1978. Eu havia chegado
a Rio Branco há poucos meses para assumir a Gerência de Bem-Estar da Delegacia
do SESC no Acre e, certo dia, fui convidado por Francisco Gregório,
coordenador do Departamento de Assuntos Culturais (DAC) da Secretaria de
Estadual de Educação, para assistir a uma mostra coletiva de artistas plásticos
acreanos na Biblioteca Pública Estadual, cujos trabalhos provinham de um curso
de pintura promovido pelo DAC. O curador da mostra era o pintor Genésio
Fernandes, mineiro que prestava assessoria ao DAC. O grosso do material exposto
não me entusiasmou, mas os quadros do pintor Hélio Melo me chamaram a atenção, artista que, segundo
Genésio, pela primeira vez participava de uma exposição. Desde aí, eu comecei a
me relacionar com Hélio, e passei a acompanhar, à distância, a evolução do seu
trabalho artístico. A mostra coletiva que, então, havia visto foi levada a Brasília e, segundo
me disse meses depois o próprio Hélio, foram as suas obras que mais despertaram
a atenção do público e todos os seus desenhos que estavam nela
expostos foram vendidos, até por serem eles muito baratos.
Em 1979, meu amigo
Jaime Ariston tomou a decisão de voltar para o Departamento Nacional do SESC no
Rio de Janeiro e indicou-me para substituí-lo no cargo de delegado executivo no
Acre. Quando eu assumi a Delegacia do SESC no Acre, ele já estava de cara nova,
pois dispunha de uma sede, ainda
alugada, porém em condições bem diferentes das instalações anteriores. Por iniciativa de
Jaime, salvo engano, o prédio, que pertencia a Prelazia do Acre Purus, foi
ampliado com a construção de galpão de madeira para instalação de sala de jogos
e lazer; também ganhou duas salas para aulas, área para recreação infantil, e
um teatrinho de arena, estes em alvenaria. Nesse novo prédio, conseguimos
instalar e ampliar a biblioteca Dr. Meireles e desenvolver melhor todas as
atividades, sobretudo os programas relacionados à cultura: cinema, teatro, artes
plásticas e música.
Durante quase um ano
que se seguiu à mostra em que eu vi pela primeira vez os trabalhos de Hélio, eu
não me lembro de ter voltado a me encontrar com ele. Depois que
assumi a direção do SESC, vez por outra, eu cruzava com ele nas ruas de
Rio Branco. Numa dessas ocasiões, eu cobrei insistentemente dele uma visita ao SESC, e ele me
respondeu que sempre passava lá para conversar com Gregório, que à época era o
gerente, e depois com seu substituto, o pintor Genésio Fernandes; a mim nunca
visitou porque eu sempre estava muito ocupado, era o que a ele dizia a secretária.
Num certo dia, eu casualmente o encontrei nos corredores do SESC e o levei até minha sala. Durante a conversa, eu perguntei como é que
ia seu trabalho, se estava vendendo bem seus quadros, se tinha feito outras
exposições etc. Hélio, então, respondeu-me que depois da exposição de Brasília
nada havia mudado em sua vida. Vendia, vez por outra, um desenho, tudo muito
barato. Ele fizera parte de uma nova mostra coletiva na Universidade, mas sem
maior repercussão. Sugeri então que ele
expusesse seu trabalho numa
mostra individual, pois ele era, a meu ver, o melhor artista da cidade, e me
comprometi a organizar essa exposição no SESC. Perguntei-lhe também em que
trabalhava e onde era o seu emprego atual. Hélio me disse que era vigia noturno
na Companhia de Desenvolvimento do Acre (CODISACRE), no Distrito Industrial de
Rio Branco, o que parecia inconveniente:
além do local ser longe, o trabalho era
noturno, e tomava seu tempo quase todo, impedindo-lhe de produzir regularmente
seus desenhos. Assumi, então, o compromisso de conversar com Antonio José, que
era meu colega na Universidade e diretor da CODISACRE, a quem pediria que
colocasse Hélio à disposição do SESC, mesmo sabendo que na burocracia pública não havia legalidade
para esse tipo de demanda. Dias depois, eu encontrei Antonio José e ele me
pediu que fosse a sua procura na CODISACRE, para que ele certamente pudesse verificar
o que poderia ser feito. Fui ao seu encontro na data aprazada e já munido de
oficio que tratava do assunto. Antonio José foi sensível e muito correto, e
disse-me que não era possível pelos tramites do serviço público atender meu
pedido, porque o SESC era uma instituição privada. Entretanto, diante da justificativa
que constava do ofício, ele ia autorizar ao serviço de pessoal da empresa a
liberação extraoficial sem qualquer ônus para o SESC, ficando condicionada,
todavia, a validade do seu ato até enquanto ele estivesse na direção da
CODISACRE. Fiquei muito feliz com a atitude de Antonio José, pois o seu ato
iria contribuir para que Hélio Melo tivesse mais tempo para dedicar ao seu
labor criativo, e portanto pudesse revelar todo o seu potencial artístico.Poucos
dias depois do meu encontro com Antonio José, Hélio veio ao meu gabinete para
se apresentar, e perguntou onde iria
ficar e o seu horário de trabalho. Respondi-lhe que fosse pra casa para fazer
sua arte, e o quanto antes preparasse material suficiente para que o SESC
organizasse uma mostra individual com seus quadros. Eu não sabia a data e o
lugar em que faria a prometida exposição individual, mas, a meu ver, Rio Branco,
a princípio, certamente estaria descartada para sediar essa mostra. Mas, não
tendo alternativa, fizemos a exposição no saguão de entrada da Delegacia do
SESC, no começo do ano de 1980. Pelo que me lembro, dos quadros expostos poucos
foram negociados, afora os que foram adquiridos pelo próprio SESC, para constituir
seu acervo de pintura acreana. Eu reservei
e adquiri alguns, certamente motivado pela qualidade de sua obra e também para prestigiar o artista Hélio Melo em sua
primeira mostra individual.
Colônia: Casario na floresta |
Ainda em 1980, numa
reunião de diretores do SESC, no Rio, eu encontrei Ubiratan, diretor regional
do SESC do estado do Rio de Janeiro, e falei sobre a pintura de Hélio, de sua técnica original de
usar nanquim misturado com tintas
naturais confeccionadas com sumo de vegetais sobre papel cartão, e quanto a possibilidade de uma mostra
individual dele, com o patrocínio do SESC-RJ. Ubiratan tinha uma rara sensibilidade
artística, e diante do meu entusiasmo quanto a qualidade da pintura de Hélio, se
propôs a estudar com carinho o assunto. Para isso eu tinha que colocar no
papel e tornar oficial o pedido. Logo
ele sugeriu que eu solicitasse o espaço para exposições do Centro de Atividades
do SESC Tijuca, que estava no momento em obras de pequeno porte, e, portanto, a
mostra de Hélio seria de reabertura da sala de exposições. Logo que voltei ao
Acre, eu fiz o tal expediente com o arrazoado justificador e despachei via
malote para o Regional do Rio de Janeiro.
Esperei por mais de um
mês a manifestação favorável ou contrária de Ubiratan ao meu pleito e, já não
contendo a minha ansiedade, telefonei pra ele cobrando a resposta. Ele me pediu
calma e que aguardasse mais um pouco, que iria procurar o aludido ofício e
daria uma resposta (que certamente seria favorável), pois logo depois de nossa
conversa, ele pessoalmente já havia reservado o sugerido espaço. No mesmo dia,
por telefone, me respondeu: “Pedro, manda outro expediente reiterando o pedido,
pois quando você me remeteu o documento, eu havia saído de férias, e o Horácio,
meu substituto, recebeu e despachou para o setor indevido; a coisa, meu caro,
virou processo e ninguém mais localiza”. Orientou-me então que enviasse outra
vez o tal expediente em envelope fechado e endereçado como carta pessoal; daí
por diante a responsabilidade era dele, e eu podia ficar tranquilo e dizer ao
Hélio para disponibilizar as obras que iriam fazer parte da mostra.
Localizei o endereço de
Hélio, e eu mesmo fui até sua casa lhe dar a notícia e pedi pra que de imediato
começasse a trabalhar com vistas à exposição, pois quando Ubiratan definisse a
data, a gente, para evitar transtornos, já devia estar com tudo pronto. Hélio era muito pobre, então eu pedi que ele
passasse no SESC à tarde com a relação do material necessário para confecção
dos quadros que fariam parte da mostra. Coisa de menos valia: nanquim e papel
cartão, o grosso da tinta usada ele mesmo preparava com a mistura de seivas de
origem vegetal. Pedi-lhe que caprichasse na confecção dos quadros, pois era
essa uma rara oportunidade de mostrar sua obra individualmente para o Brasil.
Assim foi feito, eu precisamente não me lembro do tempo gasto, mas sei que foi
muito rápido; enquanto ele punha mãos à obra, eu acertava junto ao Departamento
Nacional do SESC providências e detalhes para realização da mostra, tais como
recepção dos quadros e entrega ao regional do Rio de Janeiro, hospedagem para
Hélio, e quem seria destacado para acompanhá-lo
durante todo percurso: início, meio e final da exposição. O amigo
Juvenal Fortes Filho, coordenador das Delegacias junto ao Diretor do
Departamento Nacional, foi peça fundamental na organização da mostra, pois lhe
deu todo o apoio possível para que ela fosse realizada e tivesse sucesso.
Cantanheira: quebrando ouriços |
Na data definida por
Ubiratan, creio que dezembro de 1980, tudo estava pronto. Conseguimos passagem
e estadia pro Hélio ficar no Rio na abertura da mostra e mais alguns dias para
acompanhar o seu desenrolar. O público foi muito pequeno, afora alguns
convidados, quase tão somente o pessoal do DN-SESC, que já conhecia o trabalho
de Hélio em Rio Branco quando de suas visitas técnicas à delegacia do Acre. Ao
voltar conversei muito com Hélio, que estava encantado com a cidade do Rio e
com o apoio do pessoal do DN, mas que, de início, ficou muito pessimista quanto
aos resultados da mostra: “Nos dias que eu fiquei lá quase que não apareceu
ninguém, somente comerciários que olhavam e não davam a menor importância. ao
que estavam vendo.” Como estratégia comercial eu já enviara as obras para
mostra com parte dos quadros reservados:
quatro deles comprados pro meu domínio pessoal, e outros dois adquiridos pro
acervo da Delegacia; também pedi aos
meus amigos do DN que fizessem o
mesmo, pois esse fato aparentava certo
sucesso da exposição. E sejamos sinceros, as obras que eu havia reservado pro
meu acervo pessoal e para o acervo da Delegacia eram certamente a parte mais
representativa da mostra, mesmo levando em consideração que tudo era de muito
boa qualidade.
