Plaza de la Independencia |
A proximidade de Buenos
Aires, a orgulhosa metrópole portenha, chega a intimidar o visitante brasileiro
em sua primeira estada em Montevidéu. As promessas de raros prazeres e belezas
de lá do Plata acenam com insistência: dão-lhe forma e essência a volúpia do
tango, a boemia de La Boca, o epicurismo das suas cantinas, a ebriedade de seus
vinhos. Sem falar nos encantos sóbrios de La Recoleta que, com suas livrarias e
cafés, produz em torno do seu campo-santo um lugar acolhedor para quem busca um
pouco de refrigério após os excessos da carne ou da mesa, ou chega às suas
portas exaurido pela ferrugem dos dias.
Montevidéu pode ter
outras coisas que não essas que dão fama aos seus vizinhos do Plata; tem, aliás,
muito a ensinar sobre questões essenciais como cidadania, memória e
modernidade. No primeiro item, cidadania, ela aponta seus nacionais caminhando
tranquilos cidade afora, na certeza de que, em cada cruzamento de rua
encontrarão um sinal exclusivo para eles e um tráfego automotivo fluindo dentro
de padrões civilizados; suas praças, amplas e urbanizadas e dotadas de
equipamentos de lazer como fontes, chafarizes, cenas da mitologia grega, bancos
e picadas abertas entre tapetes naturais de grama, mostram que o ascetismo de
seu presidente, José Mujica, é mais do que uma estratégia de marketing, é uma
política de vida e bem-estar de amplo espectro.
Ramblas - Rio de la Plata |
A memória uruguaia está
bem representada pelo Mausoléu Artigas, na Plaza de la lndependencia, nas belas
praças Entrevero e Cagancha, e indistintamente na arquitetura sóbria de seus
velhos edifícios, onda a febre dos espigões não chegou. Um encanto à parte é o
velho bairro de Ciudad Vieja, com seu cais, seu mercado, seu urbanismo
eclético, seu incessante comércio de rua, polos de convivência e cordialidade
entre cafés, restaurantes, lojas e praças amplamente arborizadas. De acréscimo,
pode-se visitar ainda o Museu del Carnaval, onde se pode constatar a
popularidade do carnaval uruguaio (são quarenta dias de festa!), com suas
“murgas”, danças e ritmos tão distintos do carnaval brasileiro e, ao mesmo
tempo, com tantos traços afins. O apelo popular é, aliás, o mesmo; a mesma
variedade de máscaras, alegorias, personagens. Mas se se buscar outras
analogias, é inevitável reconhecer que almas distintas pulsam nos seus
distintos seres. Certamente algum antropólogo especializado nessa área
explique-o melhor, de igual modo como o fez o antropólogo uruguaio
contemporâneo Néstor Ganduglia com os mitos urbanos montevideanos, num belo
trabalho de antropologia social, em seu livro “Historias de Montevideo Magico”
(Planeta, 2006, 5ª ed.). Ou como faz Mario Benedetti, dessa vez sob viés
literário, em seus contos “Montevideanos” (Planeta, 3ª ed., 2012). A propósito
de fenômenos coletivos, mereceria cuidadoso estudo o número de pessoas,
sobretudo jovens do sexo feminino, fumando nas ruas de Montevidéu, embora não
se divisem outdoors ostentando anúncios de cigarros.
Teatro Solis |
Culturalmente,
Montevidéu é uma cidade que tem opiniões próprias. Livrarias como “Puro Verso”,
“Más Puro Verso”, “Bookshop”, “Purpúrea”, entre outras, mostram a pujança do
mundo dos livros. Autores paraguaios hoje clássicos como Mario Benedetti, Juan
Carlos Onetti, Eduardo Galeano e Horacio Quiroga convivem lado a lado com Mario
Delgado Aparaín, Heber Raviolo, Carmen Posadas e outros escritores
contemporâneos.
Ainda assim, é natural
que quem viaje a Montevidéu sinta veleidades de ir até Buenos Aires, na medida
em que passe a fazer comparações entre o que viu, ou lhe falaram sobre, o que
há por lá: seus grandes museus, a rede de suntuosas livrarias El Atheneo, seus
cafés da Florida, ou a excepcional qualidade de seus restaurantes. O tempo real
que se passe em Montevidéu, todavia, propicia suficientes atrativos que lhe
justifiquem uma visita. E até mesmo despertem projetos de retorno. De fato, a
capital uruguaia pode ser, sim, um destino, não uma mera passagem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário