Dom Eugênio Sales |
“O egoísmo dominante nos indivíduos e países
impede uma justa distribuição dos recursos naturais. Cada um pensa em si e em
sua nação, sem atender ao bem comum. Aqui se coloca o empobrecimento do Terceiro
Mundo, em benefício dos mais ricos. E, no Brasil, a concentração de riquezas é
crescente. Busca-se, em vez de justiça social, a diminuição dos que deveriam
igualmente participar desses dons que Deus criou para todos os seus filhos”.
(Cardeal Dom Eugênio Sales, Jornal do Brasil, 13/8/1994).
Dicotomia, em Teologia, é o princípio que afirma a
existência única, no ser humano, de corpo e alma, o que significa que o humano
pode, e deve, ser essencialmente espiritual ao mesmo tempo em que não pode, nem
deve, separar-se das obrigações terrenas.
Dom Eugênio Sales era assim, capaz de enfrentar os
“vorazes gorilas” da ditadura brasileira, dando cobertura e abrigo a inúmeros
dirigentes comunistas brasileiros e latino-americanos, enquanto combatia
abertamente a chamada “esquerda católica” dentro das CEBs, que ele mesmo
ajudara a criar. Apesar de signatário do Concílio Vaticano II, pelejou junto à
cúria romana contra a Teologia da Libertação, que ele julgava ser “uma
radicalização esquerdista estranha à fé católica”.
Breve biografia
Nascido em Acari, interior do Rio Grande do Norte,
em 28 de novembro de 1920, foi batizado Eugênio de Araújo Sales. Filho de Celso
Dantas Sales e Josefa de Araújo Sales, irmão de Heitor de Araújo Sales, hoje
Arcebispo Emérito de Natal, Eugênio iniciou seus estudos em Natal, no Colégio
Marista, de onde foi direto para o Seminário Menor da Praínha, em Fortaleza, no
Ceará, onde cursou Filosofia e Teologia entre os anos de 1931 e 1943.
Foi ordenado sacerdote, ainda no ano de 1943, na
Igreja Matriz de Nossa Senhora das Graças, na pequena Acari, a mesma igreja
onde fora batizado. Em 1º de junho de 1954 é nomeado Bispo Auxiliar de Natal,
em 15 de agosto é ordenado Bispo Titular da sé de Thibica (diocese honorifica
na Tunísia).
Em 1962 foi designado administrador apostólico da
Arquidiocese de Natal, função que exerceu até 1965. Em 1964 foi nomeado
administrador apostólico da Arquidiocese de São Salvador da Bahia, função na
qual permaneceu até 29 de outubro de 1968, quando da sua nomeação a Arcebispo
de Salvador e Primaz do Brasil, pelo Papa Paulo VI.
No consistório do dia 28 de abril de 1969,
presidido pelo Papa Paulo VI, Dom Eugênio de Araújo Sales foi nomeado cardeal,
do título de São Gregório VII, do qual tomou posse solenemente no dia 30 de abril
do mesmo ano. Neste consistório foi também nomeado cardeal o brasileiro Dom
Vicente Scherer.
No dia 13 de março de 1971, o Papa Paulo VI o
nomeou Arcebispo do Rio de Janeiro[2], função que exerceu até 25 de julho de
2001, quando da sua renúncia, e que foi aceita pelo Papa João Paulo II.
Episcopado e contribuições
Quando era arcebispo de Salvador, foi um dos
criadores das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e da Campanha da
Fraternidade. Enquanto esteve à frente do Arcebispado do Rio, ordenou 169
sacerdotes, um número recorde, frente às outras Arquidioceses e dioceses
brasileiras.
Foi um dos primeiros bispos brasileiros a implantar
o Diaconato Permanente, ministério clerical que pode ser concedido a homens
casados, segundo a restauração do Concílio Vaticano II. Foi membro de onze
congregações no Vaticano.
Sua vida apostólica foi marcada pela defesa da
ortodoxia católica. Combateu com firmeza a esquerda católica, a Teologia da
Libertação e o engajamento político das Comunidades Eclesiais de Base.