Seringueira: fazendo o corte normal para extração do látex |
É bom realçar que Hélio
era, sobretudo, uma pessoa dotada de rara inteligência e de notável talento, mas
certamente também um homem de muita sorte, e o acaso mais uma vez o favoreceu
na loteria da vida. No decurso de sua exposição, ocorreu a visita ao SESC
Tijuca do famoso e consagrado internacionalmente escultor Sérgio Camargo; ele
fora até ao SESC Tijuca acompanhado de Ubiratan, diretor regional, para definir
o local em que seria posto um seu novo trabalho. Ao passar pela sala de exposições temporárias,
Sérgio Camargo deparou-se com os quadros de Hélio, e logo se sentiu atraído
pelo que viu, perguntando então ao Ubiratan: “Quem, e de onde é esse
artista?”. Ubiratan, que sabia de tudo,
informou-lhe que era bem capaz do pintor aparecer dentro de instantes por ali,
pois se encontrava no Rio. Sérgio encontrou-se e conversou demoradamente com
Hélio, e não conteve o seu entusiasmo e interesse em adquirir todo o acervo exposto. Das
26 obras expostas, nove já estavam reservadas, restavam
17 quadros, que ele, imediatamente comprou a todos. Ainda se propôs a organizar
uma nova exposição de Hélio na Galeria Sérgio Milliet, da FUNARTE, e iria
convidar seus amigos que faziam crítica de artes plásticas em jornais e
revistas para visitar a mostra. Sérgio era muito bem relacionado e tinha como
amigos Frederico Morais, Walmir Ayala e outros críticos de renome com colunas em
O Globo, Jornal do Brasil, revista Veja etc. Dias depois, ele escreveu pro
Hélio, e se propôs a fazer a apresentação do catálogo da nova mostra.
Seringal: regatão |
A sorte estava lançada, e me fez lembrar uma
lição de William Shakespeare, que me foi passada por Rainer Patriota: “A oportunidade
no começo é cabeluda, mas com o passar do tempo fica careca e difícil de ser agarrada”. Cabia-lhe agora, portanto, que começasse de imediato a produzir novos quadros
tendo em vista a já anunciada mostra no Rio de Janeiro, na prestigiada Galeria
Sergio Milliet, e, para isso, podia
contar novamente com o apoio da Delegacia do SESC no Acre e certamente do
Departamento Nacional.
Demorou pouco, pois
Sérgio Camargo usou de seu prestígio junto à direção da FUNARTE e pôs na pauta
a exposição do pintor acreano para fins de agosto de 1981. Além disso, fez o
texto de apresentação do catálogo. A mostra foi um sucesso de público e de
mídia, com notícias veiculadas em O Globo, Jornal do Brasil, revista Veja, e
outros jornais do Rio de Janeiro. A guisa de ilustração, transcrevo alguns trechos de artigos que foram
veiculados na imprensa do Rio. Frederico Morais (O Globo): No entanto, o
que mais me emociona em seus desenhos é a maneira extraordinária como
‘descreve’ a luz da selva, o amanhecer, o entardecer./Para isso, Hélio cria
suas próprias tintas com resinas vegetais, com elas, vai filtrando a luz entre
as arvores, abrindo clareiras na noite, transmitindo uma sensação quase física
dessa luz maravilhosa. Uma luz que está entranhada nos seus olhos, no seu
coração e que ele passa com a maior naturalidade para o papel. Por isso, não
fala dessa luz, ele a põe no papel. E pronto. Casimiro Xavier de Mendonça
(VEJA): Outros, no entanto, têm uma
perturbadora invenção poética. Como o seringueiro Hélio Melo, do Acre,
apresentado no Rio há poucas semanas, que desenha cavalos empoleirados em
árvores e cria uma luz misteriosa na paisagem dos seringais.”Outros
críticos importantes, como Walmir Ayala, também chamaram a atenção para obra de
Hélio, todavia muito dos recortes de jornais que faziam parte do meu arquivo
pessoal se foram em uma das rotineiras
enchentes dos rios e igarapés acreanos.
Por sua vez, Sérgio
Camargo ao apresentar Hélio no catálogo dessa mostra disse em um dos trechos: ...A prova dessa qualidade superior quando
desenha ou pinta com luz, que não me
atreveria a definir, eu encontrei numa ano passado no SESC na Tijuca. Em todo caso,
ali por ele soube dessa luz que tirou da floresta, aquela que pousa nos seus
desenhos e logo nos oferece, ensina, obriga a ver./ Caso de simbiose estética
com a mata em que viveu? Assim se explicaria naturalmente esse fenômeno, sem
dar conta todavia de sua motivação profunda em documentar./... Essa luz da mata
provavelmente existe por lá, mas a que aqui vemos nos vem de Hélio,
seringueiro, seringalista, mestre maior da floresta, nosso amigo, obrigado.
