Capa da 2ª Edição. |
Ainda atordoado pela
sóbria e laminar denúncia que constitui o âmago do livro - Comunicação
Alternativa e Movimentos Sociais na Amazônia Ocidental, do grande sociólogo
brasileiro Pedro Vicente Costa Sobrinho, que acabara de ler, pularam-me algumas
palavras alheias de leitura antiga, que poderiam definir, melhor do que eu,
este sentimento diante de um dos mais significativos ensaios de natureza
histórico-sociológica da realidade brasileira.
E fui buscar na estante
a única tradução das Odes de Horácio que me vem deslumbrando até hoje, a do
padre português José Agostinho de Macedo, um setecentista com o espírito
guerreiro de um Frei Caneca. É no auto-prefácio de sua magnífica tradução que
estão as palavras que podem caracterizar a linguagem de Pedro Vicente Costa
Sobrinho, em seu importante livro. Senti, ao lê-lo, mais uma vez, aquela, como
diz o padre, “majestosa simplicidade, que é o caráter dos grandes homens, e das
grandes obras”. Confesso que não saberia
elaborar para a linguagem modesta, precisa e grandiosa do autor, uma definição
mais honrosa e condizente. Ah, se a metodologia científica e a beleza verbal se
encontrassem mais vezes, neste mundo compartimentado!
Comunicação
Alternativa..., conforme o autor, é “uma versão modificada da tese de
doutoramento que defendi na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de
São Paulo”. Essa “modificação” significou, certamente, varrer para longe do
terraço do discurso substantivo, tanto os jargões funcionalistas (papéis,
status etc.), quanto os marxistas (modo de produção, formação social etc.). E,
mais, deixar que a realidade fale mais alto. Qual seria essa realidade?
O livro de Pedro
Vicente tem como personagens centrais dois humildes jornais do Estado do Acre,
na década de setenta do século passado. Dois jornaizinhos criados pela ala
“progressista” da Igreja Católica, naquele extremo da Amazônia Ocidental. São
eles: Nós Irmãos, que era, segundo o autor, “a imagem e semelhança das
Comunidades Eclesiais de Base”, e Varadouro, mais bem elaborado, com a
participação de jornalistas profissionais, e que completava o trabalho do outro
periódico, exercendo papel importante na denúncia da indiferença com que a FUNAI sempre tratou as comunidades
indígenas acrianas.
Com uma visão ampla da
realidade brasileira, o sociólogo Pedro Vicente, no início de cada capítulo,
faz retrospectivas históricas sobre a ocupação regional e traça a conjuntura
político-econômica na qual se inclui, indefesamente, a população representada
pelos índios, seringueiros, posseiros e colonos, e, ofensivamente, os chamados
“paulistas” (capitalistas do sul-sudeste), tais como fazendeiros, seringalistas
e novos e truculentos bandeirantes, protegidos pelos matadores de aluguel,
jagunços, policiais, tabeliães, advogados e até juízes. Para o autor, essa
ocupação predatória (através de derrubadas de árvores e queimadas) e genocida
(com massacre de índios: dos 30 mil antes localizados, sobram, apenas, 5 mil,
hoje, de seringueiros, posseiros, agricultores, e líderes extraordinários como
Chico Mendes) culminou numa concentração vertiginosa da terra, a ponto de os
latifúndios “ocuparem 94% da área territorial do Estado do Acre.”
A incursão do autor
pela mídia impressa alternativa, em certos grandes momentos do seu livro,
parece transformar-se em mero pretexto para a análise histórica de um processo fraudulento de ocupação da
Amazônia, com o beneplácito e os gordos financiamentos do poder central, na ditadura militar. Ele fala de olhos
enxutos, mas parece todo o seu livro minado por lágrimas subterrâneas, enquanto
vai narrando, ao coro dos dois jornais alternativos, o ataque brutal dos
“paulistas” às formas tradicionais de vivência
e convivência na Amazônia Ocidental.
Depois da leitura deste
livro de Pedro Vicente, sobe no ar uma pergunta: Como um governo neoliberal,
que privilegia o capital especulativo em detrimento do trabalho, pode oferecer
uma resposta não concentracionista e ecologicamente correta para salvar a
Amazônia Brasileira da fúria devastadora e muito mais impiedosa dos novos
bandeirantes? O sociólogo Pedro Vicente Costa Sobrinho consolidou as denúncias
e, subjacente a elas, está uma seca advertência. Como cientista, fez sua parte.
Cabe aos políticos honrados fazerem a sua.
Alberto da Cunha Melo –
sociólogo, poeta e ensaísta - publicou entre outros livros: Dois caminhos e uma
oração (Ed. Girafa, São Paulo); O cão dos olhos amarelos & outros poemas
inéditos (Ed. Girafa, São Paulo); Yacala (EdUFRN, Natal); Meditação sob os
lajedos (EdUFRN/Bagaço, Natal/Recife);
Carne de terceira com poemas à mão livre (Ed. Bagaço, Recife); Soma dos
sumos (Ed. José Olympio, Rio de Janeiro). O texto acima foi publicado na
Revista Calibãn, 5, ano 2002, Rio de Janeiro; na Revista Continente
Multicultural, dez, 2001, Recife-PE; no livro Marco Zero; e como orelha da 2ª
edição do livro Comunicação alternativa e movimentos sociais na Amazônia Ocidental (Editora Paim, Rio
Branco-AC).
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