inglesa e outros clássicos universais; Homero por história e ciências políticas; Manoel Onofre por literatura potiguar; Pedro Vicente por gastronomia e literatura sobre vinhos; Francisco Marinho tem a maior biblioteca sobre o RN e os obras feitas no Estado; Sanderson Negreiros é o mais generalista de todos e Câmara Cascudo tem uma biblioteca voltada ao folclore e demais assuntos sobre antropologia e sociologia. “Todos têm uma predileção por Cascudo e o considera uma espécie de guru intelectual”, afirmou.

Em se tratando de organização e cuidados específicos com os livros, a biblioteca de Vicente Serejo é a mais organizada. Mas, em termos de desorganização e paixão pelos livros, a de Inácio Magalhães de Sena chama atenção. Em quantidade de obras, as bibliotecas de Homero Costa e Otto Guerra são as que exibem maior número de livros. Lívio disse que todas as bibliotecas visitadas são especialíssimas no seu íntimo e nenhum dos seus donos considera a hipótese de uma substituição dos livros pelo computador. “A rede da Internet não supera minha rede de dormir”, disse o poeta Diógenes da Cunha Lima, fazendo uma alusão ao livro “Rede de Dormir”, de Cascudo.

Sobre o que acontecerá com a biblioteca depois da sua morte, o presidente da Academia Norte-riograndense de Letra diz que dilapidar sua biblioteca é rasgar seu próprio corpo, dando a entender que seus livros estarão juntos após sua morte. Já o escritor Inácio Magalhães de Sena não demonstra muita preocupação com o destino dos seus livros e afirma: “Minha biblioteca é para minha vida”. Atualmente, a biblioteca de Otto Guerra é um instituto, tendo a frente Marcos Guerra, seu filho.

Segundo o escritor de “Bibliotecas Vivas do Rio Grande do Norte”, todos eles abriram as portas das suas casas sem impor restrições. Uma das pesquisas que mais o emocionou foi durante uma visita à biblioteca de Câmara Cascudo. “Daliana me recebeu muito bem e fiquei comovido com paixão pela qual ela cuida das coisas do avô. Acho que Cascudo é maior agora do que antes de morrer e ela é uma das responsáveis pela continuidade do ideal cascudiano, projetando sua obra para o mundo”, declarou.

Lívio Oliveira acredita que cumpriu bem sua missão de mostrar e divulgar o acervo de algumas das melhores bibliotecas do Estado. Porém, ele tem a consciência de que outras bibliotecas importantes precisam ser pesquisadas em Natal e no interior, como é o caso da biblioteca de Dorian Jorge Freire, Vingt Un Rosado, Elder Heronides, Raimundo Soares de Brito, Américo de Oliveira, só para citar alguns nomes.

“Bibliotecas Vivas do Rio Grande do Norte” é mais um lançamento da editora Sebo Vermelho, fazendo parte da coleção João Nocodemos de Lima. É também um livro inédito no Brasil, no que se refere a acervos particulares. Pedro Vicente, sociólogo e professor universitário, disse que o livro está sendo comentado na União Brasileira de Escritores (UBE), devido a sua importância. Depois de lançar o livro em Natal, o autor pretende apresentá-lo em Mossoró e Caicó.

Anônimo disse...

Pedro,

Li nas recentes investidas da PF contra corruptos algo acerca de sinais externos de riqueza. Pois ao ver este texto sobre sua biblioteca, com alguns detalhes de suas andanças pela vida, cheguei a conclusao que a biblioteca de um homem como voce sao os verdadeiros sinais externos de riqueza interior!

Um abraço,
Carlos