Floresta: serrando madeira |
Depois de sua mostra na
Galeria Sergio Milliet, e sua exposição na mídia de maior repercussão no país,
Hélio estava muito próximo do seu reconhecimento e consagração entre os mestres
da pintura “naif” nacional. Hélio voltou muito feliz, e poucos dias depois foi
a minha sala para saber minha opinião a respeito de carta que havia recebido de
Roberto Rugiero, dono em São Paulo da Galeria Brasiliana, especializada em arte
popular. Rugiero revelara na carta o interesse em comercializar a obra de
Hélio, na condição de receber os quadros em consignação, com prestação de
contas após a venda dos mesmos. Hélio ficou naturalmente desconfiado, eu
disse-lhe, no entanto, que as galerias agiam assim, e essa, então, era a praxe
no mercado de artes, eu poderia, contudo, me informar, através do regional do
SESC de São Paulo, se o marchand era bem conceituado no mercado, mas somente a
ele, Hélio, caberia decidir e correr o risco, porque o Acre era distante e
isolado do resto do país. Hélio era resoluto e não vacilou, mandou os quadros
pro Rugiero e deu início a uma parceria que durou anos.
Daí por diante, Hélio
assumiu sua trajetória artística, eu apenas, como antes, o deixei livre de dar
expediente no SESC para que pudesse
livremente produzir em casa sua obra, e continuei a ajudar,
institucionalmente, com recursos financeiros de pequena monta para que suas
mostras acontecessem em outros estados. Lembro-me ainda que durante a minha
curta passagem pela direção do SESC no Acre, a instituição contribuiu para que
a obra de Hélio participasse de mostras em Recife: Casa da Cultura de
Pernambuco, Gabinete Português de Leitura e Regional do Serviço Social do
Comércio em Pernambuco; SESC de Sergipe e IV Salão Nacional de Artes Plásticas
– FUNARTE, Rio de Janeiro.
Colônia: pescaria |
Ainda, quando na
direção do SESC no Acre, eu vivenciei dois momentos que considero digno de registro
nesses pedaços de relatos sobre minhas relações com Hélio. Eu havia por
indicação do DN-SESC contratado um professor de artes plásticas, salvo engano, do Parque
Lages, Rio de Janeiro, para ministrar curso de iniciação à pintura em Rio
Branco. Certa vez eu fui visitar o professor Urian Ágria na sala de aula e encontrei
na primeira fila de carteiras Hélio Melo, fiquei surpreso e ensimesmado. No fim
da tarde, eu chamei até minha sala o mestre Urian, professor e pintor já consagrado, para
me visitar, e durante a conversa eu pedi-lhe que dedicasse atenção especial ao
Hélio, orientando pra que ele não mudasse sua maneira de pintar, pois seria um
desastre se isso viesse a acontecer. O professor Urian foi muito sincero, e disse-me: “Eu já conversei particularmente com
Hélio, logo que ele me mostrou alguns dos seus trabalhos, e falei que ele nada
tinha a aprender comigo, a não ser quanto a técnicas de uso de alguns
materiais, no resto ele era um artista pleno que, certamente, eu gostaria de já ter
sido”.
De outra vez, Hélio
chegou meio sôfrego, triste e amargurado em minha sala e me falou que sua casa
havia sido inundada pelas águas do rio Acre na recente enchente. Ele morava
numa área de risco, no bairro da Base, e viera me procurar para saber se eu
podia lhe emprestar certo valor que somado as suas economias daria para
completar o pagamento da entrada numa outra casa, e assim, ao se mudar de
residência, ele poderia estar livre desse tormento e prejuízos que ocorriam nos
anunciados invernos mais rigorosos, quando o rio Acre alagava parte de seu
bairro. Atendi de pronto ao amigo, que
dentro de pouco tempo veio a quitar sua dívida que ele comigo havia contraído.
Dias depois eu me encontrei com Hélio e perguntei sobre seu novo endereço, ele
me respondeu: “Na Base, é que ali residem os meus amigos, eu gosto da vizinhança
e me acostumei com o bairro, e agora a minha casa está num lugar mais alto e só
se Deus mandar um dilúvio pra minha casa agora ser inundada”.
No começo de1984, eu
encontrei Hélio nos corredores da Universidade juntamente com Genésio
Fernandes; ele me falou do seu projeto de editar livrinhos narrando o muito que
aprendera no convívio com a floresta amazônica e seus habitantes: homens,
animais, mistérios e mitos. Hélio me falou que estava produzindo muito, e que
tinha obra suficiente para nova exposição, mas queria que ele se realizasse
fora do Acre. Eu me propus, então, a sondar amigos em São Paulo e verificar se
havia condições para tal mostra. De volta a São Paulo onde estava cursando
mestrado na PUC, eu procurei Fernando, que gerenciava a livraria Belas Artes,
esquina da Av. Paulista com a Rua da Consolação, sua livraria dispunha de
pequena sala reservada para lançamentos de livros e exposições. Ao lhe falar
sobre Hélio, ele logo se interessou, mas o espaço era muito concorrido e se não
me esqueci, a mostra ficou programada para o segundo semestre. De pronto, eu me
comuniquei com Hélio, para que, com tempo, ele viesse a providenciar a remessa
dos quadros e passagem de vinda a São Paulo para acompanhar a exposição, a
hospedagem ficava por minha conta.