Por outro lado, assumiu a defesa de refugiados
políticos dos regimes militares latino-americanos entre 1976 e 1982. Montou uma
rede de apoio a estes refugiados juntamente com a Cáritas brasileira e o Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, que consistia em abrigá-los,
inicialmente na Sede Episcopal (Palácio São Joaquim) e posteriormente em
apartamentos alugados para tal finalidade. Além disto, financiou a estadia
destes refugiados até conseguir-lhes asilo político em países europeus. Foram asiladas
mais de quatro mil pessoas. Usou sua autoridade para este fim, inclusive
enfrentando os militares por diversas vezes. Ao assumir tal tarefa, telefonou
para o General Sílvio Frota e disse-lhe: “Frota, se você receber comunicação de
que comunistas estão abrigados no Palácio São Joaquim, de que eu estou
protegendo comunistas, saiba que é verdade, eu sou o responsável. Ponto final,
ponto final”
Também atuou junto aos militares na libertação de
diversos acusados de subversão, bem como se recusou a celebrar missa pelo
aniversário do Ato Institucional Número Cinco, pedida pelo General Abdon Sena,
de Salvador.
Foi um dos brasileiros que mais ocupou cargos no
Vaticano: foram onze cargos nas congregações, conselhos e comissões.
Sua ação social abrangeu a criação de centros de
atendimento a portadores de Aids, a pastoral carcerária, um núcleo de formação
de líderes na residência do Sumaré.
Sua renúncia foi solicitada em 1997, quando já
completara 75 anos. Mas por indulto especial do Papa João Paulo II, seu amigo
pessoal, foi autorizado a permanecer à frente da arquidiocese até completar 80
anos. Sua aposentadoria foi finalmente aceita no dia 25 de julho de 2001,
quando Dom Eusébio Oscar Scheid, então Arcebispo de Florianópolis, foi nomeado
o seu sucessor. Dom Eugênio permaneceu de 25 de julho até 22 de setembro de
2001 como administrador apostólico do Rio, nomeado por João Paulo II.
Em 22 de setembro, na presença de grande número de
bispos e sacerdotes, entregou o governo da arquidiocese, através da passagem do
báculo (cajado simbólico do pastoreio do povo de Deus, utilizado pelos bispos)
a Dom Eusébio, até então não revestido da dignidade cardinalícia, que só viria
a obter em 2003. Ainda permaneceu residindo no Rio de Janeiro, no Palácio
Apostólico do Sumaré, e permaneceu em funções no Vaticano. Possuiu os títulos
de Cardeal Protopresbítero (o mais antigo em idade e/ou nomeação entre os
Cardeais Presbíteros) e Arcebispo Emérito (aposentado) da Arquidiocese de São
Sebastião do Rio de Janeiro.
Palavras do Testamento
“Dirijo-me em primeiro lugar a Deus a quem me
entrego inteira e absolutamente. Consagrei-me à Igreja e renovo essa doação
integral. Nunca me arrependi de tê-la feito. Tudo o que escrevi, disse e
ensinei fica submetido ao Magistério eclesiástico. Deverá ser corrigido, em
caso de discrepância da minha parte. Reafirmo minha Fé Católica. Creio em tudo
que a Igreja ensina e como ela ensina. Proclamo a plena aceitação do Mistério
da Trindade, da Encarnação, Redenção e demais que são parte do conteúdo de
nossa Doutrina. Quero morrer sempre fiel ao Papa, Sucessor de Pedro. Não leve
mágoas. Peço perdão a quem ofendi. Procurarei reparar os sofrimentos com minhas
orações. Aceito plenamente a vontade de Deus (...). No céu, onde espero ser
acolhido por meu Pai, o Senhor Jesus e Maria, procurarei retribuir tudo que
recebi”. (Rio, 7/10/2003)
Douglas Naegele é teólogo
e psicanalista, responsável pelo site: Douglas Naegele: Psicanálise e Teologia
- Um olhar junguiano (www.douglasnaegele.com) Artigo publicado no jornal Algo a Dizer, edição de Julho de 2012: www.algoadizer.com.br.
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