Raimundo, Jaime Araújo, OSMARINO, Soeiro Kaxinawá, Chico Mendes, Zé Correia |
Nessa última semana foi
destaque na imprensa acreana a apreensão de madeira realizada em minha
colocação na RESEX Chico Mendes por fiscais do ICMBIO, em conjunto com
funcionários da prefeitura de Brasiléia, acompanhados pela Polícia Federal.
Chamou-me a atenção a quantidade de imprecisões que pude identificar nessa
cobertura jornalística. A começar pelo fato de terem se referido a mim como
“ambientalista”, coisa que nunca fui, e como “ex-assessor” de Chico Mendes,
fazendo parecer que, ao invés de liderança de um movimento social, Chico tenha
sido mais um desses políticos que se cercam de amigos e parentes a quem
distribuem cargos de confiança. Na verdade, de Chico Mendes fui companheiro na
luta pela permanência dos seringueiros nas terras das quais estávamos todos
sendo expulsos naquela época (processo que, ao que tudo indica, segue
acontecendo em toda a Amazônia, incluindo o Acre). Quando nosso movimento
ganhou repercussão nacional e internacional, vieram nos dizer que estávamos
lutando pelo meio ambiente. Num primeiro momento, não sabia do que se tratava
essa tal de ecologia, pensei que talvez fosse uma “sobremesa”. Para mim e para
os demais, incluindo não só Chico Mendes, mas a outra centena morta pelo latifúndio,
nossa luta tinha mais em comum com os sem terra do sul do país do que com que
essa conversa de salvar a floresta pra conter o aquecimento global. Queríamos a
floresta em pé, mas com os seringueiros morando nela, tirando dali seu
sustento, colocando seu roçado, caçando, pescando e derrubando madeira pra suas
necessidades do dia-a-dia (carvão pra cozinhar, tábuas pra fazer casa, estaca
pra fazer cerca, etc.).
Para isso elaboramos a
proposta de criação das Reservas Extrativistas, como uma forma de Reforma
Agrária adaptada às necessidades dos Povos da Floresta, inspirada também na
luta dos indígenas pela demarcação de seus territórios. Participei de todo esse
processo, estive diante do presidente José Sarney quando ele assinou o decreto
de criação da RESEX Chico Mendes. Foi uma vitória do nosso movimento. Tínhamos
nosso pedaço de terra e autonomia pra decidir como usá-lo, de acordo com o
plano de utilização feito com nossa participação, conforme nossas tradições e
necessidades
Mas o tempo passou e perdemos
essa autonomia. Quando foi criada a lei do Sistema Nacional de Unidades de
Conservação, o controle da RESEX passou para um Conselho Deliberativo onde
opinam muitos técnicos e outras pessoas que não vivem na Reserva e, ao que
parece, não enxergam com bons olhos nossa permanência na floresta. A
sobrevivência do seringueiro, do trabalhador extrativista, não é mais a
preocupação central. Pelo contrário, de defensores da floresta, de mártires que
impediram o avanço das grandes pastagens, lutando contra as queimadas e o corte
raso, passamos a criminosos ambientais. Porque a acusação feita a mim é apenas
mais um capítulo da batalha que vem sendo travada entre os moradores da RESEX e
a legislação criminalizadora, imposta contra nossas práticas, aplicada sem dó nem
piedade pela fiscalização truculenta do ICMBIO. Qualquer jornalista minimamente
interessado em trazer a público a situação pode entrevistar extrativistas que
se sentem intimidados, humilhados, perseguidos pelos funcionários desse órgão
que, pra nossa desgraça, recebeu o nome de nosso companheiro Chico Mendes.
Esses fiscais mostram suas armas como ameaças veladas, mas vêm a público,
conforme já fui divulgado pela imprensa, afirmar que estão sendo ameaçados de
morte.
A propósito, o fiscal que
apreendeu a madeira em minha colocação já me denunciou no passado à Polícia
Federal, alegando que eu havia afirmado, em uma Assembleia na Associação do
Seringal Humaitá, que iria “levá-lo pra cova”. Todas as testemunhas ouvidas
pelo delegado afirmaram que eu não havia feito essa ameaça, mas que havia
afirmado que qualquer multa aplicada pelo ICMBIO “os moradores da RESEX vão
levar pra cova”. Simplesmente porque não têm dinheiro para pagá-las! O mesmo
fiscal fez outra denúncia à Polícia Federal, afirmando que eu sou servidor
público (o que seria usado para questionar minha permanência na RESEX).
Novamente, a alegação se mostrou sem fundamento. Como há uma série de pessoas
insatisfeitas com a atuação da fiscalização do ICMBIO, estou encaminhando o
relatório de meu caso e outros para que esse órgão abra uma sindicância, pra
apurar se a atuação de seus funcionários está de acordo com a legalidade (que
eles tanto afirmam defender). Espero que a imprensa também acompanhe essa
sindicância, com o mesmo interesse que demonstrou em relação à denúncia feita
contra mim.