Os tempos eram outros,
nem o SESC nem a Fundação Cultural nada bancaram, e ele teve então de pagar o frete dos quadros, e me comunicou que
infelizmente não poderia estar presente na abertura da mostra, e que eu o
representasse. A mostra foi um sucesso de público e mídia, sendo eu, inclusive,
entrevistado pela TV Cultura de São Paulo; além disso, a mostra foi noticiada em
colunas de jornais de circulação nacional. No jornal Voz da Unidade eu escrevi
um texto sobre ele e a exposição a pedido do seu editor, meu amigo José Paulo
Netto, que, no entanto, não reproduzo aqui por haver perdido o recorte contendo
a matéria. Fato curioso, não se vendeu nenhuma obra, até porque Hélio se
esqueceu de colocar os preços na relação dos quadros que me foi enviada.
Hélio Melo e seu violino |
Em 1985, fui convidado
pelo diretor do SESC no Acre, Luiz Celso, para redigir texto para o catálogo de
mostra individual de Hélio que ele estava promovendo. Fiz o texto e fala na
abertura da exposição. Na ocasião, conheci o conjunto musical “Sempre Serve”,
que Hélio organizou e bancou a compra dos instrumentos, e dele participava seus
velhos amigos. Em vez da velha Rabeca, Hélio agora era solista com ares de
virtuose no uso de violino novinho em folha. Aqui transcrevo o texto que fiz
para o catálogo:
Ao
falar de Hélio Melo, sempre me vem a lembrança o que me disse sobre ele o
sociólogo Luis Werneck Vianna: “os quadros
desse artista faz uma sociologia do trabalho na Amazônia”. A obra de
Hélio, além disso, e sobretudo, deve ser realçada pelos seus valores cromáticos. Nela
vê-se a utilização precisa da cor, com
suas nuances e detalhes, ao retratar a floresta (flora e fauna) e o homem
entrelaçados numa quase simbiose. / Hélio é um primitivo, naif acreano mas
decerto dos mais representativos desse Brasil. O compromisso social com sua
região e sua gente salta aos olhos, um artista sobejamente engajado. Também,
nele, a faceta poética já foi revelada por críticos consagrados. Merece, ainda,
atenção especial a luminosidade dos seus quadros. Os efeitos de sua luz na
floresta ao figurar o amanhecer, o entardecer, o anoitecer. Paisagens
carregadas de luz, claro/escuros e sombras densas, realçados por um desenho de
traços e contornos precisos./ Hélio, mais uma vez, se integra ao SESC, nesses
45 anos de existência da instituição, fazendo dessa sua exposição o centro das
atividades promovidas pela Delegacia Executiva no Acre. Ao SESC, que durante
parte de sua trajetória como artista plástico, sempre lhe deu o apoio
desinteressado e reconheceu nele, desde o início, o mestre do desenho que o
país iria consagrar./ Encerro essa rápida apresentação tomando as palavras do
já falecido grande escultor Sérgio Camargo: “Essa luz da mata provavelmente
existe por lá, mas a que aqui vemos nos vem de Hélio, seringueiro, seringalista,
mestre maior da floresta, nosso amigo, obrigado”.
Revendo nos meus
arquivos o catálogo dessa exposição feita no SESC, eu observei que nele consta
a relação de obras expostas e os seus preços de venda, e me causou espanto os
baixos valores até então cobrados por Hélio pelos seus quadros. Os preços
estavam numa faixa de 30 a 45 mil cruzeiros para os mais baratos, e de 50 a 65
mil cruzeiros para os mais caros. Comparei esses valores com o salário que eu
percebia à época na Universidade Federal do Acre, cerca de 3 milhões e 500 mil
cruzeiros. Da mostra constavam 31 quadros no valor total de 1 milhão 500 mil
cruzeiros. Eu, pasmem, poderia folgadamente comprar todos os quadros em
exposição somente empregando menos da metade do meu salário do mês. Eu chamo a
atenção para esse fato, porque se estima que Hèlio durante seus anos de vida
como pintor produziu cerca de milhares de quadros espalhados com compradores do
Brasil e exterior que adquiriram suas obras através de galerias e exposições
realizadas nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife,
Brasília, Salvador, Fortaleza, Goiânia, Aracaju, e no exterior: Paris,
Washington, Londres, Roma, Lucas, Verona, Florença, Pescara etc.; ou
diretamente do autor em Rio Branco, e, no entanto, ele veio a falecer
relativamente pobre em que pese esse hercúleo trabalho para sobreviver com sua
obra. Cabe ainda realçar que ele era funcionário público de baixa remuneração,
pouco significando seu salário para seu orçamento familiar.
