quinta-feira, 12 de julho de 2012

Livros - Um sociólogo na Amazônia: Resenha crítica do livro Comunicação Alternativa e movimentos sociais na Amazônia Ocidental - Alberto da Cunha Melo

Capa da 2ª Edição.

Ainda atordoado pela sóbria e laminar denúncia que constitui o âmago do livro - Comunicação Alternativa e Movimentos Sociais na Amazônia Ocidental, do grande sociólogo brasileiro Pedro Vicente Costa Sobrinho, que acabara de ler, pularam-me algumas palavras alheias de leitura antiga, que poderiam definir, melhor do que eu, este sentimento diante de um dos mais significativos ensaios de natureza histórico-sociológica da realidade brasileira.

E fui buscar na estante a única tradução das Odes de Horácio que me vem deslumbrando até hoje, a do padre português José Agostinho de Macedo, um setecentista com o espírito guerreiro de um Frei Caneca. É no auto-prefácio de sua magnífica tradução que estão as palavras que podem caracterizar a linguagem de Pedro Vicente Costa Sobrinho, em seu importante livro. Senti, ao lê-lo, mais uma vez, aquela, como diz o padre, “majestosa simplicidade, que é o caráter dos grandes homens, e das grandes obras”.  Confesso que não saberia elaborar para a linguagem modesta, precisa e grandiosa do autor, uma definição mais honrosa e condizente. Ah, se a metodologia científica e a beleza verbal se encontrassem mais vezes, neste mundo compartimentado!

Comunicação Alternativa..., conforme o autor, é “uma versão modificada da tese de doutoramento que defendi na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo”. Essa “modificação” significou, certamente, varrer para longe do terraço do discurso substantivo, tanto os jargões funcionalistas (papéis, status etc.), quanto os marxistas (modo de produção, formação social etc.). E, mais, deixar que a realidade fale mais alto. Qual seria essa realidade?

O livro de Pedro Vicente tem como personagens centrais dois humildes jornais do Estado do Acre, na década de setenta do século passado. Dois jornaizinhos criados pela ala “progressista” da Igreja Católica, naquele extremo da Amazônia Ocidental. São eles: Nós Irmãos, que era, segundo o autor, “a imagem e semelhança das Comunidades Eclesiais de Base”, e Varadouro, mais bem elaborado, com a participação de jornalistas profissionais, e que completava o trabalho do outro periódico, exercendo papel importante na denúncia da indiferença  com que a FUNAI sempre tratou as comunidades indígenas acrianas.

Com uma visão ampla da realidade brasileira, o sociólogo Pedro Vicente, no início de cada capítulo, faz retrospectivas históricas sobre a ocupação regional e traça a conjuntura político-econômica na qual se inclui, indefesamente, a população representada pelos índios, seringueiros, posseiros e colonos, e, ofensivamente, os chamados “paulistas” (capitalistas do sul-sudeste), tais como fazendeiros, seringalistas e novos e truculentos bandeirantes, protegidos pelos matadores de aluguel, jagunços, policiais, tabeliães, advogados e até juízes. Para o autor, essa ocupação predatória (através de derrubadas de árvores e queimadas) e genocida (com massacre de índios: dos 30 mil antes localizados, sobram, apenas, 5 mil, hoje, de seringueiros, posseiros, agricultores, e líderes extraordinários como Chico Mendes) culminou numa concentração vertiginosa da terra, a ponto de os latifúndios “ocuparem 94% da área territorial do Estado do Acre.”

A incursão do autor pela mídia impressa alternativa, em certos grandes momentos do seu livro, parece transformar-se em mero pretexto para a análise histórica de  um processo fraudulento de ocupação da Amazônia, com o beneplácito e os gordos financiamentos do poder central,  na ditadura militar. Ele fala de olhos enxutos, mas parece todo o seu livro minado por lágrimas subterrâneas, enquanto vai narrando, ao coro dos dois jornais alternativos, o ataque brutal dos “paulistas” às formas tradicionais de vivência  e convivência na Amazônia Ocidental.

Depois da leitura deste livro de Pedro Vicente, sobe no ar uma pergunta: Como um governo neoliberal, que privilegia o capital especulativo em detrimento do trabalho, pode oferecer uma resposta não concentracionista e ecologicamente correta para salvar a Amazônia Brasileira da fúria devastadora e muito mais impiedosa dos novos bandeirantes? O sociólogo Pedro Vicente Costa Sobrinho consolidou as denúncias e, subjacente a elas, está uma seca advertência. Como cientista, fez sua parte. Cabe aos políticos honrados fazerem a sua.



Alberto da Cunha Melo – sociólogo, poeta e ensaísta - publicou entre outros livros: Dois caminhos e uma oração (Ed. Girafa, São Paulo); O cão dos olhos amarelos & outros poemas inéditos (Ed. Girafa, São Paulo); Yacala (EdUFRN, Natal); Meditação sob os lajedos (EdUFRN/Bagaço, Natal/Recife);  Carne de terceira com poemas à mão livre (Ed. Bagaço, Recife); Soma dos sumos (Ed. José Olympio, Rio de Janeiro). O texto acima foi publicado na Revista Calibãn, 5, ano 2002, Rio de Janeiro; na Revista Continente Multicultural, dez, 2001, Recife-PE; no livro Marco Zero; e como orelha da 2ª edição do livro Comunicação alternativa e movimentos sociais na  Amazônia Ocidental (Editora Paim, Rio Branco-AC).

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