João Alves de Melo - Écran Natalense |
Nos idos de 1973, salvo engano, em Salvador (Bahia), durante a Jornada Nacional de Cinema de Curta Metragem da Bahia, cineastas, pesquisadores, professores e cineclubistas reuniram-se com a finalidade de dar continuidade ao processo de criação de uma associação que viesse a desenvolver trabalho de pesquisa e coleta de acervos de filmes brasileiros produzidos por todo o país, cujo objetivo era preservar a memória do cinema brasileiro. A idéia de criação do CPCB havia sido lançada em 1969 em encontro no Museu de Arte Moderna (MAM/RJ), no qual participaram Cosme Alves Neto, Paulo Emílio Salles Gomes, Alex Vianny, José Tavares de Rocha Barros, Jean Claude Bernardet, entre outros. A reunião em Salvador foi muito produtiva, e após um rápido balanço constatou-se, então, que a iniciativa de 1969 prosperara, e já vinha sendo posta em prática em alguns estados brasileiros, principalmente em São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná, graças a iniciativa de colecionadores, cineastas e pesquisadores independentes. Além disso, em algumas universidades brasileiras, através dos cursos de cinema e de seus programas de pós-graduação, mestrado e doutorado, professores vinham desenvolvendo pesquisas sobre o cinema brasileiro. Entre essas pesquisas destacavam-se a de Paulo Emílio Salles Gomes: Humberto Mauro, Cataguases, Cinearte; Maria Rita Galvão, sobre o cinema paulistano, e de Lucila Bernardet, em andamento, sobre o cinema pernambucano. O resultado do encontro foi a criação do Centro de Pesquisadores do Cinema Brasileiro – CPCB, que ficou provisoriamente sediado em Belo Horizonte, sob a coordenação do professor José Tavares de Barros, cineasta e coordenador do curso de cinema da PUC de Minas Gerais.
No ano de 1975, durante a Reunião Anual da SBPC em Belo Horizonte, o CPCB promoveu encontro para escolher a nova diretoria e também apresentar o resultado dos vários trabalhos e ações que haviam sido desenvolvidas pelos seus associados. Eu estive nesse encontro, e nele apresentei uma pequena comunicação sobre o cinema em Natal: primeiras exibições de filmes, salas de projeção, colecionadores, realizadores e cineclubismo. Na reunião ficou definido que a Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro ficaria com a responsabilidade de receber os filmes que fossem coletados durante a pesquisa e, em conjunto com a Fundação Cinemateca Brasileira, assumiria a guarda de todo acervo. E ainda, dentro dos limites dos seus recursos técnicos e financeiros, o MAM ficaria responsável pelo trabalho de recuperação e consequente guarda e preservação do material restaurado.
Nos anos de 1974/75, veio a Natal o pesquisador Aluisio Leite, e juntos visitamos os fotógrafos João Alves de Melo (1974) e José Seabra(1975). O material fílmico-documental mais rico era o de João Alves de Melo. Seu estúdio se localizava na Rua Dr. Barata, Ribeira. Aos fundos, de uma sala equipada com estantes de aço, foram recolhidos muitos rolos de filmes em 35 mm, acondicionados em latas enferrujadas e cobertos de poeira, com rara ou sem nenhuma identificação. João Alves de Melo, na entrevista que ora foi feita por Aluísio Leite, o saudoso gordo, confessou não ter mais nenhum controle sobre o material, pois considerava coisa praticamente perdida e sem uso previsível. Arrolou-se o material indistintamente, tão somente pela quantidade de latas, e fez-se um recibo que lhe foi entregue, com a promessa que após a recuperação do material ainda prestável, este ficaria depositado na Cinemateca, sendo então fornecidas as devidas cópias para João Alves de Melo. O material logo que recuperado também seria disponibilizado pelo MAM para exibição e para pesquisadores interessados.