Em 1986, Francisco
Gregório Filho havia assumido a Presidência da Fundação Cultural Elias Mansour, e
então eu falei pra ele que estava comigo em São Paulo todo o acervo que estivera em
exposição na Livraria Belas Artes, e eu queria devolver as obras para Hélio, e
também sugeria que ele adquirisse se possível todos os quadros desse acervo,
pois se travava de material de alta qualidade artística e, portanto, não
deveria sair do Acre. Gregório assumiu o frete, e não sei o destino que foi
dado às obras enviadas, certamente parte foi adquirida pela Fundação, e outra
parte foi entregue ao pintor. Em 1990, ao visitar Hélio no espaço que Gregório
havia instalado em sua homenagem: ‘Sala Hélio Melo’, eu verifiquei que os
quadros que lá estavam emoldurados, todos faziam parte do acervo da mostra
realizada na Livraria Belas Artes, e que eu havia remetido à Fundação Cultural. Na conversa com Hélio, ele entristecido me
informou da morte do escultor Sérgio Camargo, personagem muito importante para
sua vida, e me passou recorte jornal, onde Wilson Coutinho, em artigo,
noticiava o falecimento de Sérgio, e comentava a respeito do homem e de sua
obra. Seleciono aqui trecho em que se refere a Hélio: Mas havia pouco dogmatismo em sua posição. Ele admirava um artista
primitivo acreano, Hélio Melo, que capta a luz filtrada da floresta amazônica,
usando como cor apenas raízes de plantas, e fez o que pôde para que o artista
fosse reconhecido. É que havia algo de sagrado para Camargo: a arte, e esta
implicava em invenção sem se importar se o
artista fosse erudito ou popular. Daí por diante os meus encontros com meu amigo
Hélio foram se tornando raros; papos rápidos ao nos cruzar, vez por outra, nas
ruas de Rio Branco. Mudei-me do Acre em 1992 sem me despedir dele.
Hélio Melo |
Em 1996, eu me reencontrei
com ele na sala Hélio Melo, em Rio Branco. Fiz uma longa entrevista gravada com
ele que, no entanto, até hoje não editei, porém repassei anos depois cópia do
original para sua filha Fátima, já gravada em CD. Um ano depois voltei a Rio
Branco, para completar a coleta de material para minha tese de doutoramento
junto a USP, e aproveitei para lhe fazer uma visita. É que precisava também
checar informações que constavam de sua entrevista já transcrita, pois a
gravação estava com muito ruído devido ao barulho de carros que trafegavam na
Avenida Presidente Vargas e, naturalmente, havia trechos que ficaram incompreensíveis.
Fiz os devidos ajustamentos, conversamos um pouco sobre tudo e eu aproveitei
para adquirir, salvo engano, um quadro sem a moldura que ele havia me mostrado.
Colocação: a caça |
1999, em Natal, eu
recebi uma inusitada ligação telefônica de Hélio. É que ele viera ao Rio Grande
do Norte, e estava expondo seus quadros numa Feira de Saúde que se realizava no
Centro de Convenções do estado. De imediato eu me dirigi ao local da tal feira
para me encontrar com ele, que já estava na cidade há três dias e somente agora
conseguira comigo se comunicar. Fiquei muito chateado com a peça que haviam
pregado nele, pois o local era inteiramente inadequado para exposição de sua
obra. Os seus quadros estavam perdidos no meio de um monte de quinquilharias
artesanais, muita coisa de quase nenhuma qualidade artística, o que certamente
confundia e desvalorizava seu trabalho. Divulgação não houve nenhuma, pois o
centro da feira era a Saúde. Disse-lhe, com clareza, que achava que ele não
devia se envolver com esse tipo de aventura, pois já era um artista consagrado nacional
e internacionalmente, e esse tipo de exposição depunha contra sua arte e não
acrescentaria nada em termos financeiros para aumentar sua riqueza ou reduzir
sua pobreza. Aproveitei para trazê-lo a minha casa e comigo almoçar. No outro
dia, voltei a me encontrar com ele na Feira e conversamos amenidades; ele não
estava se sentindo bem e pediu-me que o deixasse no hotel onde se encontrava
hospedado. A noite, ele me telefonou avisando-me que estaria viajando para o
Acre na madrugada do dia seguinte, e que
deixava na portaria do hotel um pacote com todos os quadros que havia
trazido para Feira, pois nada tinha vendido, e que eu organizasse uma exposição
em Natal, que ele faria de tudo para estar presente. No outro dia eu passei na
portaria do hotel e apanhei a encomenda, e ao abrir o pacote encontrei uma
relação dos quadros sem atribuição dos preços. Somente aceitei o encargo por se
tratar de um pedido do meu estimado amigo Hélio Melo. É que eu estava muito
angustiado e frustrado com o trabalho de sísifo que havia desenvolvido na
Editora da UFRN, e, além disso, muito cansado, pois no ano anterior havia me envolvido numa maratona desgastante ao
participar da equipe de coordenação local da reunião anual da SBPC, sendo o
responsável pela parte de editoração do evento.De quebra havia organizado a I
Feira do Livro do Rio Grande do Norte, e ainda promovido a reunião da ABEU
- Associação Brasileira de Editoras
Universitárias. Pedira também, no começo de 1999, o meu afastamento da EDUFRN
para que pudesse concluir minha tese de doutoramento junto a USP. Aguardei uma
ou duas semanas para me comunicar por telefone com ele, e disse-lhe que nada
poderia assumir neste resto de ano, porque eu não teria tempo nem
disposição para organizar mostra de sua
obra, e somente no próximo ano eu poderia tratar do assunto. Ele concordou e
disse-me que eu ficasse com a guarda dos seus quadros até que eu pudesse
tranquilamente organizar sua exposição em Natal.