Em relação a esta só posso
afirmar que é baseada em suposições falsas. O fiscal afirma que eu estava
vendendo a madeira a marcenarias, o que não pode provar, porque não é verdade.
Dos 25 metros cúbicos apreendidos, em torno de 10 a 15 estavam na forma de
blocos, o restante na forma de estacas, para cercas. Estavam na beira do ramal
e eu pretendia levá-las na zorra (carro de boi) até perto de casa, onde ia
transformá-las em tábuas pra reformar minha casa, que está deteriorada, fazer
uma cozinha e construir uma casa pra minha mãe, que mora na cidade, mas quer
voltar para o seringal. Ao contrário do afirmado pelo fiscal do ICMBIO, a
madeira apreendida não estava escondida. Eu mesmo mostrei pra ele a localização
na primeira vez em que esteve em minha casa. (No dia da apreensão – que pra mim
é sentida como um verdadeiro roubo – eu estava na cidade, como era de
conhecimento do fiscal, e fui informado sobre a operação por jornalistas que
vieram me procurar para dar entrevista). Eu tinha marfim pra fazer o assoalho e
cedro para as paredes e cobertura, porque tem mais durabilidade, outra madeira
ia estragar em seguida. Pra estaca tinha tarumã. Em geral, a gente usa árvores
que estão mortas ou morrendo, já ocas. Se não aproveitar, elas se perdem. A
gente só usa a castanheira quando ela está assim e já não dá mais frutos.
Nenhum seringueiro vai derrubar uma castanheira que ainda produz, se a castanha
faz parte da nossa alimentação.
O fiscal do ICMBIO afirmou
publicamente que encontrou 28 tocos de árvores derrubadas na minha colocação.
Só não explicou que isso é tudo o que ele conseguiu encontrar em mais de 1000
hectares. Moro nessa colocação há mais de 20 anos e só retiro madeira para
minhas necessidades. A quem tiver curiosidade, posso mostrar o destino dado a
cada uma das árvores derrubadas por mim. E ainda aproveito a visita para levar
o interessado a ver as árvores que já plantei nessa área (mogno, castanheira,
cerejeira, toari, cedro, jaca, graviola, etc.). Um cenário bem diferente
daquele deixado pelo manejo madeireiro apoiado pelo governo, que eu sempre
denuncio. Em minha área não se vê o destroço que já tive o desprazer de
conhecer na Floresta Estadual do Antimary. Daqui não saem caminhões carregados
de árvores centenárias, como pode ver quem passa pela BR 364, dirigindo-se a
grandes madeireiras que exportam nossa madeira, pagando uma miséria para o
“dono da árvore”, mas lucrando muito com a maquiagem de sustentabilidade do tal
selo verde. Ainda assim, quem aparece no jornal, quase nas páginas policiais,
sou eu, não esses empresários, a quem ninguém nunca tem coragem de aplicar
multa nenhuma.
Por fim, reafirmo que a
denúncia não é verdadeira, baseando-se, até onde sei, no relato feito por um
vizinho que já há um ano faz essas acusações contra mim. Nesse caso, seria a
palavra dele contra a minha, nada mais. A madeira só foi retirada de minha
colocação pelo próprio ICMBIO, sem meu conhecimento e antes do fim do prazo
para que eu me defendesse das acusações. Diante de tudo isso, resta perguntar:
por que essa denúncia foi trazida a público (e com toda essa repercussão) só
agora, um ano depois, justamente no momento em que estou concorrendo à eleição
para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasileia, na chapa de oposição
àquela que é aliada do governo? E, o que é o pior, uma semana depois de receber
ligações anônimas me perguntando se eu “aguentaria a pressão que viria pela
frente”? Não bastasse tudo isso, no dia 10 de abril, quando estive na sede do
ICMBIO em Brasileia para requerer o comprovante de que sou morador da RESEX,
documento exigido para inscrição das chapas na eleição do STR, fui informado de
que meu nome não consta no cadastro do órgão! O registro aponta um desconhecido
Pedro Rodrigues como morador da Colocação Pega Fogo, Seringal Humaitá. No
mínimo, um erro grosseiro do ICMBIO. Quem conhece o cenário político acreano
sabe que tenho razões para me sentir perseguido. Que a imprensa não seja
cúmplice!
Rio Branco, 18 de abril de
2012.
Nota: Conheci
Osmarino nos anos de 1980. Sempre combativo, linha de frente na defesa dos
direitos dos trabalhadores seringueiros. Como seu amigo o saudoso Chico Mendes,
com certeza, ele é um dos mais empenhados líderes na luta pelas reservas
extrativistas na Amazônia. Posto, portanto, neste blog sua carta de defesa, como gesto mínimo de solidariedade
com ele, e ainda expresso o meu protesto contra a acusação leviana de que
ele está envolvido com atos contrários a preservação das reservas extravistas.
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