José Seabra - Écran Natalense |
O acervo de José Seabra, que se encontrava amontoado num pequeno quarto por trás do seu estúdio, na Av. Deodoro, estava em piores condições. Seabra, além de muitos documentários, inclusive noticiários sobre a guerra, disse-nos que havia feito um longa de ficção. Por sua vez, Anchieta Fernandes, em seu livro Écran Natalense, menciona esse filme com o título de “Amor Mascarado”, e ainda faz sinopse do seu enredo. O filme, segundo Seabra, veio a ser exibido em cinemas de Pernambuco. Aqui em Natal o filme teve sessão de lançamento e foi projetado na tela da sala do Cine Rio Grande, ano de 1955. Nas latas de filmes que estavam amontoadas naquele recinto, Seabra suspeitava que era bem provável estar o negativo do seu filme de ficção. Arrolou-se todo o material, e igualmente ao que se fez com João Alves de Melo, foi dado um recibo como garantia de que o material estava sendo levado por Aluísio Leite e iria ficar sob guarda do MAM. Anos depois, com Seabra eu fiz uma longa entrevista que, no entanto, se perdeu, certamente devido a minha falta de interesse em continuar pesquisando o assunto. Todo o material coletado foi para Cinemateca do Museu de Arte Moderna, cujo diretor era Cosme Alves Neto. Cabe realçar que quase todo o material coletado em Natal estava em péssimas condições de conservação; quase todos os filmes tinham por base o nitrato de celulose altamente inflamável, e parte deles ainda em negativo, pois as cópias feitas para exibição haviam se perdido. Os filmes de Seabra, todavia, alguns já tinham por base o acetato de celulose, e com certeza o filme de ficção rodado em 1955 já foi realizado com uso desse novo material.
O CPCB e as Cinematecas do MAM e Brasileira tiveram muita dificuldade em conseguir recursos para realizar o trabalho de recuperação e preservação do muito material fílmico que fora resgatado em todo território nacional. E a coisa foi sendo feita lentamente, já que a demanda era muito grande e os recursos escassos e, sobretudo, porque as entidades culturais dos estados e municípios, com raras e honrosas exceções, não se dispuseram a colaborar na empreitada. De João Alves de Melo, cujo material estava em melhor estado, foi proposto à época um convênio com a Fundação José Augusto. Não tenho certeza se esse convênio veio a se confirmar e se dele houve algum resultado, pois naquele tempo eu já havia saído da Fundação José Augusto. Mas, se o convênio foi feito, eu suponho que o responsável pelas negociações tenha sido Carlos Lira, que ora coordenava o seu Núcleo de Cinema e Fotografia.
De João Alves de Melo foi recuperado algum material sobre a Revolução de 30, um pouco do registro da presença do Zepelim em Natal, mais alguma coisa sobre a Rebelião de 1935 e cenas avulsas sobre o cotidiano da cidade e de alguns personagens considerados pelo fotógrafo eminentes. De José Seabra, não tenho notícia se alguma coisa foi recuperada. Ainda andei pesquisando em Recife, junto a distribuidores, para tentar localizar cópia do filme de Amor Mascarado, que, segundo Seabra, havia circulado e fora exibido nos cinemas do interior de Pernambuco. Nada encontrei, mas posso afirmar com relativa certeza que apenas uma cópia foi feita; portanto, a que foi exibida em Natal foi a mesma que supostamente circulou em Recife e interior de Pernambuco.. Se o negativo desse filme estava nas latas que foram para o MAM, o interesse pelo resgate de certo modo era grande, pois Amor Mascarado foi o filme fundador de uma filmografia de ficção genuinamente potiguar. A minha ida para o Acre em 1978, desligou-me, mesmo que informal, do acompanhamento da trajetória desse material. Encontrei-me algumas vezes no Rio e em Salvador com Cosme Alves Neto; num desses encontros, ele me informou que até então nada fora feito pela Fundação José Augusto para colaborar na recuperação do material fílmico em depósito no MAM. Do acervo de João Alves alguma coisa foi restaurada e copiada, e foi usada em documentários de cineastas que tiveram como tema fatos relacionados à década de 1930, entre eles, eu destaco Eduardo Escorel, no seu belo filme: 35: O assalto ao poder. É bom lembrar e registrar que Eduardo Escorel, junto com Murilo Sales na condição de fotógrafo, na década de 1970 vieram a Natal e filmaram o Forte dos Reis Magos para um documentário, salvo engano, sobre Fortalezas Coloniais do Brasil.
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