Bilhete de Hélio orientando como expor seus livros |
Em 2000, após a defesa
de minha tese de doutoramento na USP, no mês de maio eu voltei a assumir a
direção da Editora Universitária. Fiz de imediato contato por telefone com
Hélio pra que ele me enviasse seu currículo, material de imprensa com notícias,
entrevistas etc., e que ele me mandasse também os preços dos quadros. Ele me
falou que os preços estavam atrás dos quadros e de que não ia atualizar os
valores. Tudo bem, mas falei pra ele que logo que a exposição ficasse com data
definida e catálogos prontos, eu iria incluir nos preços a moldura. Demorei um
pouco a adotar providências, mas lembro-me ainda que foi pedido ao consagrado
artista natalense e meu amigo Dorian Gray para escrever o texto de apresentação; ao
pintor e também amigo Olavo Oliva foi pedido o projeto gráfico para o catálogo;
com o crítico de arte e galerista Antonio Marques fiz contato para que
assumisse a promoção da mostra. Por sugestão de Antonio Marques eu não
emoldurei os quadros, pois, segundo ele, era melhor expor os desenhos colados
num passe-partout improvisado, isso evitaria custos que certamente seriam
adicionados ao preço de cada obra. Ao levar Antonio para ver o material que
seria exposto: 36 desenhos, sendo que cinco ou seis deles eram de grande
tamanho, ele disse-me que sua galeria era pequena e não comportava a exposição,
e orientou-me que o único lugar adequado seria o Palácio das Artes, ou como
alternativa mesmo que precária a Galeria Newton Navarro, da Capitania das
Artes. Conseguir agenda nesses órgãos públicos era um dilema, e pra completar a
sala de exposições do NAC-UFRN estava fechada para reforma, então, o remédio
era adiar para o próximo ano a realização da mostra.
2001. Em março,
precisamente no dia 22, eu tive através do amigo Marcos Inácio Fernandes a
notícia que Hélio havia falecido. Fiquei muito consternado e procurei falar com
sua família mas não consegui; agora, com a morte do meu amigo Hélio, realizar a exposição não fazia mais sentido.
Comecei de imediato a pensar como devolver seus quadros para família. Fiquei
durante todo este ano, sem saber o que fazer, eu apenas tomei a iniciativa de
emoldurar os quadros maiores para assim melhor protegê-los.
2002. Recebi ligação
telefônica de Fátima Melo, filha de Hélio, a quem falei do acervo em meu poder,
e perguntei pra quem enviar o material. Ela ficou de se comunicar novamente e
silenciou. No começo do ano fui a Rio Branco proferir conferência e lançar meu
livro: Comunicação Alternativa e movimentos sociais na Amazônia Ocidental, no
auditório da UFAC, aproveitei, então, para procurar um filho de Hélio que
trabalhava no restaurante do Aeroporto, mas ele se encontrava de férias. O tempo era muito curto, e voltei sem me
comunicar com a família. Em 2003,
aproveitei a carona de Marcos Inácio, que era também amigo de Hélio e de sua
família, para ser portador em seu carro de um grande pacote contendo todos os
quadros de menor tamanho, para ser entregue a Fátima Melo. Tudo foi entregue em
Rio Branco, e fiquei tão somente aguardando, com uma a caixa de madeira já
fechada contendo os quadros maiores, a necessária comunicação da família
informando o endereço para remessa. Nada feito.
2006. Recebi carta de
Roberto Rugiero, na qual ele me perguntou se estava disponível para colaborar
com a Bienal de Artes de São Paulo na sua 27º edição, que iria prestar
homenagem ao pintor Hélio Melo, pondo o meu acervo à disposição da coordenação
do evento. Respondi-lhe que essa homenagem era mais do que merecida, e que
colocaria a disposição não somente meu acervo constituído de sete quadros, mas
tudo que eu dispusesse a respeito de Hélio, inclusive me comprometia a
textualizar e ceder cópia da entrevista ainda inédita que havia feito com ele,
para que ela fosse integralmente publicada na revista Raiz. Como nada se
concretizou, restou-me a felicidade de saber que meu amigo Hélio foi recebedor,
lamentavelmente após sua morte, dessa homenagem consagradora, e fiquei a
acompanhar o farto noticiário que foi veiculado pela mídia nacional. Guardo
ainda com muito cuidado o recorte da Folha de São Paulo que traz o artigo de
Marcelo Coelho sobre a Bienal de 2006, no qual diz: ...O artista-seringueiro Hélio Melo ocupa uma sala inteira, onde a
fantasia “naif” convive com o desenho sutil de cenas da mata; é uma das
presenças mais marcantes desta Bienal. ... As pinturas de Hélio, por exemplo,
podem ser pretexto para interpretações moralizantes a respeito da Amazônia.
Nada contra; mas elas estão ali, em sua coerência de cores e recursos, em sua
delicadeza sombria e feliz, porque não se reduzem a um conceito qualquer. Estão
ali porque são arte.
2008. Já no Acre, onde fiquei por três anos prestando trabalho de
assessoria ao governo na área de cultura, eu reencontrei, em minha casa,com
Fátima Melo, ora dentista com consultório na cidade de Brasiléia. Aproveitei
para mostrar-lhe fotografias dos quadros do meu acervo, e também dos quadros
que estavam comigo e que lhe pertenciam. A partir de então os nossos contatos
se estreitaram, e em 2010 quando voltei a Natal, eu providenciei a remessa dos
quadros que ainda se encontravam em meu poder. Tudo certo, dívida resgatada.
Espero que dentre em breve minha amiga Fátima consiga organizar o seu desejado
Instituto Hélio Melo, e a obra que com amor e tão criteriosamente conservou de
seu querido pai, seja posta à disposição do povo acreano, e cumpra a missão de
preservar a memória desse grande artista e homem de verdade. Artista que na
condição de autodidata se coloca por formação e temperamento sob o signo do
múltiplo e do diverso: desenhista, pintor, músico (tocava rabeca, violino,
violão e cavaquinho), compositor de valsas, choros e marchas, escritor com sete livros publicados, poeta popular, exímio
contador de histórias etc., e ainda, o militante das comunidades eclesiais de
base, engajado nas lutas em defesa da floresta e das causas sociais no Acre.
Como fecho dessas
memórias do que não esqueci sobre Hélio Melo, eu quero contar uma das muitas
histórias que eu sei sobre ele. Disse-me certa vez Roberto Rugiero que Pietro
Maria Bardi, personagem lendária que organizou o Museu de Arte Moderna de São
Paulo (MASP), havia ido a uma exposição de Hélio. Lá chegando, deu uma olhada
nos seus quadros expostos, verificou os preços e disse pro Hélio, você é com
certeza muito bom artista, mas os preços dos seus trabalhos estão muito baixos,
aumente isso e produza menos. Isso dito pelo grande Pietro Maria Bardi, simplesmente
é consagrador. Hélio na sua santa ignorância não sabia quem era Bardi, e quando
ele pediu a doação de um quadro para o
acervo do MASP, ele, então, prontamente negou. Confirmo essa história porque o
Hélio havia também me contado esse fato, eu simplesmente havia dito a ele que
perdera a rara oportunidade de ter um quadro em um dos museus mais importantes
do mundo. Rugiero, rindo, disse-me que logo depois encontrou com Hélio para
encomendar mais alguns quadros para sua Galeria, e ele havia lhe falado que não
entregaria mais pelos mesmos preços, pois um italiano de nome Bardi havia lhe
dito que estavam muito baratos. Durante vinte três anos em que fui amigo de
Hélio, eu comprei dez dos seus quadros; hoje eu disponho apenas de sete no meu
acervo, pois fiz presentes de três para amigos comuns, meu e dele: Ana Maria,
Jaime Ariston e Jaci Bezerra Lima, que estiveram no Acre e também foram seus
admiradores. Ave Hélio, meu saudoso e inesquecível amigo
acreano e, parafraseando o poeta Manuel Bandeira, eu digo: LOUVO HÉLIO MELO,
LOUVO.
Nota: No meu acervo eu
disponho de todos os livros publicados por Hélio: História da Amazônia; Os
mistérios dos répteis e dos peixes; Os mistérios dos pássaros; A experiência do
caçador e os mistérios da caça; Os mistérios da mata e os mistérios dos répteis
e dos peixes; Via Sacra na Amazônia; O caucho, a seringueira e seus mistérios e
História da Amazônia. Em todos os livros consta na capa a frase: Do
seringueiro para o seringueiro. E ainda fotografias, dados curriculares,
bilhetes, recortes de jornais e revistas com notícias, artigos e entrevistas.
Publiquei artigos sobre ele, e fiz textos para catálogos, e tenho dele também
uma longa entrevista gravada e ainda inédita. Todos os quadros que postei no blog fazem parte do meu acervo.
Um comentário:
Carta de Fátima Melo
Me orgulho saber que meu pai tenha tido amigos tão fiéis quanto você. Realmente é uma delícia essa matéria, com muita riqueza de detalhes, onde mostra claramente a sabedoria, ingenuidade e fragilidades que possuía, mais sobretudo o que representou para a classe artística e para nosso estado. Me emocionei a todo instante, especialmente ao ver o bilhete escrito por ele. Percebe-se quanto o admirava. Quanto a obra mencionada, algumas vezes cheguei a pinta-las, mais sempre ele finalizava. Normalmente eram obras grandes, feitas sobre compensado. Eu mesma já encontrei uma dessas obras na Galeria Antunes. Então provavelmente pode ter ocorrido isto. Obrigada por tornar viva a memória de meu pai.
Estarei sempre à disposição no que for necessário. Possuo recortes de jornais, vídeos e fotos inéditas.
Um grande abraço, sua eterna amiga,
Fátima Melo
(68) 9224-8899
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